Há um ano, a poluição sonora motivou a prefeitura a criar uma campanha de conscientização e fiscalização, mas o resultado está longe do ideal. A força-tarefa entre secretarias e outros órgãos públicos perdeu força, e moradores seguem convivendo com som alto de carros, bares, casas noturnas, igrejas e estabelecimentos comerciais. Em alguns casos, esse problema vem acompanhado de baderna e infrações de trânsito como rachas e exibicionismo com motos e carros, caso da Perimetral Norte, que virou ponto de encontro de turmas e confusões aos finais de semana.
A força-tarefa ficou comprometida por dois motivos. Um deles é o pouco efetivo para ações noturnas, já que a crise financeira que afeta município e Estado impede o pagamento de horas extras dos servidores.
O outro é a falta de aplicabilidade da legislação. Por exemplo: um fiscal de trânsito não pode multar um condutor por som alto no carro, por tratar-se de crime de perturbação de sossego, o que é responsabilidade da polícia. Por outro lado, os rachas dificilmente são flagrados, pois os grupos são ágeis e se dispersam com facilidade.
– A ação continua, mas cada secretaria desempenha de uma maneira. Nós vencemos alguns pontos. A nossa demanda é em locais fixos, e temos denúncias e vistorias todas as semanas. O enfrentamento acontece dia e noite – argumenta o secretário do Meio Ambiente (Semma), Adivandro Rech.
Fiscais da Semma atuam na medição de som exclusivamente com agendamentos em estabelecimentos comerciais. Contudo, a maioria das reclamações é sobre aglomerações de jovens em pontos conhecidos à noite. Não é preciso ter um equipamento que meça decibéis para saber quando o barulho está ultrapassando o limite: os vidros de casa passam a vibrar, a cabeça a doer e a paciência some.
Perimetral Norte vira palco de racha, som alto e sujeira em Caxias do Sul
Além das músicas que partem dos veículos, a vizinhança perde a tranquilidade com barulhos de motos sem escapamento e arrancadas de carros em rachas . O que tem tirado o sono das famílias é um dilema antigo também de jovens que buscam uma alternativa de entretenimento sem causar incômodo: falta espaço adequado para admiradores de som automotivo e corridas.
– Ninguém vai deixar de ir aos postos à noite porque é cultural, e porque não há outra alternativa de espaço – avalia o presidente da Associação Caxiense de Som Automotivo, Leonardo Nascimento.
BARULHO À NOITE
São Leopoldo:
O medo de ser alvo de bala perdida impede que uma moradora do bairro São Leopoldo saia do portão da moradia nas sextas à noite. Há um ano, dois jovens foram executados nas proximidades de duas casas noturnas na Perimetral Sul. Perto dali, a Rua Fernando Francisco Kahler também é ponto de junção de turmas, com direito a som alto e confusões.
– Na última sexta-feira, escutei seis tiros perto do posto de gasolina. Um ano depois, segue a mesma baderna – afirma a dona de casa, que pede o anonimato por razões de segurança.
O barulho que a impede de dormir é o mesmo nos últimos anos. No entanto, ela admite que reduziu a frequência: se antes acontecia de quinta a domingo, agora, acontece somente nas sextas-feiras e sábado.
– É gritaria, barulho de carros, motos, tiros – resume.
Sinimbu:
A última quadra da Rua Sinimbu, quase no entroncamento com a BR-116, no bairro Lourdes, é outro problemático. Uma aposentada de 53 anos que mora em dos prédios da via diz que, aos finais de semana, dorme no quarto dos fundos. Os vizinhos dela, que não têm um dormitório vago improvisam: deitam na lavanderia, único espaço que é isolado suficiente. Os moradores se incomodam também porque os jovens sentam nas escadas externas do prédio, ocupam as calçadas e, algumas vezes, estacionam nas vagas de garagem.
– O problema existe há cinco anos. Quando chamamos a Brigada Militar, eles nos atendem, mas se torna difícil que venham todos os fins de semana – desabafa a moradora.
Perimetral Norte:
O trecho preferido para rachas de carros e motos à noite é a Perimetral Norte, a partir da esquina com a Moreira César. As noites de quinta, sexta e sábado se tornam desafiadoras para quem vive por ali. Jovens abusam da velocidade e se arriscam ultrapassando semáforos fechados. Morador do bairro Universitário, um corretor de imóveis assiste todas as noites o vai e vem acelerado dos motoristas. Ele até avisa a Brigada Militar, Fiscalização de Trânsito e outras autoridades, mas a turma é organizada e consegue sair antes de a polícia chegar.
– Mesmo com vidro duplo, escutamos a noite inteira. Começa na quinta e termina no domingo à tarde. Quando recebemos visita, eles nos dizem: como vocês aguentam viver aqui? – lembra.
Postos de combustíveis
Na falta de lugares adequados e distantes dos bairros da cidade para ouvir música e se divertir, jovens ocupam postos de combustíveis e os transformam em espaço de lazer noturno. O incômodo de moradores não é com as turmas que gostam de conversar com os amigos ou fazer seu happy hour por ali, mas sim com grupos que ocupam o ponto para fazer rachas e manobras arriscadas.
