Enquanto o Rio Grande do Sul aparece em segundo lugar entre os Estados brasileiros com maior taxa de detecção de Aids em crianças menores de cinco anos por 100 mil habitantes, a Serra tem os dois maiores municípios certificados com a eliminação da transmissão vertical do vírus HIV entre mãe e filho. Caxias do Sul e Bento Gonçalves receberam o reconhecimento no final do ano passado, referente a 2020, ano de corte feito para a certificação.
Ao todo, 19 municípios brasileiros receberam a certificação de eliminação do HIV. Do RS, além das duas cidades serranas, Erechim, no Norte gaúcho, também recebeu o reconhecimento. Para receber a certificação, é necessário atender critérios e etapas estabelecidos no Guia para Certificação da Eliminação de Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis. No ano de 2022, Bagé, na Campanha, também recebeu a mesma certificação. Antes disso, nenhum município do Estado havia recebido o reconhecimento.
Gerente do Serviço Municipal de Infectologia, Grasiela Cemin Gabriel acredita que a realização de, no mínimo, dois testes durante a gravidez e a realização do chamado "pré-natal do parceiro" são duas estratégias que resultaram na eliminação da transmissão vertical. Normalmente, a gestante realiza um teste ainda no primeiro trimestre e outro antes do parto. Neste mesmo momento, é mais comum de encontrar o parceiro da mulher e, por isso, ele também é testado para todos os tipos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
— É uma estratégia importante, porque muitas vezes a gente faz todo o acompanhamento da gestante e esquece que tem o parceiro e que continuam tendo a possibilidade de infecção. Muitas vezes a gente vê a dificuldade desses parceiros irem para a (Unidade Básica de Saúde) UBS fazer o pré-natal concomitante com suas mulheres, por conta de trabalho. Mas no momento do parto, via de regra, é um momento que esses homens estão presentes, sim — comenta Grasiela.
Para mulheres gestantes infectadas, o pré-natal, na atenção básica, ocorre compartilhado com o Serviço de Infectologia, fazendo exames de controle de carga viral e prescrição de tratamento.
— Todos os meses nós olhamos no sistema se a paciente está retirando o medicamento. A gente não espera, como dos demais pacientes, o abandono dos cem dias. No exame de carga viral, a gente olha de fato se a pessoa está usando o medicamento, se o vírus está indetectável. Tem situações que nós temos que oficiar ao Ministério Público para que sejam tomadas providências que nós não conseguimos — explica.
Em 2020, ano analisado para a certificação, Caxias teve 28 gestantes com HIV. Além do acompanhamento para a mãe, o bebê também realiza testes até o 18º mês e fica restrito à amamentação — que Grasiela explica ter maior risco à transmissão em relação ao parto. Para estes casos, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza fórmulas gratuitamente.
Uma doença sem gênero, mas com perfil
Conforme análise do Serviço de Infectologia, 60% dos infectados por HIV em Caxias são homens. Majoritariamente, o vírus circula entre pessoas mais jovens, entre os 20 e 29 anos. Grasiela afirma que quando a doença é instalada no organismo e atinge o sistema de defesa, a idade já evolui na faixa etária entre os 30 e 39 anos.
— A gente entende que as pessoas se infectam jovens e não acessam o serviço. Quando elas acessam, já estão doentes. Então, o foco é trabalhar com a população jovem — destaca.
Em pesquisas da rede de saúde, o uso de preservativo não é regular entre os jovens, o que pode acabar facilitando a transmissão. Para isso, a infectologia tem buscado realizar campanhas para difundir outras estratégias, como o autoteste, a testagem regular e o uso da profilaxia — tanto a PrEP (uso programado antes da possível exposição, podendo ser usada por tempo indeterminado) e a PEP, utilizada até 72 horas após uma situação de risco por 28 dias.
Para a testagem, Grasiela reforça que há também a descentralização do serviço, podendo ser feita em todas as UBSs e nas unidades de pronto atendimento (UPAs). Ações na rua, como testagens na Praça Dante Alighieri e no Consultório de Rua, também dispõem da testagem. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) também realiza busca ativa, tanto para infectados via SUS quanto para quem recebe o teste positivo em rede de saúde privada. Isso porque, ao ter um positivado, o laboratório tem obrigação de notificar a SMS.
Sem casos desde 2005 em Bento Gonçalves
Bento Gonçalves, que também recebeu a certificação este ano, não registra crianças infectadas pelo HIV por transmissão vertical desde 2005. Para a certificação, em 2020, foram registradas oito gestantes com o vírus. Todas com pelo menos um teste no pré-natal e também em tratamento com antirretroviral.
O município vem observando a queda de pessoas com Aids desde 2016. A mudança, conforme a prefeitura, se dá pela troca do protocolo de tratamento, em 2012, passando para todas as pessoas com HIV e não apenas para aquelas com a doença desenvolvida. Assim como Bento, que registra a queda, o restante da Serra tem o mesmo cenário. Nenhum município da região apareceu no boletim epidemiológico do ano passado.
Estratégias contra o HIV em Caxias
- Descentralização dos testes rápidos
- Autoteste
- Mínimo de dois testes ao longo do pré-natal para gestantes
- Testagem nos pais durante o parto
- Atendimento interdisciplinar ao paciente que busca a infectologia sem agendamento prévio
- Preservação da identidade do paciente
- Disponibilidade de PrEP, desde 2018, no SUS
- PEP em todas as UBSs
- Busca ativa de pacientes em abandono de tratamento em cem dias (o prazo é reduzido para gestantes)
- Distribuição de preservativo externo (masculino) e interno (feminino) nos serviços de saúde
- Parceria com o Ministério Público e o Conselho Tutelar para quando houver criança com risco de infecção ou já infectada para cumprimento de tratamento e protocolo
Quando usar PrEP e PEP, conforme Ministério da Saúde
:: Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP ): o medicamento antirretroviral para ser administrado antes da exposição ao HIV, reduzindo a probabilidade da infecção. Não é uma profilaxia de emergência. Recomendada para populações que estão em maior risco e que concentram o maior número de casos de HIV no Brasil, como gays e outros homens que se relacionam sexualmente com homens, população trans, profissionais do sexo e parcerias sorodiferentes (onde uma pessoa está infectada pelo HIV e a outra não).
:: Profilaxia Pós-Exposição (PEP): usada após um possível contato com o HIV, como em casos de violência sexual, relação sexual desprotegida, acidente com instrumentos perfurocortantes ou em contato direto com material biológico.
Não há cura, mas há tratamento
O SUS também disponibiliza os medicamentos antirretrovirais, para tratamento do HIV. A utilização correta é capaz de tornar a carga viral indetectável, permitindo que o infectado tenha relações desprotegidas sem risco de transmissão e também a reprodução. Como todo tratamento, deve ter orientação médica.