A decisão da direção da Soama de deixar a administração da chácara onde estão 1,2 mil cães e gatos encerra um ciclo de 18 anos, completados no dia 31 de agosto. Segundo a diretora de marketing, Natasha Oselame Valenti, as denúncias de supostos maus-tratos, somadas à dificuldade diante da redução de doações e a uma agressão sofrida pelo veterinário na última semana culminaram na mudança. Reuniões com a prefeitura entre quarta e quinta-feira acertaram a manutenção da diretoria e da atual equipe provisoriamente, enquanto o município se prepara para assumir o cuidado dos animais.
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As denúncias começaram a surgir em maio. De lá para cá ocorreram protestos, o Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA) entrou com ação civil pública contra a entidade caxiense e a Comissão Temporária Especial de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais, da Câmara de Vereadores, apresentou um relatório sobre a Soama. A situação levou o município a designar uma veterinária para acompanhar o serviço e apontar a real situação. Em agosto, um cachorro foi retirado da chácara em São Virgílio da 6ª Légua por meio de uma ordem judicial. O contrato com a Soama foi renovado por seis meses para que o município abrisse licitação e definisse qual ONG assumiria o cuidado dos bichos. Agora, diante da saída da direção, o secretário do Meio Ambiente, Adivandro Rech, não tem uma definição se a abertura de um certame será o caminho seguido. Por enquanto, pontua, a preocupação é em cuidar dos animais.
Enquanto ocorre a transição, a diretora Natasha faz um pedido:
– Por enquanto estamos cuidando dos animais e para não faltar nada a eles, independente de as pessoas gostarem ou não da Soama, concordarem ou não com nosso trabalho, que continuem doando. A sociedade precisa ajudar esses animais até a prefeitura assumir.
Abaixo, confira o que diz a diretora de marketing:
Como vocês decidiram deixar a administração da chácara?
A Soama lutava para acabar com aquele depósito de animais, que foi um erro, hoje sabemos que abrigos viram depósitos de animais. A gente tinha um trabalho para que ao longo dos anos a Soama virasse um santuário só para animais velhinhos, doentes e deficientes, com trabalho forte de educação e conscientização. Caxias tinha ONGs focadas em maus tratos, em castração, em dar suporte para o trabalho das demais, mas faltou respeito entre as ONGs. Foram mais de quatro meses extremamente difíceis para a Soama, fomos julgados e condenados por uma parte da sociedade, por vereadores que até então nem davam bola para os animais. Mas foram quatro meses de muito amor para não desistir. Apesar da tristeza e do choque, resolvemos baixar a cabeça e focamos no trabalho, a gente tinha vidas para cuidar, estávamos esperando a Justiça, que é quem tinha que decidir, mas a Justiça é lenta. Mas a coisa começou a ficar insustentável, o clima começou a ficar horrível, não só para nosso veterinário como para os voluntários na doação aos sábados. Nos apavoramos, tivemos medo que a vida dos animais fosse colocada em risco. Nossa decisão final foi quando nosso veterinário foi agredido com chutes na segunda-feira. Com a promessa do poder público de assumir, de não entregar os animais e colocá-los nessa disputa de ego, saímos com o coração tranquilo de que eles vão ficar protegidos.
A Soama enfrentou problemas financeiros?
Até quatro meses atrás conseguíamos sobreviver com verba da prefeitura e doações, não era algo cinco estrelas, mas o necessário para o dia a dia não faltava. Mas começou a faltar dinheiro, as pessoas acreditaram nas denúncias e pararam de doar. Os carnês (pagamento mensal e espontâneo), que arrecadavam de R$ 6 a R$ 8 mil, passou a R$ 2 mil. Sem dinheiro, como iríamos proteger os animais? Tem animais que tomam remédio todo dia, tem cardiopatas, tem aqueles que tomam remédio para convulsão. Mas aí tua ias na sociedade e ninguém ajudava.
A direção ainda fica por quanto tempo?
Não sabemos, mas enquanto precisarem de nós, estaremos lá. O veterinário também vai ficar, e ele é quem mais tem conhecimento dos animais. Vamos fazer uma transição tranquila, auxiliar o novo ou novos veterinários e funcionários. Não estamos nos afastando, vamos continuar divulgando a causa animal, divulgando nas escolas.
O que precisa mudar?
A forma como as pessoas veem os animais. Os animais não são para serem usados, nem serem vistos como status ou para suprir uma carência. Como as pessoas conseguem depois de anos de convivência dizer que estão se mudando e não podem levar o bichinho junto, ou que não têm condições financeiras? Quando eu assumo uma vida, ela depende totalmente de mim, por isso que a Soama ao longo dos anos luta tanto pela conscientização. O trabalho nas escolas é o mais importante da causa animal, porque estamos focando no futuro. A sociedade precisa ver que os animais têm direitos e merecem nosso respeito. Enquanto continuarem usando os animais para servir, a causa animal vai continuar enxugando gelo. Todo problema é a ONG que tem que ir resolver? Não, somos todos juntos, todos fazemos parte do mesmo problema e da mesma solução.
Se a prefeitura mantiver ao plano de abrir licitação para uma ONG administrar a chácara vocês vão participar?
Acredito que não, da maneira como a coisa aconteceu... Vai demorar para mudar. Vimos o nosso logo sujo de sangue no protesto. Como assim? A sociedade é que é suja de sangue, nós trabalhamos todo dia para salvar vidas.
Vocês se arrependem de alguma coisa?
Não. É errando que se aprende. Tentamos ao máximo fazer o melhor possível, conquistamos muita coisa para a causa animal. Foram muitas lágrimas, suor, sorrisos. A gente vai sair de cabeça erguida, com o coração com orgulho e com uma história linda. Temos orgulho do que conquistamos. Não nos arrependemos nem de ter criado o abrigo, porque na época acreditamos que era correto. E o abrigo permitiu salvar milhares de vidas.
Proteção animal
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Cristiane Barcelos
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