A Seleção Brasileira entrava em campo para um jogo da Copa América de 2015, enquanto um grupo de amigos de Caxias do Sul assistia atento aos passes dos jogadores. Entre um lance e outro, os olhares da técnica de enfermagem Karen Kern se encontraram com os do empresário Gustavo Dalle Laste, que permitiram a euforia do momento resultar em beijos sem compromisso. Um ano depois, uma foto daquele dia surgiu como lembrança para a jovem em uma rede social e ela decidiu enviar o registro para ele. Algumas mensagens e uma ida para comer sushi depois, o sentimento de paixão surgiu entre os dois.
Movido pela vontade de aproveitar a vida, o empresário começava a trabalhar no negócio da família, a tradicional fábrica de Massas JDL, no bairro Lourdes. Ele começava cedo, por volta das 4h para dar conta da demanda e conseguir aproveitar os finais de semana ao lado da companheira. Karen conciliava o sonho da enfermagem com os momentos com ele. Ao longo dos anos, com a certeza do amor que nutriam um pelo outro, decidiram dar mais um passo no relacionamento e ficaram noivos.
Em meados de 2020, com a data do casamento marcada, em busca de descobrir as causas de sintomas estranhos que o empresário, na época com 34 anos, estava tendo, um exame trouxe a notícia que mudaria a vida e a rotina do casal. Com o diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), ele e a companheira celebraram o Dia dos Namorados na última segunda-feira (12) com o mesmo amor e companheirismo que compartilham desde o início da história que vivem, após o reencontro causado pela lembrança de um jogo da Seleção Brasileira.
De acordo com o Ministério da Saúde, a ELA é uma doença neurológica que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva. As consequências são a paralisia motora irreversível, perda da fala, do movimento, da deglutição e até mesmo do respirar, deixando os pacientes incapazes de cuidar de si mesmos. Existem tratamentos que retardam a doença, mas ela avança rapidamente e não possui cura. O físico britânico Stephen Hawking, que morreu em 2018, foi um dos portadores da doença mais conhecido mundialmente.
Depois de descobrir que, pouco a pouco, todos os músculos do corpo de Dalle Laste vão atrofiar, por uma noite inteira os dois permitiram que as lágrimas de preocupação e angústia fizessem o caminho sem rumo dos próprios rostos. No dia seguinte, a determinação do empresário pela vida foi suficiente para que, juntos, buscassem formas de se adaptar à nova realidade.
— Deixamos nossos planos de lado porque queríamos parar o avanço da doença já que ela não tem cura e tentamos vários tratamentos alternativos. Fomos para os Estados Unidos em busca de diferentes tratamentos, mas todos sem resposta. Até que chegamos no ápice da vida, em que ou vivíamos pela doença ou vivíamos a vida. Foi aí que a gente escolheu viver e aproveitar cada momento que pudéssemos — conta Karen, atualmente com 29 anos.
Com o avanço da doença, que ocorre rapidamente, a comunicação entre os dois foi mudando ao longo do tempo. Conhecendo um ao outro como a si mesmos, assim como no dia em que se viram pela primeira vez, atualmente conversam pelo olhar e parecem entender exatamente o pensamento um do outro. Atendendo ao pedido do noivo, Karen deixou o sonho de atuar na área da saúde para abraçar o sonho do companheiro e compartilhar com ele o amor pelo universo das massas. Tendo o noivo como professor, começou a aprender sobre a fabricação, contabilidade e até mesmo a importância do maquinário para a produção na fábrica.
Vemos muito aquela fúria da paixão e ela é a parte fácil dos relacionamentos, mas quando aquele fogo apaga é onde a gente conhece o amor de duas pessoas. Quando entra nesse estágio, as dificuldades chegam e nós dois temos nossas dificuldades, sem dúvidas, mas a cada dia a gente se fortalece um no outro. Eu acho que realmente é dessa forma que a gente conhece o que é o amor na vida de uma pessoa.
KAREN KERN
Pouco depois de perder a força e ter a mobilidade dos braços prejudicada pela doença, em meados de 2022, o empresário passou a contar com o auxílio de um aparelho que funciona a partir do comando dos olhos, que não são afetados pela doença. A tecnologia permite que Dalle Laste tenha autonomia para continuar administrando a empresa e resolvendo todas as questões que não dependem da força física.
A importância de cada dia como se fosse o último
Aos poucos, com o avanço da doença, os passeios rotineiros na casa da avó de Karen, em Galópolis, com o pão de queijo quentinho que Dalle Laste levava para a noiva na cama, se tornaram lembranças que os dois carregam. Para aproveitar a companhia um do outro em ambientes diferentes, o casal passou a buscar espaços com acessibilidade para cadeirantes e tarefas comuns, como vestir ou deitar, começaram a ser auxiliadas pela noiva e por uma cuidadora.
— Ele já está com um pouquinho de dificuldade para comer também e para respirar, então ele já tem cuidado para se alimentar, aqui nós que fazemos massas e sabemos que vai chegar uma hora que ele não vai mais conseguir comer. Diante de todas as doenças, essa pelo menos ele não sente dor e a cabeça não afeta — conta a noiva.
Compartilhando o amor pela vida, passaram a admirar as coisas simples e a oportunidade de acordar dia após dia. Sabendo da preciosidade de cada momento da vida, gostam de dizer para as pessoas aproveitarem os detalhes de todos os passeios, não só estar em ambientes diferentes, mas ter a oportunidade de viver a vida.
— Quando tem um diagnóstico onde você não sabe o dia de amanhã, você valoriza o que tem hoje. Esse é o nosso lema, e também ser o elo um do outro. A gente vive, literalmente. Tudo é muito delicado para nós, mas voltamos com nossos planos. Agora vamos dar nossos próximos passos, queremos ter filhos, sempre quisemos, então estamos pensando e planejando os bacuruzinhos (risos). Queremos continuar aproveitando e somos felizes, diante de tudo. Eu sou a razão e ele a emoção, acho que somos um equilíbrio e por isso que dá certo — afirma Karen.