Na penumbra de um casebre numa área invadida entre o Cânyon e o Santa Fé, um casal conta o drama de tentar salvar o futuro do filho, vítima do vício em drogas. O menino de 20 anos, que na adolescência ajudava o pai como garçom e já adulto tornou-se profissional elogiado pelos patrões, sucumbiu rápida e inexplicavelmente. Está internado há quatro meses em um centro de reabilitação em Três Coroas, onde ficará por um ano. O caso é representativo da realidade exposta pelo Pioneiro na reportagem Olhai Por Nós, que mostra como a juventude, especialmente nas periferias de Caxias, está exposta ao desamparo e à violência, em grande parte provocada pelo tráfico. Em 10 anos, 385 rapazes e moças de até 25 anos morreram de forma violenta na cidade.
– Eu não queria estar nessa invasão. Mas, com a crise fiquei desempregado e não consegui mais pagar o aluguel da casa onde a gente morava, no Santa Fé. Se tivesse condições, sairia hoje mesmo – emociona-se o pai, engasgado em lágrimas.
Após um histórico de incontáveis internações nos últimos três anos, o casal não sabe se o filho terá ainda muitas chances para retomar o rumo. A cada retorno, o jovem volta também ao convívio com a droga, sempre disponível a poucos quarteirões de distância.
– O problema é que nessa região existe muita droga. Não podemos tapar o sol com a peneira. Ele sai da clínica, volta para o bairro, e aqui...eu não sei se (as autoridades) fazem que não veem ou se só querem pegar os maiores, mas a venda é a céu aberto – reclama o homem, que assim como a mulher prefere preservar a identidade.
Atacar o problema da drogadição é uma das bandeiras que o secretário de Segurança e Proteção Social, José Francisco Mallmann, considera uma meta no mandato que iniciou em janeiro.
– Estamos elaborando o regimento interno da Coordenadoria da Juventude, também iremos criar o Plano Municipal da Juventude e a Coordenadoria da Defesa Social e Direitos Humanos. São medidas com um direcionamento muito específico na defesa social da faixa que vai da adolescência até os 29 anos –antecipa.
Para o secretário, um fator determinante para a pasta não ter alcançado a redução significativa da criminalidade foi o aumento no tráfico, provocado, segundo Mallmann, pela flexibilização na lei de drogas, em 2006:
– Até a alteração na lei, o consumidor era criminalizado com a pena privativa de liberdade. Isso mudou a partir da flexibilização, que abrandou as penas. Na minha opinião, foi um equívoco da justiça. De 2006 para cá aumentou o problema do tráfico no país, a disputa pelos mercados se intensificou. As leis no nosso país são muito brandas. Enquanto não houver um endurecimento, será ainda mais importante trabalhar muito forte nas comunidades junto aos jovens, que são o alvo preferencial do tráfico.
Juiz sugere circuito de intervenção protetiva
Responsável pela implantação do programa de Justiça Restaurativa de Caxias do Sul, o coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, o juiz Leoberto Brancher considera como inteligentes as iniciativas locais para prevenção à criminalidade, mas considera que elas deveriam dialogar entre si e com as comunidades mais para um resultado mais efetivo.
– Imagine um ciclo que atenda famílias com tendências a reproduzir diversas gerações de envolvimento criminal, que nos permitisse trabalhar do ponto de vista da saúde pública, fazendo diagnósticos de prevenção com as crianças, integrando o Primeira Infância Melhor (PIM) com a escola, com a FICAI impedindo a evasão escolar, com o conselho tutelar efetivando medidas protetivas....um circuito de intervenção protetiva teria um efeito muito importante, e é isso que se deve buscar – analisa.
Dentro desse esquema conjunto de intervenção protetiva que propõe, Brancher considera fundamental que, além de assistência social, saúde e educação, se inclua justiça e segurança.
– O policial que encaminha uma ocorrência não acompanha o que ocorre no âmbito da justiça, e não compreende a complexidade do que se passa após a condenação judicial. Se o fluxo fosse integrado, já teríamos um avanço mais importante. Se olharmos o sistema de execução penal, vivemos um drama. Ou prende, ou não dá nada. Não temos efetividade nas sanções penais de crimes de menor potencial ofensivo, que às vezes são o ponto de entrada da carreira criminosa. Temos penas que não são executadas, medidas cautelares ridículas e não monitoradas, não existe atividade de apoio, não existe nada...o sistema penitenciário é um resumo do que ocorre no sistema penal, que é de ênfase quase exclusivamente punitiva – teoriza.
Por último, Brancher ressalta a necessidade de, diante da incompletude das políticas públicas, ter a sociedade civil como um agente efetivo na busca pela transformação social:
– Considerando a incapacidades das políticas públicas de prover serviços à imensidão de demanda, reforça-se o desafio de convocar a sociedade civil, através do resgate do senso de comunidade. Um exemplo disso é a Central Comunitária da Paz do Cânyon, instalada em um bairro onde há dois anos não tem homicídio.