O terceiro assassinato no ano em Caxias do Sul teve como cenário um dos lugares mais frequentados da cidade e já conhecido por badernas, brigas e até mortes. Local de concentração de restaurantes e casas noturnas, a Estação Férrea há tempos se tornou um ponto turístico e opção cultural, mas também amarga a realidade de um espaço onde jovens costumam se aglomerar para beber na rua e onde o poder público não consegue acabar com a violência de forma definitiva. Cansado de esperar, um grupo de empresários agiu por conta própria: desde o final do ano passado, vigilantes pagos por eles circulam pela área, na tentativa de coibir a criminalidade. No sábado, quando poucos estabelecimentos abriram e por isso o serviço particular não operou, Guilherme Yuri Padilha, 19 anos, foi esfaqueado e morreu no hospital.
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Em média, cinco ou seis homens vestindo colete preto circulam pela área nas sextas e sábados. A ideia, segundo o presidente da Associação Amigos do Largo da Estação (Aale) e proprietário da Wood's, Alexandre Fasoli, é inibir confusões, som alto e até a sujeira – costumeiramente, a Estação amanhece com dezenas de garrafas e copos espalhadas no chão, já que muitas pessoas optam por se reunir na rua.
– Assim demonstramos que estamos preocupados. Criamos esse grupo de orientadores sabendo das dificuldades dos órgãos de segurança. Nossa intenção não é retirar os jovens, mas garantir um pouco de segurança. Não temos poder de polícia na rua, mas tentamos orientar, coibir algum vandalismo com a presença deles. Nos custa caro, mas a gente se obriga – descreve.
Além da Wood's, La Barra, 20barra9, Mississippi, Level, Bulls, Umai-Yoo, Zero 54 e Osaka integram o grupo. A aglomeração, que já teve como ponto principal a Dr. Augusto Pestana quase esquina com a Marechal Floriano, onde há pouca iluminação, há meses também ocorre na Coronel Flores. Moças e rapazes também costumam ficar na frente do prédio da Secretaria da Cultura, onde há uma escadaria. A região enfrenta, ainda, o consumo de drogas e a ação de flanelinhas, que abordam e intimidam qualquer pessoa que queira estacionar. Alguns bondes também costumam frequentar a área.
– Dentro das casas, somando todas, deve ter umas 2 mil ou 3 mil pessoas nas sextas e sábados. Mais um monte de gente na rua. Aquilo ali é uma bomba relógio – analisa Fasoli.
O major Émerson Ubirajara Souza, que responde interinamente pelo 12º Batalhão de Polícia Militar em Caxias do Sul, afirmou que a Brigada Militar fez inúmeras operações, simples e em conjunto com outros órgãos, na Estação Férrea durante todo o ano passado.
– Em 2017, iremos continuar a desenvolver ações no local dentro de nossa disponibilidade – diz.
O secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Social, José Francisco Mallmann, promete marcar uma reunião com diversos órgãos para tratar de ações para a Estação Férrea.
É difícil coibir aglomeração
Na madrugada de sábado, quando Guilherme Yuri Padilha foi esfaqueado, dezenas de jovens ocupavam a Rua Coronel Flores. Em noites de grande movimento, os veículos precisam transitar em velocidade muito baixa, já que a aglomeração ultrapassa as calçadas e ocupa o leito da via.Proprietário da Level, na Coronel Flores, César Casara diz que não sabe como inibir o movimento, já que muitos jovens permanecem na rua à espera de conseguir entrar na boate. Como é preciso respeitar o limite de público, novos clientes podem ingressar somente à medida em que outros saem, explica.
– Quem está na rua, eu não tenho como pedir para sair. Mas estou cansado, é uma coisa (a situação da Estação Férrea) que não sei como vamos resolver – lamenta Casara.
Para Alexandre Fasoli, a grande solução deve ser encontrada pelo poder público em conjunto com a iniciativa privada.
– Não sou especialista em segurança, mas talvez alguma fiscalização antes do acúmulo de pessoas – sugere.
Histórico de confusões:
:: 15 de novembro de 2016: um rapaz de 22 anos foi esfaqueado durante um tumulto no largo da Estação na madrugada de ontem. O jovem foi socorrido por um taxista.
:: 24 de maio de 2016: Duas pessoas foram baleadas por volta das 23h, na esquina das ruas Dr. Augusto Pestana com a Coronel Flores. O provável alvo dos disparos, Antonio Leandro Pereira Filho, o Baianinho, 24 anos, foi baleado na nádega e perna direita. Um dos tiros, porém, atingiu Alex Sandro da Silva de Brito, 36, que estava do outro lado da rua carregando equipamentos de som em uma van.
:: 8 de maio de 2016: um jovem de 19 anos foi esfaqueado durante a madrugada, em uma discussão. Ele foi atingido no tórax e no abdômen, mas sobreviveu.
:: 24 de abril de 2016: um homem foi baleado nas costas às 4h. Na mesma noite, um jovem de 22 anos foi preso em flagrante por porte ilegal de arma na esquina das ruas Os 18 do Forte e Marechal Floriano.
:: 22 de março de 2015: Leandro Amaral, 25 anos, morreu com um tiro na nuca, durante uma briga em frente a uma casa noturna.
:: Dezembro de 2011: Três pessoas ficaram feridas em dezembro durante tiroteio nas imediações de um bar na Rua Os Dezoito do Forte. Os moradores pediram que o estabelecimento fosse fechado, mas ele seguiu funcionando porque não apresentava irregularidades.
:: 2011: As constantes reclamações dos moradores fizeram empresários, prefeitura e órgãos de segurança buscarem, no mês de setembro, uma solução para conter os incidentes na Estação Férrea. Os empresários se comprometeram a adequar seus estabelecimentos ao Código de Posturas Municipal.
:: 20 de março de 2011: Na madrugada de domingo, Jair Backes e Ismael Fernandes Dinnebier, de 20 anos, foram esfaqueados nas costas e no pescoço durante uma briga na Rua Dr. Augusto Pestana. Havia suspeita que a confusão tivesse sido motivada pela ação de flanelinhas na Estação.
:: 6 de março de 2010: Por volta das 3h30min, durante uma brigada generalizada na Rua Coronel Flores, André Capoani, 19 anos, foi agredido com uma garrafada na cabeça.
:: 2008: Indignados com a falta de ações do poder público para coibir a violência e a confusão, um grupo de moradores da Rua Augusto Pestana começou a documentar os episódios e encaminhou os vídeos às autoridades. À época, a principal reclamação era o som alto e o uso de calçadas e muros como banheiros pelos frequentadores. Um abaixo-assinado com 250 nomes foi entregue ao Ministério Público, cobrando providências.
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Cristiane Barcelos
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