Ginecologista concursado da prefeitura de Caxias há quase 20 anos, Fernando Vivian assume como novo secretário municipal da saúde sabendo que terá com uma das principais missões resolver o impasse entre a classe médica, que pede reajuste salarial, e o poder público. Embora não considere uma tarefa impossível, sabe que o problema pode estar longe do fim, já que os cofres públicos trabalham no negativo. O desgaste já esperado - nos bastidores se fala que o ex-secretário Darcy Ribeiro Pinto Filho deixou a pasta também por não suportar a pressão diante das dificuldades enfrentadas na saúde - faz com que Vivian, porto-alegrense de 46 anos, não pense em desistir da responsabilidade.
– Nunca tive a ambição de ser secretário, mas aceitei porque acho que posso dar mais de mim. Hoje existe uma nuvem cinzenta sobre a pessoa que ocupa esse cargo porque estamos lidando com grandes problemas. Mas é por isso que estou acordando duas horas antes do normal e indo dormir uma hora depois. Reduzi a carga de atividades pessoais, vou estar no meu consultório somente em três finais de tarde porque não posso deixar minhas pacientes. Mas, hoje, a leitura que tenho é que, com a atividade privada, posso ajudar um de cada vez; agora como secretário talvez eu consiga ajudar muitas pessoas em cada ato que fizer – acredita o médico que, até semana passada, coordenava a Saúde da Mulher da secretaria.
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Pioneiro: Sua chegada é vista como uma esperança para resolver o impasse entre médicos e prefeitura. Como médico concursado, entende as reivindicações da classe?
Fernando Vivian: Entendo e compartilho da opinião de que é necessário fazer uma revisão sobre remuneração. O capítulo cumprimento de carga horária está encerrado, pela imoralidade e ilegalidade da situação. É necessário uma compreensão de ambas as partes. Tudo seria mais fácil se houvesse um orçamento maior. Mas hoje não há.
A última proposta dos médicos é que se receba por hora trabalhada (R$ 79,71). Isso é possível?
Estamos trabalhando arduamente em cima desse impasse. Uma coisa é clara: não existe uma subcategorização dos servidores, que são agrupados e remunerados dentro de categorias. Não existe possibilidade, hoje, de mexer na categoria do servidor médico sem que isso repercuta nos outros servidores.
Então o que se fala nos bastidores, a criação de um cargo especial para médicos, padrão 15, não vai acontecer?
A apreciação dessa possibilidade pelo Executivo vai depender de um entendimento entre as partes. Estamos ainda tentando avançar no sentido de construir duas equipes para conversar. A grande solução seria uma equipe paritária, que sentasse e conversasse. Se não acontecer isso, não vai ter negociação.
Mas porque isso não acontece? Intransigência de uma das partes, ou das duas?
Não sei responder isso. O Executivo está aberto para receber qualquer equipe constituída por servidores para que as negociações avancem. Mas isso parece uma novela que não ter fim.Não é fácil. Essa questão não impacta somente no orçamento de hoje. Estamos falando de Reforma da Previdência. Como vai ficar o Fundo Municipal de Previdência dos servidores se a gente passa a englobar valores sobre o salário? São cálculos de longo prazo. Honestamente, vejo o prefeito com muita boa vontade para resolver a situação, mas seria muito leviano entregar todos esses números hoje e deixar para uma futura administração resolver depois. Lamento que isso esteja acontecendo. Gostaria muito de colocar um fim nisso porque é muito desgastante. Queria resolver isso com uma canetada. Isso me daria noites tranquilas de sono por alguns anos, mas, no futuro, isso seria lembrado como uma irresponsabilidade. Aí teria o resto da minha velhice para lembrar.
Médicos se exoneraram nesse caminho e alguns pediram readequação de carga horária. O impacto é grande para uma cidade que sofre com falta de profissionais nas unidades básicas de saúde e no Postão 24h. Existe a possibilidade de mais contratações?
Tivemos que fazer reposições e contratações estão em andamento. Se antes uma equipe já trabalhava com certa demanda reprimida em algumas áreas, agora, com essas reduções, claro que vamos ter que nos readaptar. Isso é um desafio porque não temos no mercado todos esses especialistas, e olha que vivemos em uma cidade que tem escola médica! Mas nem todos ficam na comunidade, muitos ainda se encaminham para uma subespecialidade. Então demora para termos esse profissional no mercado à disposição.
Muitos alegam que o serviço público não é atrativo...
A gente tenta tornar o atrativo financeiro adequado aos pisos das categorias, mas nesse momento econômico que vivemos, é quase impossível mexer na questão salarial. Os cofres públicos estão trabalhando no negativo. Mexer na folha de pagamento agora seria muita irresponsabilidade.
Poucos médicos refletem no aumento da espera por consultas. As filas são um grande problema em Caxias?
No Brasil inteiro. Nós ainda temos a grata satisfação de não ter longas filas em todas as áreas. Temos alta resolutividade, por exemplo, em cirurgia de mama, no rastreio do câncer.
O ex-secretário planejava colocar em prática um modelo diferente para desafogar a demanda por consultas especializadas desde a UBS, com a ajuda de assessores de médicos. Por exemplo: se você vai na rede e quer uma consulta com um cardiologista, o médico da unidade tem de entender a possibilidade de resolver o problema dessa pessoa lá. Se não se sentir capacitado, pode se valer dos recursos dessa assessoria. Isso é uma ideia para se por em prática?
É viável, já que elas têm previsão legal de existirem. Mas ainda não temos no fluxo do SUS em função de custos.
Sem repasses, a Upa deverá ser aberta no segundo semestre. O prefeito já se mostrou preocupado em manter o espaço, estimando um gasto de R$ 18 milhões anuais para o custeio. Há uma preocupação sobre isso? Se estuda a possibilidade de abrir a Upa em uma categoria diferente, com poucos médicos?
Abrir a estrutura de forma irresponsável não seria profissional. Estamos estudando muito e não temos a definição absoluta de como ela vai funcionar. Estou me apropriando disso ainda.
Hoje há déficit de leitos hospitalares em Caxias. Qual a urgência para resolver isso?
Temos questões sazonais que agravam esse problema. Estamos de olho no inverno, por exemplo, que deve aumentar a demanda. Já chegamos ao extremo de pedir socorro para um Central Estadual de Leitos, isso é difícil, é quase como não ter cama em casa para os teus filhos. Hoje trabalhamos estrangulados. Os serviços de urgência e emergência alimentam esses leitos em uma velocidade muito grande. Existem situações emergenciais que temos que comprar leitos, e aí vem uma tabela que não é aquela que a gente negocia pelo SUS: o custo ultrapassa muito os valores que o SUS tem para pagar. Desde 2011 não temos atualização dos custos de média e alta complexidade. A ginástica é grande para tentar resolver, mas estou tentando.
O ex-secretário disse, no início da gestão, que reveria a sua posição como titular da saúde a partir dos 100 dias de governo. O senhor tem prazo para sair?
Sim, saio daqui quando acabar a gestão do prefeito. Passarei pelo que tiver que passar. Só saio antes se tiver problemas pessoais.