Duas semanas após o acidente, a família de Patrícia Aguiar Cabral, 40 anos, ainda procura entender a sequência de fatos que resultou na morte da mulher. Patrícia foi encontrada gravemente ferida ao lado da motocicleta que conduzia, no cruzamento da Rua Leopoldo Rosenfeld com a Reinaldo Bertoluci, em Gramado. Ela morreu cerca de oito horas depois, no Hospital de Caridade de Canela.
Inicialmente, por não ter indícios de um segundo veículo envolvido, a Brigada Militar considerou o caso uma queda de moto. Patrícia foi encaminhada para atendimento no Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado, enquanto um guincho ficou responsável por remover o veículo. Segundo o cunhado da vítima, Eliseu Gross, neste momento o irmão e companheiro de Patrícia, Jonas Isaque Gross, chegou no local da colisão. Ele havia estranhado o sumiço da esposa e refez o caminho diário dela, entre o local de trabalho, um hotel em Gramado, e a casa deles, em Canela.
— Naquele dia, meu irmão estava esperando (a Patrícia) em casa e achou estranho que ela não respondia às mensagens. Aí, ele já sentiu que alguma coisa tinha acontecido. Então, ele foi até Gramado para ver se encontrava ela no caminho, para ver se estava tudo bem. É triste, chega a ser com requinte de crueldade tudo aquilo que aconteceu — comenta Eliseu Gross.
O marido de Patrícia tinha o costume de buscá-la no trabalho, mas na sexta-feira (7), teria sido liberado pela mulher. Em troca, pediu que ele a aguardasse com fogo na lareira e comida pronta.
— Sempre que possível, ele ia buscar ela. E quando não podia, ficava lá, fazia um foguinho, esperava com a comida, porque eles trabalham em turnos opostos. Ela trabalhava a partir das 15h, ele na parte da manhã. Então eles só se viam naquele momento — relata o cunhado de Patrícia.
O casal estava junto há mais de 10 anos. Além de Jonas Isaque, Patrícia deixa um casal de filhos de um relacionamento anterior.
Eliseu Gross conta que encontrou as duas peças de carro que mudariam os rumos da história. Desconfiado que Patrícia tinha fraturas muito graves para uma queda de moto, o cunhado foi ao local da colisão, no sábado (8), por volta das 7h. Na intenção de conseguir imagens de câmeras de segurança, Gross diz que analisou o local e acabou encontrando a peça com a logomarca frontal de um automóvel. Em uma nova ida, no mesmo dia à tarde, ele achou mais uma parte de um carro, em um mato próximo do local da colisão.
Orientados por um advogado conhecido da família, a Polícia Civil foi procurada, tendo em vista a suspeita de que houvesse uma colisão e não apenas uma queda.
— Na minha opinião, toda a condução dessa história acaba sendo desastrosa. Desde o primeiro atendimento, até a hora do velório, é tudo muito confuso, muito atrapalhado. — desabafa Gross.
Conforme o cunhado, o velório de Patrícia foi feito até as 6h de domingo (9), quando foi interrompido para que o corpo fosse para necropsia, no Posto Médic0-Legal (PML) de Osório. A interrupção foi uma decisão da família junto à Polícia Civil, para evitar uma possível exumação do corpo posteriormente.
Uma das críticas da família é em relação a uma possível recusa de atendimento do hospital de Gramado.
— Meu irmão disse que eles (funcionários do Hospital) falaram que ela não poderia ser atendida lá, porque o cartão SUS (Sistema Único de Saúde) dela era da cidade de Canela e, como era Gramado, eles teriam que transferir ela para Canela. Depois eles (hospital) soltaram uma nota que o aparelho estava estragado, mas essas não foram as palavras que eles usaram no dia. As palavras foram "ela é de Canela, ela não pode ser atendida aqui, se o cartão SUS é de lá, é lá que ela tem que ser atendida". Eu acho que ela nem poderia ter sido removida de lá. Talvez ela teria uma chance a mais — afirma Gross.
A nota que o familiar se refere foi enviada no dia 11 de julho. O hospital defendeu que a transferência da paciente ocorreu porque o aparelho para realizar tomografia estava em manutenção (confira a nota na íntegra abaixo).
— A gente não pode apontar culpados, a gente tem que deixar para a Justiça analisar tudo que aconteceu. Mas se tu pegar tudo desde o começo, é terrível o modo de condução — desabafa Gross.
Identificação de suspeita
Uma mulher de Três Coroas foi identificada como suspeita de ter envolvimento na colisão. Ela foi ouvida pelo delegado na segunda-feira (10) e alegou que estava em uma lancheria, em Canela, e que ingeriu bebida alcoólica enquanto assistia ao show de um amigo. A mulher não lembra de ter se envolvido no acidente com Patrícia, mas contou, em depoimento, que colidiu o veículo que dirigia, uma Spin, em uma árvore quando voltava para casa.
Um guincho teria sido chamado para levar o veículo para a residência da suspeita. O amigo que se apresentava também teria ajudado a mulher. A polícia apreendeu o carro, que foi encontrado embaixo de uma lona, e os celulares da suspeita e do amigo para serem periciados.
Prisão de suspeita
A mulher foi presa preventivamente pela Polícia Civil de Gramado nesta quarta-feira (19). Uma equipe se deslocou a Lages (SC), onde a suspeita estava morando. Segundo o titular da Delegacia de Polícia no município gaúcho, Gustavo Barcellos, a mudança de estado não é considerada uma tentativa de fuga, pois foi informada ainda em depoimento à polícia, no último dia 10.
Investigação da conduta de hospitais
Dentro do inquérito, o delegado responsável pelo caso, Gustavo Barcellos, investiga a conduta tomada pelos hospitais de Gramado e Canela. Sobre o primeiro hospital onde Patrícia foi atendida, no caso, em Gramado, haverá investigação para entender se a transferência da paciente em estado gravíssimo foi o procedimento correto.
Já em relação ao Hospital de Caridade de Canela, a investigação será sobre a liberação do corpo sem comunicar a polícia.
— Nós vamos pedir informações para o hospital de Gramado e para o hospital de Canela de como foi liberado o corpo para a família num caso de, evidentemente, morte violenta — destaca Barcellos.
A advogada da instituição canelense, Rosilá Salbego, informa que uma verificação interna sobre o ocorrido está sendo feita e que um posicionamento deve ser feito após conversa com a polícia.
Nota completa do Hospital Arcanjo São Miguel
"O Hospital Arcanjo São Miguel vem informar acerca do atendimento prestado à vítima de acidente de trânsito na data de 08/07/2023.
O atendimento foi prestado em atenção aos padrões estabelecidos na presente situação, com necessário zelo da equipe médica. A vítima necessitava de exames complementares (tomografias) os quais não estavam disponíveis na instituição (em manutenção do dia 05/07/23 ao dia 10/07/23) e, por isso foi acionado o plano de contingência e transferida em estado estável ao Hospital de Canela. A transferência foi supervisionada pelos médicos que atendiam ao caso. Cabe esclarecer que não houve negativa de atendimento.
O Hospital se solidariza com a família e todos que sofrem pela perda do ente querido.
Em relação a divulgação de casos específicos, o HASM se reserva ao direito de não fazer comentários que possam ferir o sigilo médico ou interferir em investigações em andamento."