Depois de 15 meses de investigação, a 1ª Delegacia da Polícia Civil (1ª DP) de Santa Maria concluiu o inquérito que apurou uma fraude que pode ter lesado cerca de 2 mil pessoas de Santa Maria e outras cidades gaúchas em mais de R$ 30 milhões. Cinco advogados, todos do Paraná, foram indiciados no final do mês de dezembro. Os advogados podem responder pelos crimes de apropriação indébita, que tem pena prevista de um a quatro anos de prisão, e estelionato, de um a cinco anos de prisão. Agora, o inquérito, que conta com 7 mil páginas, está em posse do Ministério Público. Os nomes dos advogados não foram revelados pela polícia.
– Foi uma investigação que demandou muito tempo e trabalho, pela complexidade. Tínhamos praticamente apenas um policial na investigação. Foi um trabalho bem feito, que chegou a um resultado em um prazo plausível. A prova colhida foi boa, e o MP vai ter muitos elementos. Acreditamos que demore uns três meses para eles conseguirem ver tudo – afirma o delegado Carlos Alberto Dias Gonçalves, titular da 1ª DP.
Tudo começou em setembro de 2015, quando o advogado de Santa Maria Gustavo Cervo descobriu a fraude e registrou ocorrência contra outro advogado, que não teria repassado a um cliente valores ganhos em uma ação contra a CRT, após a venda à Brasil Telecom (atual Oi).
Mais de 2 mil ações
Ao longo da investigação, a Polícia Civil descobriu que os cinco advogados foram responsáveis por ajuizar cerca de 2 mil ações contra a antiga estatal. As causas ganhas chegam a um valor de aproximadamente R$ 25 milhões. No entanto, grande parte desse dinheiro não era repassado aos clientes, mas, sim, rateado entre os advogados, divididos em dois grupos. Apesar disso, a polícia conseguiu identificar quase 70 pessoas. Só em um caso de Santa Maria, os advogados se apropriaram de quase R$ 700 mil que não foram repassados.
Sequestro de bens
Em janeiro do ano passado, o delegado Gonçalves pediu a quebra de sigilo fiscal, o bloqueio de bens e a prisão dos suspeitos. Os dois primeiros foram deferidos, mas a prisão, não. Foi constatado que, de 2004, quando os advogados começaram a ganhar as ações, até dezembro de 2015, eles movimentaram quase R$ 100 milhões, mas não significa que esse seja todo o montante desviado.
Foram sequestrados R$ 1,5 milhão em dinheiro e bens como veículos e imóveis dos advogados, entre apartamentos, casas, terrenos e propriedades rurais. Assim que o sequestro foi autorizado pela Justiça, quatro dos cinco advogados vieram até Santa Maria para colaborar com a investigação. Dois deles admitiram que se atrapalharam, porque eram muitas ações, mas negaram ter havido má-fé. Outros dois alegaram não ter feito o pagamento a alguns clientes por não tê-los encontrado, mas, quando acharam os clientes, fizeram o pagamento.
Se o cliente não corria atrás, grupo ficava com todo o dinheiro
Na década de 1980, uma funcionária pública de Santa Maria e suas duas irmãs economizaram por anos para juntar uma bolada para comprar as ações da CRT que davam direito à tão sonhada linha de telefone fixo. Em 2000, após a privatização da CRT, as três atenderam aos apelos de um escritório de advogados do Paraná, que abriu filial em Santa Maria e era especializado em entrar com processos judiciais para recuperar parte dos valores pagos em ações da CRT.
– Eles mantiveram o escritório por seis meses no Centro e, depois, foram embora. Por três meses, a gente falava com eles no escritório de Porto Alegre. Depois, não atenderam mais – diz a funcionária pública aposentada, hoje com 71 anos.
O tempo passou, e os processos contra a CRT caíram no esquecimento. A aposentada não ficou sabendo se ganhou ou não na Justiça. Uma das irmãs chegou a morrer também sem receber nada, enquanto a outra ganhou R$ 21 mil – mas deveria ter recebido bem mais.
Em 2014, quando estourou o escândalo envolvendo o advogado de Passo Fundo Maurício Dal Agnol, acusado de se apropriar dos valores das ações de seus clientes, um morador de Santa Maria lembrou que tinha ação semelhante contra a antiga CRT. Ele tinha entrado com a ação por meio dos mesmos advogados do Paraná que abriram escritório em 2000, em Santa Maria, mas que nunca mais haviam dado resposta sobre o caso.
O santa-mariense, então, procurou um advogado aqui da cidade, Gustavo Cervo, que descobriu que ele teria sido vítima de um golpe feito pelos advogados do Paraná. O santa-mariense tinha ganhado a ação e deveria ter recebido mais de R$ 500 mil, mas não ganhou nada dos advogados.
– Nesse caso, era uma ação coletiva, e eu entrevistei outras pessoas que estavam no mesmo processo e fiz ação judicial de prestação de contas para saber se elas também não tinham recebido – conta Cervo.
Foi a partir disso que a funcionária aposentada ficou sabendo que a Justiça havia mandado a Brasil Telecom (atual Oi) pagar a ela mais de R$ 100 mil por ações da CRT. Mas ela não viu nenhum tostão. Tudo ficou com os advogados do Paraná.
– A sensação foi de impotência. A gente vai atrás da Justiça, mas não sabe mais em quem confiar. Se ele que é o advogado (do Paraná), que deveria nos defender, pegou o meu dinheiro, como confiar? Se eu tivesse recebido esse dinheiro, na época, poderia ter comprado um carrinho para levar a minha mãe. A gente poderia ter mais conforto – afirma a aposentada, que só recebeu o valor das ações em 2016, após entrar com ação contra os advogados do Paraná.
Segundo Gustavo Cervo, que descobriu a fraude em Santa Maria, chama a atenção que os advogados do Paraná pegaram como clientes donas de casa e pessoas idosas, que dificilmente ficariam sabendo se ganhariam as ações na Justiça.
– Se a pessoa ia atrás e cobrava, eles pagavam uma parte do dinheiro ganho nas ações. Ligavam dizendo: “Lembra daquela ação contra a CRT? O senhor ganhou uma bolada: R$ 20 mil”. Mas o valor correto era R$ 100 mil. E se a pessoa não ia atrás, eles ficavam com todo o dinheiro. O correto é que, se o advogado não achou o cliente para pagar o valor, tem de devolver à Justiça – diz Cervo.