Desde sexta-feira, a prefeitura realiza a Operação Centro Legal, que visa a combater o comércio ilegal e promete fiscalização intensa. Além dos índios, senegaleses, caxienses e pessoas vindas de outras partes do Brasil costumam ocupar o centro para vender desde peças de roupa a produtos piratas. A questão faz retomar uma pergunta que há tempos Caxias não consegue responder: por que é tão difícil acabar com o comércio ambulante?
No passado, a abertura do camelódromo surgiu com uma solução: camelôs com bancas nas calçadas e ambulantes foram deslocados para um ponto comum, hoje na Sinimbu. Por enquanto, segundo a secretaria de Urbanismo, não há planos de outro empreendimento para atender aos ambulantes. Tampouco há vagas formais no mercado de trabalho para absorver homens e mulheres que ganham dinheiro nas calçadas da Júlio, por exemplo. Portanto, somente a fiscalização mais rigorosa não resolverá o comércio de produtos irregulares ou contrabandeados nas ruas da cidade.
Uma reunião entre Ministério Público Federal (MPF), prefeitura e Fundação Nacional do Índio (Funai), nesta terça-feira, às 10h, deve debater a fiscalização aos índios que vendem produtos nas ruas de Caxias do Sul. A ação da Guarda Municipal a um casal indígena no último sábado gerou polêmica nas redes sociais e resultou num inquérito que apura um suposto abuso: um vídeo foi gravado mostrando agentes usando a força para retirar a dupla da calçada.
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Índios
Diariamente, índios que vivem em uma aldeia caingangue de Farroupilha vem de ônibus a Caxias para vender produtos. A cacique, Silvana Kréntánh Antônio, tem o mesmo argumento do Ministério Público Federal (MPF):
– Temos só um espaço para viver, não temos como buscar matéria-prima. Fazemos para sustentar nossos filhos. Se não for assim, teremos que pedir dinheiro na sinaleira – lamenta.
Segundo Silvana, cerca de 80 índios vivem na tribo. Enquanto as mulheres produzem artesanato e vendem produtos, os homens trabalham como diaristas em lavouras em épocas de safra. Além de brincos de pena, filtros de sonho e arco e flecha artesanais, eles vendiam chapéus industrializados. Ou seja, somente a venda de artesanato não é suficiente para garantir a renda da tribo, o que abre brecha para a comercialização de outros itens.
Imigrantes
Sem encontrar emprego formal, dezenas de imigrantes, a maior parte senegaleses, vendem produtos no centro. Eles ofertam panos de prato, meias, DVDs piratas, roupas infantis e bijuterias, entre outros.A irmã Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), não acredita que uma reviravolta na economia possa dar emprego fixo a todos, o que, segundo ela, é o desejo desses imigrantes. Ela lembra ainda que, diferentemente do brasileiro, o imigrante não conta com rede familiar para lhe dar suporte financeiro.
– Todos os dias eles vêm aqui (no CAM) ver se tem vaga de trabalho formal. Há uma cobrança muito grande em relação à população imigrante e não vemos isso igual com os brasileiros. Penso que é uma questão muito tênue, mas tem que ver como é feita a abordagem, que não cause mal estar a eles e à população. Está na hora de pensar na efetividade das ações, usar outras estratégias, porque simplesmente coibir de forma truculenta não vai adiantar. Isso me preocupa – analisa.
Descentralização
A fiscalização da prefeitura por enquanto está restrita à região central, onde ficam as principais lojas e onde os ambulantes encontram maior público. A Avenida Júlio de Castilhos e ruas transversais estão entre os pontos preferidos, além da Praça Dante Alighieri.A secretária de Urbanismo, Mirangela Rossi, assegura que o comércio ilegal também é proibido nos bairros e que a fiscalização vai chegar a outros pontos da cidade.A secretária diz que se preocupa que, neste primeiro momento, ambulantes migrem do centro para os bairros. Assim, o plano é pensar em formas de auxiliar essas pessoas, como com cursos profissionalizantes.
– Não é simplesmente "vai lá e limpa" (o centro) – garante.
Brasileiros também vendem
Além de imigrantes e índios, há pessoas daqui e de outras partes do país atuando como ambulantes. Somente em Caxias do Sul, 7 mil postos de trabalho foram fechados no ano passado, o que também pode estar refletindo na rua.O vice-presidente de Comércio da Câmara de Indústria e Comércio e Serviços (CIC), Ivanir Gasparin, defende a formalização:
– A história mostra que são poucas as pessoas que conseguem progredir nessa vida (venda ilegal). A formalização faz com que a pessoa entre no mercado, tenha plano de saúde, seja um microempreendedor individual. Mesmo na época de vagas gordas, nós enfrentávamos esse desvio – avalia.
Entre comerciantes, uma das justificativas para combater os ambulantes é o impacto nas vendas.
– O dinheiro na sociedade é o mesmo. Ou a pessoa compra de um lado, ou de outro – analisa Gasparin.