Chegar aos 100 anos — ou até mesmo passar dessa idade — para muitos, é uma dádiva. Viver mais e viver melhor, por vezes, torna-se um dos objetivos de vida. Fatores como a prática de exercícios físicos, uma boa alimentação, manter a mente ativa e até mesmo o bom humor e a fé podem ser os segredos para alcançar a tão sonhada longevidade.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados do Censo de 2022 revelaram que, no Brasil, o número de idosos com 100 anos ou mais saltou de 22,7 mil, em 2010, para 37,8 mil em 2022. O valor representa crescimento de 67% do total de centenários em pouco mais de uma década no país. Essa tendência de maior expectativa de vida também foi percebida em Caxias do Sul, passando de 24 pessoas com 100 anos ou mais em 2010, para 45 em 2022, um aumento de 85,5%.
Ser um centenário saudável, com autonomia e independência, é um dos principais desafios no processo de envelhecimento, segundo a socióloga, pesquisadora sobre o tema e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Vania Beatriz Merlotti Herédia. Para ela, a capacidade de tomar decisões sobre a própria vida deixa o idoso mais confiante e o faz cultivar o senso de utilidade.
— Atividades físicas, uma boa alimentação e um convívio familiar integrado à sociedade, são uma série de aspectos que ajudam o idoso a não se sentir desolado do mundo. Além disso, contribuem para que ele tenha uma perspectiva positiva do seu processo de envelhecimento — enfatiza a pesquisadora.
Essas são algumas das fórmulas para os centenários viverem bem, e cada um deles possui uma característica distinta que o fez chegar à idade de três dígitos, segundo Vania Herédia. A própria sociedade, conforme a pesquisadora, precisa pensar em alternativas que ajudem os idosos a envelhecerem bem e de maneira saudável.
— Estatísticas mostram que, a partir de 2040, nós teremos um número grande de idosos convivendo na sociedade, e tudo indica que o grupo de centenários também será maior, e um dos grandes desafios é chegar aos 100 anos com saúde — destaca Vania.
A independência de Dona Concília, aos 102 anos
Quem chega na casa da dona Concília de Jesus Pinheiro, no bairro Panazzolo, em Caxias do Sul, e ouve ao fundo o som de um machado cortando lenha, não imaginaria que uma senhora de 102 anos estaria fazendo esse serviço.
— Eu mesma racho a lenha e faço o fogo para me aquecer nesse friozinho. A idade não atrapalha. Se eu tenho vontade de fazer alguma coisa, vou lá e faço — conta Concília.
Mesmo com a audição um pouco fragilizada, ela esbanja boa memória lembrando de detalhes de algumas fases da vida, como a infância no campo rodeada por animais, e de como gostava de fazer crochê e ir à missa, isso quando a visão e a mobilidade permitiam.
Nascida no interior de Vacaria, Concília veio morar em Caxias há 66 anos. Teve sete irmãos, todos falecidos. Seus 11 filhos foram frutos do casamento de 53 anos com Nelson Pinheiro da Cruz, morto há 32. Independente, Concília gosta de morar sozinha. O filho, João Carlos Cruz, 66, mora no mesmo terreno que a mãe e a ajuda em determinadas tarefas do dia a dia.
Falante e de sorriso fácil, ela diz que o segredo para passar dos 100 anos é ter, acima de tudo, muita paciência e respeito com o próximo. A fé também contribui, pois, diariamente, Concília faz suas orações e agradece a Deus pela vida. Questionada sobre o que mais gosta de comer, a resposta vem imediatamente, e com muitas gargalhadas.
— Em primeiro lugar, uma carninha gorda e um pouquinho de vinho — diverte-se a centenária.
O primeiro frei capuchinho gaúcho a completar 100 anos
Caxias do Sul ganhou mais um centenário nesta semana. A quinta-feira (15) foi o dia de celebrar os 100 anos do Frei Jenésio Pereira da Silva. Morador do Convento Imaculada Conceição, no bairro Rio Branco, desde 2018, ele tornou-se o primeiro frei capuchinho do Rio Grande do Sul a completar um século de vida. Uma trajetória dedicada à religiosidade.
Assim como a dona Concília, Frei Jenésio também nasceu no interior de Vacaria. De fala serena e calma, afirma que foi a vocação que o levou à vida religiosa. Recorda com muita lucidez que, desde criança, gostava dos freis capuchinhos e seguia os exemplos de fé transmitidos pelos religiosos. Foi essa inspiração que o levou a entrar no Seminário Diocesano de Caxias do Sul, onde estudou de 1941 a 1946.
