Considerada a ferramenta mais democrática para que a população aponte as prioridades em cada bairro, o Orçamento Comunitário (OC) de Caxias do Sul termina um ciclo de quatro anos com 140 ruas pavimentadas, pelo menos outras 110 intervenções em mobilidade e lazer, mas com mais de 200 obras que não saíram do papel. A falta de dinheiro fez com que a administração destinasse verba a pastas mais problemáticas, caso da saúde.
O governo do prefeito eleito Daniel Guerra (PRB) garante a permanência do OC, mas adianta que o programa será enxugado para redução de custos e afirma que cada obra elencada pelas comunidades será reavaliada. Por meio de uma triagem executada pelo Governo Itinerante, projeto que começará já em janeiro nos bairros, os moradores serão ouvidos novamente.
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– Vamos ver se aquela demanda de 2009 ainda é prioritária ou, se no lugar dela, algo mais importante surgiu. O Governo Itinerante tem o papel de capturar as prioridades, e estabelecer o diálogo com a comunidade – explica Heron Fagundes, presidente do PRB e atual coordenador da transição do futuro governo.
A incerteza de como será o próximo Orçamento Comunitário causa apreensão em lideranças comunitárias. Insatisfeitas com o atraso nas obras, os presidentes das associações de moradores contam com o serviço no próximo ano para brigar novamente pelas demandas prioritárias.
– A gente acredita que foram obras conquistadas por nós e que o próximo prefeito terá de honrá-las. Nos foi explicado que a prioridade era saúde, que não adiantava calçar as ruas e não ter médico no hospital. Tudo bem, mas iremos buscar as nossas conquistas – destacou o presidente da União das Associações de Bairros (UAB), Flávio Fernandes.
A UAB irá se encontrar neste sábado com o líder do OC, José Dambros, para prestação de contas. Fernandes prefere não citar quais foram os bairros mais prejudicados com as obras não entregues, mas sabe-se que estão espalhadas em diversos cantos da cidade.
– Quem sabe dizer o que é importante ou não é a sociedade. Nenhum gestor consegue administrar uma cidade democraticamente sem o Orçamento Comunitário – completa Dambros.
Demandas represadas, comunidade desmotivada
Sobram itens na lista de demandas não atendidas pelo OC neste ano. Por mais simples que sejam as obras, a expectativa de quem espera é grande, caso dos moradores do Parque Oásis, que aguardam por uma capela mortuária. Ainda que tenha sido reinscrita no OC em 2013, a obra já era luta de outros líderes do bairro, que afirmam reivindicar o serviço desde 2005.
A construção é muito necessária já que outros seis bairros dependem da capela do bairro Fátima para cerimônias fúnebres. Segundo o presidente do Parque Oásis, Jeferson Pereira Oliveira, os loteamentos Dall’Agnol, Millenium, Jardim Embaixador, Victório Trez, Morada dos Alpes e Nossa Senhora do Rosário também são vinculados à capela do Fátima.
– O pessoal do Fátima é muito gentil, mas não adianta, a demanda de todos os bairros é grande e muitas vezes ficamos empenhados e precisamos nos virar – desabafa Jeferson, acrescentando que, em muitas ocasiões, é preciso contar com serviços privados para velório
O projeto da construção da capela está praticamente pronto, diz Jeferson, mas sequer o estudo de solo, necessário para o início da obra, foi feito:
– Essa turma do OC é a única voz que temos. São os únicos que sentam com a gente, explicam o projeto e nos dão retorno. Mesmo que tenhamos ficado parados neste ano, esperamos que o serviço seja mantido.
Mesma frustração têm os usuários da Escola Municipal José Protázio de Souza, no Jardim Eldorado. A reivindicação lá é o término da obra da quadra poliesportiva. O fechamento do espaço beneficiaria mais de 900 alunos, que poderiam fazer atividades também em dias de chuva. Além disso, já são necessários reparos no telhado da quadra. A demanda é prioridade do bairro no OC desde 2008.
– Era uma noite de chuva quando tivemos a reunião do orçamento e, mesmo assim, mobilizamos 700 pessoas para lutar pela quadra. No fim, acabou só em promessas. Isto desmotiva a comunidade. Como vamos pedir o apoio do pessoal novamente? – analisa o diretor da escola, Alex Catuzzo Lopes.
Demandas entregues, população satisfeita
Das 200 ruas pavimentadas nos últimos anos, 140 foram viabilizadas com verba do Orçamento Comunitário. O investimento de R$ 40 milhões poderia ter sido ainda maior, garante José Dambros, coordenador do OC, que não revela o valor que deixou de ser repassado pela atual gestão. As pavimentações comunitárias ou prioritárias contemplaram moradores da região Santa Fé, Brandalise, Fátima, Planalto, Cruzeiro, Centro, Presidente Vargas, Ana Rech, Esplanada, Nossa Senhora da Saúde, São Giácomo, Serrano, Desvio Rizzo e Forqueta.
A área rural também foi contemplada, com pavimentação em Ana Rech, São Luiz da 6ª Légua, São Valentin e Tirol, entre outras. As ruas da Vitória e Conquista, no Cânyon, por onde passam linhas de ônibus, por exemplo, também receberam pavimentação.
– Antes, os moradores precisavam ir de chinelo e trocar o calçado para pegar o ônibus, porque a via se transformava em um lodo só. E o ônibus não passava em dia de chuva – relembra o presidente do bairro Cânyon, Marciano Correa da Silva.
Projeto surgiu em 1997A pedido dos moradores, a prefeitura implantou academias da melhor idade, ampliou escolas, centros comunitários e unidades básicas de saúde (UBS), além de construir capelas mortuárias. Até mesmo a entrega do primeiro campo público de futebol 7 com grama sintética de Caxias, no bairro Mariland, foi viabilizada pelo OC.
Implantado pelo petista Pepe Vargas na gestão de 1997-2004 com o título de Orçamento Participativo, o programa trocou de nome na administração de José Ivo Sartori (PMDB). A principal diferença foi a exclusão do orçamento temático: hoje, não se define mais as demandas por área, mas, sim, por necessidade de cada bairro.
Como funciona o Orçamento Comunitário
:: É composto de assembleias nos bairros, abertas aos moradores, onde há votação anual das demandas elencadas. A prefeitura avalia as viabilidades técnica, jurídica e orçamentária. Após, novos encontros nos bairros definem as prioridades regionais. São formados conselhos que fiscalizarão o andamento do pedido. São observados a carência de serviços e infraestrutura, o poder aquisitivo da população, o número de moradores e a participação nas assembleias.