Uma discussão de anos sobre mudanças no Ensino Médio em todo o Brasil pode ser abreviada sem a participação de alguns dos principais envolvidos nesta quinta-feira. Com um projeto de lei sobre o tema tramitando no Congresso desde 2013, ainda sem data para votação, as definições que prometem impactar a vida de milhões de estudantes devem partir de uma medida provisória (MP) editada pelo presidente Michel Temer. O anúncio está previsto para ocorrer às 15h.
Para o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), os maus resultados em avaliações, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), justificam a pressa para implementar as mudanças.
– A medida provisória trata de matérias urgentes e relevantes. O flagelo que vive a educação brasileira, particularmente o Ensino Médio, mostra a necessidade de agir com a velocidade. Há três anos discutimos um projeto no Parlamento e ele não avança – diz o ministro.
Há receio, porém, com o teor das propostas. Segundo a coordenadora pedagógica da 4ª Coordenadoria Regional da Educação (4ª CRE), que abrange Caxias do Sul, Ivanete Rocha de Miranda, é preciso avaliar se essa mudança será capaz de alterar o número de repetência e evasão escolar.
A taxa de desistência dos alunos no Ensino Médio na rede estadual em Caxias, por exemplo, é de 9,8. Nas escolas particulares, essa taxa é de 0,1. Na visão de Ivanete, o aluno não se agrada com o conteúdo e simplesmente abandona o estudo, sem demostrar interesse em aprender.
– O que se percebe é que os jovens estão com outras prioridades e com pouca vontade em estudar. Só mudar o formato da grade de disciplinas parece que não resolverá o problema. Existe a necessidade de mudar a estratégia metodológica também – afirma ela.
Diante da iminência do anúncio, o governo federal convocou, nesta semana, representantes estaduais das secretarias de educação para falar sobre o conteúdo do documento. A secretária-adjunta da Seduc, Iara Wortmann, foi enviada a Brasília, onde participou de reuniões ontem _ cujo conteúdo dividirá com os colegas depois do retorno ao RS.
– Nós não temos conhecimento do que vai ser determinado. A definição por MP causa um pouco de estranheza, mas temos de ver o que virá como justificativa – disse a diretora do departamento pedagógico da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Márcia Coiro.
'A forma de ensino não nos atrai'
Mesmo sem ter muito conhecimento sobre o projeto de reestruturação do Ensino Médio, um grupo de estudantes do 3º ano do Instituto de Educação Cristóvão de Mendoza, em Caxias, concorda que a formato atual precisa mudar. A metodologia de alguns professores e o conteúdo explorado com muita teoria e pouca prática estão entre as principais reclamações.
Na tarde de ontem, enquanto estudavam para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Isabele Zanuz Cousseau, 18 anos, Laísla Reis de Cordova, 17, Deborah Marques da Silva, 18, Alexandre Cavalheiro, 17, e Alexandra Bobsin, 17, também se questionavam sobre a obrigatoriedade de cursarem disciplinas que não se aproximam da carreira que pretendem seguir.
– É muita enrolação. A gente já não gosta daquele conteúdo e a forma de ensino não nos atrai. Hoje, quem está no 3º ano não desiste porque falta pouco tempo – afirma Laísla.
Para Isabele, mesmo que alguns professores utilizem formas mais criativas, ainda falta um longo caminho para que a educação no Brasil possibilite um bom desempenho dos estudantes.
– Se eu quero ir bem no Enem e passar em uma universidade federal, preciso buscar outras formas de aprendizagem. Só o que recebo na escola é fraco –resume ela.
A professora de literatura Maria Helena Ribeiro Pires, 55, vai pelo mesmo caminho: é preciso mais interesse dos alunos para mudar essa realidade, além de ser necessária uma mudança total no formato de ensino. Uma aula bem trabalhada e um aluno que queira aprender são situações que precisam andar juntas.
– O que se vê hoje é que eles (os alunos) colocam muito mais energia na utilização do celular do que para estudar. Temos o desafio de conectar esse aluno com uma forma de educação que seja capaz de atraí-lo – pondera Maria.
PROPOSTAS
Confira alguns pontos da Medida Provisória que devem constar na reforma:
Currículo flexível
O currículo fica com uma parte obrigatória em todo o país e outra que varia conforme o Estado. Em um primeiro momento, a previsão é manter, nos três anos do Ensino Médio, cerca de 1,2 mil horas com disciplinas obrigatórias da base curricular comum. Outras 1,2 mil poderiam variar.
Divisão
Durante o primeiro ano e, se possível, parte do segundo ano, o currículo permaneceria igual ao do Ensino Médio atual. Depois, o estudante teria a opção de escolher, na parte variável da grade curricular, disciplinas relacionadas a sua futura opção profissional, tanto no Ensino Superior quanto no profissionalizante.
Ênfases
A parte flexível do currículo fica separada em cinco áreas: linguagem; matemática; ciências sociais e humanas; ciências da natureza; e formação técnica profissionalizante. Cada Estado teria liberdade para definir as disciplinas ofertadas nesta porção da grade.
Escolas
As escolas não seriam obrigadas a oferecer as cinco ênfases do currículo. Os governos estaduais decidirão quais escolas terão cada ênfase, disponibilizando as matrículas aos alunos interessados.
Certificação
Espera-se que as mudanças permitam a certificação de conhecimentos. Seriam os casos de alunos que conseguirem comprovar que sabem inglês. Em vez de cursar a disciplina, eles participariam de outras aulas.
Entidades criticam falta de diálogo
Se as unidades estaduais foram convocadas às pressas para serem inteiradas do assunto, entidades que representam escolas, professores e estudantes sequer tomaram conhecimento do conteúdo da MP. A um dia do anúncio, dizem não ter sido consultadas nem convidadas a participar da discussão.
– É muito preocupante que isso aconteça sem a discussão da comunidade escolar. Essa forma de promover mudanças, de cima pra baixo, provavelmente não vai resolver nossos problemas, porque não são essas pessoas que vão operar a educação no Brasil – avaliou a diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS), Cecília Farias.
O presidente do Conselho Estadual de Educação, Domingos Buffon, contou que a entidade também não foi consultada sobre a MP, e que as informações que tem sobre o conteúdo da Medida Provisória são apenas aquelas divulgadas pela imprensa. Ele acredita que o dispositivo não é o modo mais adequado de implementar uma mudança dessa dimensão.
Visão semelhante foi compartilhada por Bruno Eizerik, presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe) e vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep). Nenhuma das duas instituições participou de discussões sobre as alterações, que devem começar a ser implementadas em 2017.
– Lamentamos que uma mudança tão importante que envolva o futuro do nosso país não tenha sido dialogada com o setor privado – opinou.
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps acredita que houve o debate necessário, pois o assunto já era tratadodurante o governo Dilma Rousseff. Ele adianta que o projeto de lei que tramita no Congresso serviu de base para a reforma anunciada por Temer. Assim, os governos estaduais estariam cientes das diretrizes das mudanças.
* Com agências