A população caxiense está assustada com o avanço da criminalidade nas ruas. Contudo, é dentro da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, no Apanhador, que a bandidagem se organiza cada vez mais. Após uma inspeção na segunda-feira, três juízes enviados pelo Tribunal de Justiça (TJ) compararam a casa com o Presídio Central e afirmaram que, se o Estado não reagir, o fortalecimento das facções criminosas colocará Caxias do Sul no mesmo patamar de insegurança de Porto Alegre ou do Rio de Janeiro. A interdição da cadeia é avaliada pela titular da Vara de Execuções Criminais (VEC), Milene Fróes Rodrigues Dal Bó.
Leia mais
Juízes relatam domínio de presos no Apanhador e sugerem interdição de casas prisionais de Caxias do Sul
Servidores denunciam que detentos controlam Penitenciária Industrial de Caxias do Sul
"Pago para evitar agressões a meu filho", afirma mãe de detento da Pics
O baixo número de agentes penitenciários, aliado ao modelo de galeria aberta, onde os detentos circulam sem restrições e não precisam ficar recolhidos em celas, fez com que o Estado perdesse de vez a gerência sobre os mais de 500 presos das três galerias do Apanhador. Esse descontrole não chega a ser uma novidade. Em 2010, foi mostrado pelo Pioneiro que havia um tribunal do crime, instaurado pelos detentos para julgar e matar colegas de cela. De lá para cá, o que mudou foi a organização dos presos, agora em facções com nome e estatuto, o que rende mais dinheiro.
Esse esquema criminoso tem uma origem: com efetivo insuficiente de agentes, a administração aceitou o sistema de prefeituras, que determina um representante dos apenados em cada galeria para negociar com a direção da casa e manter a disciplina. Quando é necessária uma transferência, é o prefeito quem chama o apenado e o conduz até os agentes, no lado de fora da galeria.
Adotado em diversos presídios, o modelo é um dos motivos do fortalecimento das facções no Apanhador porque cria uma hierarquia em que os prefeitos precisam ser respeitados para exercerem o posto. Em uma cadeia, o respeito é conquistado à força e conforme a gravidade dos crimes praticados. O domínio sobre as galerias é destacado no relatório dos juízes do TJ entregue à VEC. Eles apontam que os apenados não estão habituados com a presença de autoridades: os agentes penitenciários, por exemplo, sequer acompanharam a inspeção dos magistrados.
– Quem assegura a integridade do preso são outros detentos. Como quem a garante é o líder de uma facção, esse novo preso precisa entrar para a facção. Consequentemente, esse preso começa a se endividar e arrumar inimigos – resume o juiz Sidinei José Brzuska, do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário.
Prefeitos das galerias querem ‘mais soldados’
Criminosos enxergam as cadeias como grandes pontos de tráfico. No Apanhador, por exemplo, são praticamente duas centenas de clientes em cada galeria, com muito tempo ocioso – não há convênio de trabalho e apenas cinco detentos têm aulas, que ocorrem em um espaço reduzido. De acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a droga entra por meio das visitas, e a proibição da revista íntima dificulta a fiscalização.
Outro fator que dificulta o combate é o envolvimento de familiares dos apenados. O traficante faz com que outros presos endividados peçam a seus parentes para transportar maconha, cocaína e crack. Punir o preso e seu familiar não atrapalha a continuidade do tráfico, pois o dono da mercadoria dificilmente é identificado.O dinheiro que alimenta este comércio entra de forma legal. Cada visita tem o direito de levar R$ 150 por semana para um apenado. Em um cálculo simples, é possível constatar que em cada galeria circulam em torno de R$ 120 mil por mês. Apesar de a lotação no Apanhador estar acima do limite, os prefeitos garantem que é possível receber mais detentos.
– As lideranças do Apanhador estão pedindo mais gente. Dizem que cabe, no mínimo, mais 50 presos em cada galeria. Porque é mais soldado e mais lucro para eles – relata o juiz Paulo Augusto Oliveira Irion.
O próximo passo dessa organização pode envolver o patrocínio de obras na casa prisional pelos próprios presos, como ocorre na Região Metropolitana.
– Eles reformam a galeria e compram tudo. Se propõem até fazer o semiaberto. São mais soldados, é captação de mão de obra. Quanto mais gente (na galeria), mais lucro. E para crescer lá dentro, tem de crescer na rua – aponta o juiz Brzuska.
TUDO DOMINADO
Juntas, as três galerias do Apanhador reúnem 537 apenados. Todo preso encaminhado à penitenciária é colocado na ala com a qual tem mais afinidade. Confira:
Galeria A
Estão recolhidos os detentos de bairros da Zona Leste e Zona Norte. Esse grupo tem como prefeito um homem envolvido em assassinatos, preso em novembro passado em Santa Catarina por estar foragido do regime semiaberto. Na ocasião, ele foi flagrado com armas, drogas e munições. Ele também portava um estatuto do Primeiro Comando da Capital (PCC). A suposta facção comandada por esse apenado, segundo a Brigada Militar, também estaria por trás de várias execuções de rivais em Caxias do Sul. De dentro da cadeia, o homem controlaria os comparsas e estaria liderando a formação de uma facção ainda mais forte na cidade.
Galeria B
Recebe apenas os apenados que moram no bairro Euzébio Beltrão de Queiróz ou tem afinidade com a atividade criminosa nesta comunidade. A galeria é comandada por um antigo detento, responsável por manter a disciplina no local. Contudo, esse homem está perdendo poder por ser integrante da velha guarda do crime e não ter mais tanto contato com a nova geração de criminosos.
Galeria C
Antigamente era usada para abrigar os presos sem relação com os grupos da outras galerias. Hoje, há sinais de que um novo grupo está se formando. A liderança não está claramente definida.