A crise econômica que corroeu milhares de empregos em Caxias do Sul também está impactando a cadeia do lixo. Associações de catadores da cidade apontam uma redução de 30% na quantidade de resíduos encaminhados para reciclagem - possivelmente causada pela queda do consumo entre os caxienses. Além disso, as cooperativas reclamam da concorrência com catadores ilegais, alguns vindos de outras cidades, que estariam roubando o material dos contêineres antes do recolhimento pela Codeca. O problema estaria ocorrendo desde o final do ano passado, mas se agravou nos últimos três meses. Atualmente, a cadeia da reciclagem garante o sustento de cerca de 3,5 mil pessoas.
Integrantes das quatro associações conveniadas à prefeitura - Serrano, Interbairros, Recicladores Carroceiros do Aeroporto (Arca) e Monte Carmelo - revelam que ficam sem trabalhar durante vários dias da semana por falta de matéria-prima. O resultado é a redução no pagamento no final do mês.
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– Somos em 30 recicladores. Na metade do ano passado, chegamos a receber R$ 1 mil cada um. No mês passado, não ganhei R$ 500. Em 12 anos que trabalho como recicladora, nunca vi uma crise tão feia. Estamos no limite. Lutamos para ter uma associação e fazer tudo certo em parceria com a prefeitura, mas, do jeito que está, vamos voltar a catar lixo na rua. Não consigo manter as pessoas aqui – afirma a presidente da Arca, Suélen de Freitas.
À frente da associação do Serrano, Valdete Sodré lamenta que o novo espaço entregue à recicladora pela prefeitura, no final do mês passado, não esteja sendo aproveitado da melhor forma. Ela garante que há pessoas interessadas em trabalhar, que poderia gerar mais empregos, mas esbarra na falta de lixo para separar. A obra, feita em parceria com o Banco do Brasil, a Fundação Banco do Brasil e a WWF Brasil, teve investimento de R$ 759 mil.
– Esse espaço era um sonho para gente. Mas do que adianta uma estrutura tão boa se não temos com o que trabalhar? Ficamos dias parados e sabemos que tem gente que precisaria trabalhar para ter alguma renda – afirma.
Lixo a não conveniadas: Valdete Sodré, do Serrano, também acusa a Codeca de estar distribuindo o lixo para recicladoras que não são conveniadas à prefeitura. Com isso, quem segue as regras impostas pelo poder público estaria sendo ainda mais prejudicado. Quatro recicladoras são conveniadas e duas estão em processo de legalização. Ainda existem as apoiadoras, não associadas. O presidente da Codeca, Paulo Ballardin, afirma que não tem conhecimento sobre a prática e não vê razões para isso estar ocorrendo.
– Constatamos, sim, uma escassez no lixo seletivo. O que é recolhido varia bastante de mês para mês, mas verificamos uma diminuição desde o início do ano. Em janeiro, a Codeca recolheu 2,2 mil toneladas de lixo seletivo. Em junho, foram 1,7 mil toneladas. Sabemos que muitos dependem da reciclagem para viver e não ganharíamos nada fazendo o que não é certo – garante.
Lixo disputado até por moradores de cidades vizinhas
O "furto" de lixo, recolhido antes da passagem do caminhão da Codeca, é uma reclamação antiga dos catadores legalizados. Em reunião na Câmara de Vereadores, em junho do ano passado, o assunto foi debatido e autoridades garantiram buscar solução para o problema. A situação, porém, ficou bem pior agora, alerta o ex-coordenador do Comitê Gestor da Cadeia Produtiva da Reciclagem, Alfredo Paim. O alto índice de desemprego na região pode estar levando mais pessoas a catar lixo para garantir o sustento da família.
– Ficamos sabendo de gente que está vindo de Bento Gonçalves e Farroupilha para pegar resíduos de Caxias. Eles selecionam o que tem de melhor, enquanto quem fica aqui, recebe o lixo de segunda – explica Paim.
O número de catadores, de acordo com Adroaldo Flores, integrante do Movimento Catador Legal de Recicladores (MCLR), aumentou cerca de 60% na cidade. O dado não é oficial, mas, segundo ele, é possível comprovar esse crescimento andando pelas ruas de Caxias.
– Dá para ver caminhões novos e caminhonetes que param ao lado dos contêineres e recolhem tudo de bom. Tem menos lixo, sim, mas a quantidade de gente que está recolhendo nunca foi tão grande – acredita.
O presidente da Codeca, Paulo Ballardin, também já presenciou essa atividade, mas lamenta não ter como coibir a prática:
– Vi um homem que usava uma mão mecânica para retirar o material de dentro do contêiner. As pessoas estão investindo nisso, vendo que podem tirar dinheiro da reciclagem. Mas aí quem vive disso, sofre.
O secretário municipal do Meio Ambiente (Semma), Adivandro Rech, afirma que pretende encaminhar a situação para discussão pelo poder público. Como não é proibido, quer encontrar uma maneira de fiscalizar:
– Hoje não temos como ver uma pessoa pegando o lixo dentro do contêiner e agir, punir. Queremos ter como atacar esse problema e punir quem está pegando esse material que deveria ir para as recicladoras.
Prefeitura planeja ações a curto prazo
Ciente do problema que afeta os recicladores de lixo, a secretaria municipal do Meio Ambiente (Semma) está colocando em andamento ações que podem ajudar a diminuir os prejuízos. Mesmo acreditando que a redução do lixo é pontual e temporária, o titular da pasta, Adivandro Rech, antecipou a execução de algumas metas que estão no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que contempla exigências da legislação federal e aponta ações para aperfeiçoar a limpeza urbana e do manejo dos resíduos. O documento será entregue para avaliação na Câmara de Vereadores no dia 20.
– Entramos em contato com empresas que, assim como o hipermercado Big, que destina seus resíduos para as recicladoras, façam o mesmo. Elas estariam fazendo uma ação social, ajudando as conveniadas a se manter. Nada foi contratado ainda, mas pelo menos duas já sinalizaram que vão participar – adianta.