Enquanto a prefeitura de Caxias do Sul prepara o termo de referência para o edital de licitação da gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) completa três anos à frente do serviço. Uma média de 288 pacientes são atendidos por dia na unidade, que é gerenciada desde o dia 1º de julho de 2020 pela UCS, por meio da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Fucs).
A UPA foi inaugurada em 20 de setembro de 2017 com a missão de desafogar o atendimento do antigo Postão (hoje UPA Central). Antes de a instituição de ensino caxiense assumir a unidade, o Instituto de Gestão e Humanização (IGH) gerenciou a UPA Zona Norte até o dia 30 de junho de 2020.
A troca de comando ocorreu em meio ao primeiro ano da pandemia de covid-19. Na ocasião, porém, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a legalidade do processo, uma vez que não foi aberta licitação, e sim firmado um convênio entre o município e a Fucs (leia mais abaixo). O contrato do convênio entre o município e a Fucs venceria no final deste mês, mas foi ampliado até dezembro deste ano, enquanto a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) elabora o termo de referência do novo edital de licitação. O reitor da UCS, Gelson Leonardo Rech, afirma que a universidade pretende concorrer na licitação para seguir na gestão da UPA Zona Norte.
A reportagem procurou a SMS para avaliar o que mudou no atendimento na UPA nestes três anos com a gerência da Fucs, mas, por meio da assessoria de imprensa, enviou uma nota afirmando que "A SMS faz monitoramento constante das duas UPAs, com fiscal presente em cada uma delas, com o objetivo de avaliar o cumprimento dos contratos e qualificar o atendimento prestado aos usuários. Quando são identificadas possibilidades de melhoria, essas são tratadas diretamente com os gestores com a finalidade de ofertar o melhor serviço aos usuários".
UCS avalia que qualificou o atendimento
O modelo colocado em prática pela UCS atualmente é semelhante ao que já ocorre com o Hospital Geral (HG). Segundo o reitor Gelson Leonardo Rech, para a renovação do contrato a UCS aguarda o edital que a prefeitura lançará.
— Se estivermos dentro dos critérios do edital, continuaremos a dar a assistência aos pacientes e a UPA continuará a ser um importante campo de aprendizado para nossos estudantes das diversas áreas da saúde — explica o reitor.
Com essa experiência em trabalhar com o Sistema Único de Saúde (SUS), a UCS avalia que qualificou a gestão e o serviço prestado.
— Temos 210 funcionários, cinco médicos clínicos, dois pediatras, cobrindo todos os turnos. Temos um odontólogo também para as emergências. Temos uma equipe, portanto, muito grande prestando, na nossa visão, um ótimo atendimento à população — ressalta Rech.
Ele avalia que nesses três anos a gestão conseguiu ter um resultado satisfatório. Para essa avaliação, se baseia nas avaliações respondidas pelos pacientes ao final dos atendimentos. Cerca de 30% deles avaliam o atendimento como "bom" e "ótimo", segundo o reitor:
— Considerando a dinâmica da saúde pública e até a falta de leitos que temos hoje, entendemos como um bom indicador. Mas queremos crescer e aperfeiçoar esse índice. Em alguns meses, a demanda aumenta 10% e mesmo assim estamos conseguindo dar conta.
Para o reitor, um ponto que tem que melhorar, em função da falta de leitos, é a questão dos pacientes de longa permanência:.
— De fato precisamos dar melhores condições a esses pacientes que ficam dias lá. Pensamos que com a abertura dos novos leitos do Hospital Geral, isso se amenizará. Hoje, além de uma boa assistência, de encaminhar o paciente para exames ou para casa com uma orientação clara, nós desejamos que essa assistência hospitalar ajude os pacientes.
O médico e vice-reitor da UCS, Asdrubal Falavigna, que contribui na gestão da UPA Zona Norte, explica que muitos problemas são resolvidos enquanto os pacientes estão na unidade.
— A UPA se torna um hospital temporário, muitos problemas são solucionados no período da internação. Praticamente um terço dos pacientes vai para casa sem precisar ir ao hospital depois — diz.
Criada para atender essencialmente urgências e emergências, a UPA é vista pela população, de forma equivocada, como uma alternativa às unidades básicas de saúde (UBSs): segundo a SMS, cerca de 80% dos pacientes atendidos nas duas UPAs são casos leves e que poderiam ter sido solucionados nos postinhos dos bairros.
A orientação da prefeitura é que os pacientes com quadros leves, inicialmente, procurem as UBSs para acolhimento e somente busquem as UPAs se não houver mais consulta disponível para o dia ou não haja indicação para agendamento de consulta na UBS.