O som alto também é incômodo e é preciso respeitar os limites, assinala um dos frequentadores assíduos do Posto Delta, na Perimetral Norte, Luciano Soares, 29 anos. Ele não abre mão de ir ao posto e ver os carros rebaixados. No entanto, percebe que o comportamento de muitos não corresponde com o ideal. Assim que os postos fecham, as turmas migram para o trecho perto da Rótula da Randon, no bairro Sagrada Família.
–É por dois ou três que acaba a diversão – diz Soares.
Espaços adequados como os autódromos e pistas de corrida em Tarumã, Guaporé ou Antônio Prado são reivindicações de jovens como ele.
– Só escuto som alto nos eventos que permitem isso. Precisamos dar exemplo para os outros – avalia.
No comércio, atrativo vira problema
Entre as denúncias de poluição sonora atendidas de agosto do ano passado até agora pela Secretaria do Meio Ambiente, a maior parte envolve medição na indústria e no comércio. Foram 16 autuações sobre caixas de som em lojas, principalmente na área central. A prática de manter uma caixa de som na calçada, com música alta e locutor narrando ofertas em volume alto pode render multa e apreensão do equipamento, afirma a presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Analice Carrer.
– A política de boa vizinhança, que envolve apenas conversa com estes comerciantes, não funciona mais. Repassamos à prefeitura a reclamação, na esperança de que isto resolva – afirma a presidente.
É proibido por lei o uso de alto-falantes, rádios e outros aparelhos sonoros quando ele ultrapassa os limites do recinto. Além disso, o bom senso é fundamental para a convivência também entre comércio e população.
– É claro que o comerciante precisa de táticas e atrativos para sua loja, ele tenta de todo jeito. Mas não sabemos que resultado efetivo essas caixas de som trazem, até porque, podem afugentar o cliente – avalia Analice.
A QUEM RECORRER:
::Brigada Militar - Fiscaliza denúncias de perturbação de sossego, enquadrando a prática nos termos da Lei de Contravenção Penal nº 3.688/1941 - Telefone: 190
::SEMMA - Realiza medição de ruídos quando constata alguma situação ou mediante denúncia protocolada por meio de processo administrativo na sua sede. A SEMMA é responsável por fiscalizar a poluição sonora proveniente de estabelecimentos privados (residências, empresas, bares) ou de equipamentos colocados indevidamente em passeios públicos. Telefone: (54) 3901 1445 / (54) 9929 4992
:: Fiscalização de Trânsito - pode multar condutores e apreender veículos envolvidos em infrações de trânsito como rachas e direção perigosa, por exemplo. Telefone: 118.
NÚMEROS
Confira as multas e notificações emitidas no primeiro ano da força-tarefa contra a poluição sonora em Caxias do Sul:
Autuações:
Caixas de som no comércio: 16
Medição de ruídos na indústria e comércio: 21
Veículos de som: 1
Bares e casas noturnas: 7
Igreja: 1
Notificações:
Veículo de som: 1
Medição de ruídos na indústria e comércio: 5
O Ministério Público, outro envolvido na força-tarefa, deu encaminhamento a 50 ações de poluição sonora em Caxias do Sul. Elas envolvem empresas, bares e boates. Foram arquivadas 12 casos por terem sido solucionados. Em apenas dois casos, foram ajuizadas ações contra os estabelecimentos, que não concordaram em se adequar às solicitações.
ConscientizaSom
O impasse entre jovens que ocupam pontos da cidade para ouvir som alto e beber com moradores que sonham com silêncio à noite, está longe de ser solucionado. A Coordenadoria da Juventude lançou no último mês a ConscientizaSom, uma campanha educativa que visa reduzir a poluição sonora ao abordar jovens em pontos de concentração. Os voluntários distribuirão material informativo e tentarão convencer a gurizada a baixar o som à noite a partir desta semana, afirma o presidente da coordenadoria, Frederico Schneider. Esta é uma das ações previstas pelo grupo, que reconhece a necessidade de abordar o assunto.
– É preciso respeito de limite de horário e de lugares. Tem hora pra tudo, e é isso que queremos que entendam – afirma o presidente.
A necessidade da criação de um espaço para festas e confraternizações ao ar livre é consenso entre os jovens, que apontam estacionamentos de grandes empresas distantes da zona urbana como palco ideal para esta demanda.
– Se a prefeitura abonasse algum imposto desta empresa, que emprestaria o estacionamento no sábado à noite para ouvirmos música, poderia ser uma alternativa legal – sugere o presidente da Associação Caxiense de Som Automotivo, Leonardo Nascimento.
PROIBIDO POR LEI
:: Queimar foguetes e similares, explosivos ou ruidosos, em estádios ou praças de esportes.
:: Utilizar buzinas, trompas, apitos, campainhas, sirenes ou equipamentos semelhantes.
:: Usar matracas, cornetas ou outros sinais exagerados e contínuos para anunciar produtos.
:: Utilizar alto-falantes, rádios e outros aparelhos sonoros para propaganda ou quando o som ultrapassa os limites do recinto.
:: Veicular propaganda em veículo de som no quadrilátero formado pelas ruas Tronca, Teixeira Mendes, Ernesto Alves e Angelina Michelon.