Um ano depois, já era frei capuchinho, tendo passado pelos conventos de Flores da Cunha, Marau, Garibaldi, Porto Alegre e Bom Jesus. Formado em Filosofia e Teologia, foi professor dos seminários de Caxias do Sul, Ipê, Ijuí, Veranópolis e Pelotas. Como pároco, Frei Jenésio atuou em diversas cidades gaúchas, como Santa Maria, Tramandaí e Canoas, além dos municípios de Barra e Barreiras, na Bahia.
Devido a alguns problemas de saúde, Frei Jenésio hoje se locomove com o auxílio de uma cadeira de rodas, pois teve uma perna amputada. Ele se alimenta por sonda, mas lembra que, desde a infância, gostava de comer alimentos saudáveis, sem exageros. Tudo o que a família comia, era produzido e cultivado por eles mesmos.
— Era tudo natural. Minha mãe cuidava da nossa alimentação, por isso que eu ainda não tenho cara de velho — lembra, aos risos, o brincalhão Frei Jenésio, que acredita que este é um dos segredos para chegar aos 100 anos, aliado também à genética e, claro, ao bom humor que esbanja pelos corredores do Convento Imaculada Conceição.
Para celebrar o centenário do Frei Jenésio, neste sábado (17), a partir das 17h, será celebrada uma missa de Ação de Graças pelo seu aniversário, na Igreja dos Capuchinhos. Esse momento especial contará com a presença de convidados, familiares, freis e profissionais da Casa São Frei Pio, além dos participantes da 10ª Jornada Vocacional dos Franciscanos Capuchinhos do Rio Grande do Sul, que ocorre em Caxias e será encerrada no sábado.
Dona Benta e suas lutas
Entre um lápis de cor e outro, a concentração e o zelo em deixar o desenho bem colorido. Quem visita o Lar da Velhice São Francisco de Assis, no bairro Marechal Floriano, logo percebe que a pintura é uma das atividades preferidas da dona Benta Ferreira de Souza. A idosa de sorriso tímido completou 100 anos no final de junho, com direito a festa de aniversário, decoração especial e engajamento de toda a equipe de funcionários e outros idosos moradores do Lar, onde ela reside desde o ano passado.
A vida da dona Benta Ferreira de Souza é caracterizada por muitas batalhas. Natural de Cazuza Ferreira, distrito de São Francisco de Paula, diz não ter lembranças dos pais, que morreram quando ela ainda era criança. Benta veio a Caxias para trabalhar em curtume de couro e para sustentar a família. Foi casada duas vezes e teve 12 filhos, sendo que apenas dois estão vivos atualmente.
Além da pintura, Benta também gosta de pedalar na bicicleta ergométrica e adora participar das atividades de artesanato. No almoço e no jantar, não dispensa as verduras e alimentos saudáveis. À noite, sempre faz suas orações e agradece pela vida.
— Eu sempre trabalhei em serviço pesado e nunca me entreguei e desanimei. Agradeço por estar aqui. Se Deus quer que eu esteja, vamos continuar — conta Benta.
Veranópolis e o mistério da longevidade
Município de 26 mil habitantes, Veranópolis, na Serra, é conhecida como a Terra da Longevidade desde a década de 1990, quando constatou-se que a cidade tinha a maior expectativa média de vida ao nascer do Brasil – 77,7 anos. O título chamou atenção do geriatra Emílio Moriguchi, fundador do Instituto Moriguchi, um centro de estudos, pesquisas e aplicações práticas voltado ao processo de envelhecimento, com equipes interdisciplinares das mais variadas áreas do conhecimento, com sede na cidade. Atualmente, Veranópolis conta com duas idosas centenárias.
O esforço para entender o envelhecimento garantiu ao município a certificação de Cidade Amiga do Idoso pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016. Desde o ano passado, Veranópolis busca o título de Blue Zone, ou seja, zona azul, que são regiões onde as populações são caracterizadas por terem o tempo de vida médio de 90 anos.
Conforme a nutricionista e pesquisadora do Instituto Moriguchi, Neide Maria Bruscato, os hábitos das pessoas são fatores determinantes para viver mais.
— Como muitos idosos moram no interior, eles acabam tendo uma atividade física, como o simples fato de fazer uma caminhada. Os níveis de estresse dos idosos são menores e eles comem o que plantam e o que criam. Além disso, viver em comunidade e junto com a família, assim como o fortalecimento da espiritualidade são fatores importantes para a longevidade — argumenta a pesquisadora.