A inquietação por texturas e nuances de relevos é um dos recortes das questões que mobilizam o trabalho do estilista João Maraschin. Atuando como coordenador de estilo e gerente de produto do mineiro Ronaldo Fraga, o caxiense de 24 anos e formado na UCS projeta e afirma algumas de suas ideias em torno da moda.
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Mantendo grife própria em Caxias, a AGranel, no ambiente da moda nacional, ele também busca um design que possa contar histórias e uma moda feita de materiais que vão além da repetição. Nesta segunda-feira, quando começa a São Paulo Fashion Week, Maraschin verá desfilar na passarela do estilista mineiro muitos dos seus conceitos criativos e um pouco do caminho profissional que se firma.
Abaixo, confira a entrevista completa com estilista:
Pioneiro: O que você planejava para seu trabalho desde a formação na UCS? João Maraschin: A graduação foi um grande laboratório de experimentação, quando pude pensar mais em algo para mim do que para o mercado. Esse ambiente estimula a gente a formatar uma identidade. Sempre tive uma cobrança em definir esta identidade, e não queria ser comparado a outro. Queria ser original, como todo mundo quer ser. Hoje, há seis anos no mercado, minha identidade está focada na diferenciação do material. Todas as fábricas e estilistas têm contato com os fornecedores das mesmas matérias-primas. O que fazem com ela é o que os diferencia. Nesse sentido, minha vontade sempre foi trabalhar o relevo, esse design de superfície, numa perspectiva diferente.
Como define a AGranel?
No início, comecei a AGranel mais para ter um produto meu e não trabalhar para os outros, para ser um gerador de produto e um gerador de moda. Depois de dois anos, optei por criar algo voltado não para a obsolescência do produto e sim por uma vontade particular. A AGranel tem, hoje, sim, uma identidade que é mais minha como criador do que como marca. Hoje, há um discurso recorrente sobre a moda mais comercial e a mais autoral. Acredito que estou no meio do caminho. Não faço uma moda impossível de ser comercializada, pois é preciso estar inserido no contexto social, atento ao zeitgeist. Para isso eu preciso adaptar minhas ideias, que acredito serem genuínas, fazendo com que elas sejam possíveis. Eu acredito, as coleções todas têm conceito e são vendáveis.
Às vezes a moda se perde pelo excesso de conceito?
Acredito que sim. Hoje, a gente não tem uma clareza dos momentos da moda e vive uma crise de identidade no mercado nacional sobre o que é uma São Paulo Fashion Week. O próprio Paulo Borges, idealizador da SPFW, não sabe se a semana vai em frente. Há dificuldade de entender o objetivo de um desfile. Entendo que, como no Exterior, o desfile é uma vitrine, um momento de colocar ideias, sejam elas possíveis ou não, como uma forma de diálogo e interação com o consumidor final, os jornalistas que estão pensando o contexto social, e a sociedade. É diferente da relação com o mercado e o momento da venda. São momentos diferentes, mas não há conceito forte sem um comercial e nem um comercial eficiente sem esse conceito.
Onde a moda erra hoje?
Em vários aspectos. Há polêmicas como o fato de não sabermos quem faz a roupa até chegar ao guarda-roupa. A moda é uma indústria radical na reação e na obsolescência dos produtos. A gente se apaixona e perde essa paixão muito rápido. Essa logística de trabalhar coleções por estações talvez seja um erro. Por isso a gente vê muitas marcas se repetindo, pois falta tempo para a criatividade acontecer. A moda erra também por distanciar as pessoas, por criar elites através da mercantilização da experiência que o produto pode oferecer.
E os acertos da moda?
Ela é um veículo muito forte, que pode fomentar novos diálogos entre áreas que não se encontram. Ela faz com que a arte se torne acessível ao grande público e não só a uma elite cultural. Um dos seus grandes acertos é facilitar o diálogo entre as grandes massas e o público pensante. Outro grande acerto é, talvez por ser esta indústria rápida, que faz com que a gente reaja, nos tire da zona de conforto e busque algo diferente.
Como foi trabalhar com Ronaldo Fraga, em Minas?
Em 2011, quando venci o Prêmio UCS Sultextil, ele logo me convidou para sua equipe. Naquele momento, não estava preparado para uma mudança tão grande. Seguimos em contato. Independentemente de ser o estilista com quem trabalho hoje, sempre nutri admiração pelo trabalho dele. Em 2013, o reencontrei e disse que estava pronto para, talvez, começarmos a escrever uma história. Fui fazer cursos fora do país e, no retorno, fiz uma coleção a distância, colaborativa. Depois, decidi ir para Belo Horizonte.
Como é o cotidiano por lá?
É um ambiente novo. Ali encontrei com pessoas que, de certa forma, para mim eram inacessíveis. Ele tem clientes como Maria Bethânia, Zélia Duncan, Fernanda Takai. Ronaldo quer que as pessoas fiquem à vontade, sempre me deu oportunidade de criar, experimentar e fazer tudo o que tinha vontade, seja comercial ou conceitual. De certa forma, é uma extensão do laboratório na universidade. Ali a gente pode criar o que quiser para mostrar um conceito e não pensar num possível comprador do fim do desfile. Meu jeito de trabalho é muito parecido com o dele, estou em casa.
O que vão apresentar nesta segunda-feira na São Paulo Fashion Week?
Ronaldo sempre gosta de provocar para um novo diálogo social. A gente fez um inverso das cidades sonâmbulas, falamos da fúria da sereia e da mulher colocar sua beleza para fora, depois trabalhamos um novo inverno falando de amor. A nova coleção é sobre a África, se chama Re-existência, e fala da pluralidade do povo africano e sua história de existência e luta. Uma identidade continental, de muitas cores e contato com a natureza.
Quem é o João que fala numa coleção do Ronaldo Fraga ou da AGranel?
Sou muito motivado pelo desafio. Tenho uma frase recorrente: a gente vai tão longe quanto a gente acredita que possa ir. A gente só vai adiante se acredita que algo é possível. Sempre busco algo novo. Mesmo em tempos de repetição, uma das minhas principais cobranças é o diferente. Isso é o ponto de partida para tudo. Seja através de um tecido ou temas recorrentes como o amor, a arte, o João criador é aquele que busca a novidade, o resultado diferente.
Se a gente vai tão longe quanto acredita que possa ir, até onde você vai?
É difícil dar um ponto final. Converso muito com o Ronaldo sobre isso e, de certa forma, uma ideia amarra outra e vai contando uma história que não tem fim. O meu além é alguma data do calendário.