Números
- 2021: 61.323 atendimentos (adulto + pediátrico) - média de 168 por dia
- 2022: 96.359 atendimentos (adulto + pediátrico) - média de 264 por dia
- 2023 (parcial até 27/06): 51.390 (adulto + pediátrico) - média de 288 por dia
Avaliação do Conselho de Saúde
O presidente do Conselho de Saúde, Alexandre de Almeida Silva, avalia o que melhorou desde que a UCS assumiu e o que ainda precisa melhorar na gestão:
— Hoje conseguimos contato e, de certa forma, conseguimos construir de forma rápida as melhorias necessárias. A escala médica, na maioria das vezes, está completa, e o quadro funcional tem uma rotatividade menor pela experiência de gestão que melhora o atendimento. A parte negativa é que, como o Conselho Administrativo não é paritário, nós como usuários nos sentimos com menos poder de decisão. O Conselho Gestor do Hospital Geral, por exemplo, é paritário, como rege a lei do SUS. Na gestão da UPA temos ou dois representantes e isso dificulta as decisões — destaca Silva.
O que dizem os pacientes
"O atendimento dentro do possível é bom porque quando falta leito é um problema que está além do que eles podem resolver. Eles atendem bem, fazem o que podem."
Ivori Rodrigues Reis, 60 anos, morador do bairro Fátima
"Busco atendimento na UPA há quatro anos. De manhã, percebo que atendem mais rápido. Eu fui atendida, recebi medicação porque estava com dor, e eles me encaminharam para a UBS. Como estava com uma crise, e no postinho só atendem com consulta marcada, precisei vir aqui. É bom, mas dá para melhorar o atendimento porque muitas vezes demora muito." Jenifer Antônia Feijó da Silva, 28 anos, moradora do loteamento Victório Trez
"Eu e minha família buscamos atendimento aqui desde que foi inaugurada. Melhorou de uns tempo para cá." Ângela Mara Machado dos Santos, 60 anos, moradora do bairro Santa Fé
"Já teve casos de buscar atendimento e conseguir tudo o que precisamos; em outros já fomos embora sem atendimento. Antes da pandemia, acredito que o atendimento era melhor. Percebo que falta médicos e não nós passam informações."
Michele de Almeida, 37 anos, dona de casa
"Moro no Marechal Floriano, mas sempre que a mãe precisa de atendimento, vamos até a UPA Zona Norte porque o atendimento é mais rápido. Ela tem problemas no pulmão e no coração e precisa de consultas e internação frequente. Aqui é o melhor lugar para a minha mãe, é na UPA que encontramos o atendimento que ela precisa."
Ereni Muller, 47 anos, moradora do bairro Marechal Floriano
"Moro no bairro São Caetano, mas trago meu filho sempre aqui porque na Central demora muito. Aqui na UPA Zona Norte o atendimento é mais rápido, geralmente tem dois pediatras, e ele é bem atendido. Já teve vezes em que vim e tinha um só, mas mesmo assim, ele foi atendido mais rápido do que na outra." Mônica Cristina Tomassi, 38 anos, mãe do Arthur Gabriel dos Santos, de um ano e oito meses
Relembre como a UCS assumiu a gestão da UPA
A gestão da UCS na UPA Zona Norte começou em 1º de julho, mas a procura pela parceria já era trabalhada desde o início do governo do ex-prefeito Flávio Cassina (PTB), no início de 2020, devido a problemas com o IGH.
Antes mesmo de a Fucs assumir a gestão, o Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação para que a prefeitura de Caxias do Sul abrisse um edital de licitação, ao invés de firmar convênio. O município seguiu adiante e solicitou autorização ao município para que a Fucs assumisse a gestão. No primeiro momento, foi negada a decisão antecipatória pela Justiça, e também ficou decidido que a regularidade seria analisada na sentença, após a produção das provas.
Em maio de 2022, foi publicada a sentença em primeiro grau de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o município e a União. O governo federal foi incluído como réu na ação pelo MPF porque o fato de não ter sido feita licitação impediria o repasse de recursos complementares provenientes do Ministério da Saúde.
De acordo com a sentença expedida pela juíza federal Adriane Battisti, da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul, caso o município não efetue de forma direta a gestão da UPA, o processo deve ser realizado a partir de uma licitação ou chamamento público para a contratação de uma empresa da área. O documento aponta a ilegalidade no processo de convênio da prefeitura com a Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS) para a gestão da UPA Zona Norte. O município e a Fucs recorreram da decisão que ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda está pendente a decisão de recurso no TRF4.
A UCS aponta que essa questão do convênio está sendo tratada pelo jurídico da instituição. Já o procurador-geral do município, Adriano Tacca, afirma que o município utilizou como base para a contratação o disposto no Art. 116 da Lei 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública. A regra, por exemplo diz que assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência da decisão à Assembleia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva. No caso de Caxias, o convênio entre prefeitura e Fucs foi aprovado pelo Legislativo.
A administração municipal defende a legalidade da contratação. Destaca ainda que o modeloé igual ao que foi firmado entre o governo do Estado e a Fucs para a administração do Hospital Geral, o qual está vigente a 24 anos.