Se a temperatura de -2ºC registrada no amanhecer desta quinta-feira é desafiadora para quem chega de fora da cidade, moradores de São José dos Ausentes juram estar habituados com as temperaturas abaixo de zero. Pudera: eles não encontram tantas alternativas, já que dificilmente os termômetros ultrapassam a marca de 10ºC durante o inverno. O jeito é se acostumar e não reclamar a cada vez que as paisagens amanhecem brancas com a geada.
Tomar banho, sair cedo de casa para trabalhar ou estudar e suportar o vento que provoca sensação térmica de -8ºC na manhã desta quinta é tarefa de rotina para os pouco mais de 3 mil ausentinos, que começam a povoar as ruas logo depois das 6h.
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Com registro de -2ºC, geada cobre paisagem de São José dos Ausentes
Alguns personagens precisam de ainda mais coragem para executar o trabalho.
São 6 horas da manhã e dona Maria Isabel Vieira, 65 anos, caminha para o galpão da família na Fazenda Bom Jardim, distante cerca sete quilômetros da cidade. A pecuarista só toma o que chama de “goles” antes de encarar a lida – Goles é o apelido do café preto servido em uma taça pequena, combustível que ajuda a driblar o tempo gelado antes de tirar leite das 10 vacas leiteiras.
Extrai 60 litros de leite e traja apenas casaco de lã, gorro e uma manta que cobre a boca e o nariz – recomendações médicas para evitar gripe, explica. O leite quentinho é utilizado para produzir seis quilos de queijo, preparados logo na sequência. O trabalho alivia perto das 9h, quando senta na mesa e toma um belo café da manhã ao redor do fogão à lenha – em São José dos Ausentes, comer pinhão na chapa logo cedo é habitual.
– Sabe um frio rigoroso, daqueles que arrepia? É destes que eu gosto– exibe-se.
O resto do trabalho da manhã também é no campo, ao ar livre, lidando com ovelha, cavalo, porco e galinha. Enquanto Dona Maria está na lida, ali perto, motoristas de ônibus que transportam centenas de trabalhadores ou estudantes todos os dias cruzam distâncias superiores a 30 quilômetros diariamente, já que localidades do interior são bastante distante uma das outras. Também despertam cedo da cama.
É o caso de Nilson Hofmann, 28 anos, que conduz um ônibus no trajeto Ausentes-Jaquirana por mais de 40 quilômetros, a partir das 6h. Na carona, estão tratoristas que trabalham em fábricas das cidades vizinhas. O ônibus que ele conduz tem mais de 20 anos e nenhum sistema de aquecimento. Até janela aberta tinha na manhã desta quinta, quando os termômetros se aproximavam de zero grau.
– A gente nem sente mais. É frio quando começamos o dia, depois acostuma – afirma.
O público infantil é, talvez, o que mais sinta as baixas temperaturas. Há quem deixe a casa perto das 5h para embarcar nos coletivos do transporte oferecido pela rede municipal e ocupar uma classe nas salas de aula. Para driblar este frio, envolvem cobertores nas costas, tapadores de ouvidos reforçados, palas e luvas.
Os pais tratam de vestir os pequenos com pijama embaixo das roupas e gorro na cabeça, mas perto das 8h, as crianças se aqueciam brincando no pátio da Escola Municipal de Ensino Fundamental Aparados da Serra. Ao desembarcarem do ônibus enroladas em cobertores, as amigas Pamela Cristine Chagas, 12 anos e Maria Camila Silva Costa, 14 anos, esbanjavam disposição.
– Saímos de casa logo depois das 6h. São quase duas horas de viagem, então dá para dormir um pouco – conta Pamela, que vive na localidade de Harmonia, distante cerca de 20 quilômetros da escola.
As crianças são recebidas com café quentinho passado pelas merendeiras, que incluem no cardápio da manhã sopa e batata com carne. Nas salas de aula, há apenas um aquecedor de tamanho pequeno para amenizar o clima. No sexto ano da Aparados da Serra, sete dos mais de 30 alunos faltaram devido o frio desta quinta. Mas ausências pelo frio são exceção, garantem a professora Ângela Machado.
– Eles estão tão acostumados que tem uns que gostam bastante do frio – avalia a profe.