Após a operação que revelou 207 homens trabalhando em situação análoga à escravidão - a maioria como safristas -, em Bento Gonçalves, produtores de uva ligados à Vinícola Aurora iniciaram a adaptação de alojamentos em propriedades para os trabalhadores temporários. A mudança é uma das ações adotadas pelas três vinícolas - além da Aurora, Garibaldi e Salton -, que tinham contrato com a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, após assinarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Nesta quarta-feira (24), engenheiros agrônomos da Aurora estiveram em uma propriedade para inspecionar o local adaptado para receber trabalhadores temporários. Ao todo, são 1.140 famílias associadas que estão fazendo as adaptações necessárias para o programa de Boas Práticas Agrícolas, que guia os produtores para a implementação de trabalho digno. O prazo para encerrar essas melhorias é o início da próxima safra. Ao longo do ano, outras inspeções serão realizadas por cinco agrônomos da vinícola, para garantir as mudanças. As normas são previstas na norma que prevê Condições Sanitárias e de Conforto no Trabalho Rural, do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.
— Vamos ter a contratação de uma auditoria independente, que fará a avaliação de campo junto ao associado, para cobrir todas as normas estabelecidas dentro do TAC — explica, sobre a fiscalização, o gerente agrícola da Aurora, Maurício Bonafé.
Responsável pela inspeção na propriedade da família Bellé, o engenheiro agrônomo Jonas Panisson comenta que, desde abril, estão sendo feitos cursos para orientar os produtores sobre o que é necessário estar de acordo com o programa. Após isso, é feita uma verificação do que é preciso mudar em cada propriedade, e é dado um prazo para o cumprimento. Esse prazo varia conforme a demanda. Por exemplo, construções têm data limite maior do que compra de pequenos objetos.
— A ideia é conseguir concluir essas orientações até a poda (dos parreirais), que começa em agosto, para que o produtor tenha tempo para se ajustar. O que eu sinto do produtor é uma certa dificuldade do entendimento da norma, pois são muitos itens, não é fácil de tu ler, então tudo que existe na norma, a gente põe numa linguagem fácil de entender — afirma Panisson.
Outra mudança da empresa, de acordo com Bonafé, é que a Aurora não irá mais indicar a contratação de mão de obra terceirizada aos cooperados.
— Vamos sugerir ao associado que não seja feito, vamos pedir que a contratação seja feita de forma direta para o período de safra — acrescenta o gerente agrícola.
A família Bellé tem uma alojamento na propriedade há 15 anos. Nas safras, eles acabam precisando de mão de obra extra e, em torno de quatro a cinco homens são contratados. Agora, eles aproveitam as orientações do Boas Práticas Agrícolas para adaptar a peça - com sala, banheiro, cozinha, área externa e quartos - para estarem dentro do que é previsto em lei.
— A gente construiu isso pensando no bem-estar dos trabalhadores, de terem um canto para eles. Agora, precisamos colocar um armário com fechadura e outras coisinhas que dá para fazer rapidamente. A gente também fez palestras, cursos para adequar a propriedade e também levar um alimento seguro para o Brasil — conta a estudante e produtora, Jéssica Ballé, que auxilia os pais, Simone e Rui, na lida do campo.
Ações das outras vinícolas
A Cooperativa Garibaldi, em nota, informou que aderiu a um programa de compliance para ter auditorias e certificação ao sistema implantado. Além disso, três técnicos agrícolas estão realizando um treinamento para certificar produtores em boas práticas agrícolas, dando suporte para colocar em prática. Reuniões com associados, funcionários internos e fornecedores tão vêm sendo realizadas.
Já a Salton, também em nota, afirmou que encontros vêm sendo feitos para tratar da questão do trabalho digno. No final de maio, está prevista uma mostra técnica com palestras que abordará, entre outros temas, a contratação correta de mão de obra sazonal, seguindo a orientação do TAC. A empresa também diz que revisou o processo de contratação de terceiros, anteriormente adotado, reestruturou a estrutura de compliance e ampliou a divulgação do canal de ética.
Confira alguns pontos abordados na norma das Condições Sanitárias e de Conforto no Trabalho Rural para trabalhadores alojados
- Instalações sanitárias à disposição do trabalhador
- Locais para refeição
- Alojamento
- Lavanderias
- Condições adequadas de higiene
Contraponto da empresa Fênix
A reportagem também procurou o advogado Augusto Giacomoni, responsável pela defesa da empresa Fênix. Ele respondeu que a empresa não tem um posicionamento em relação ao tema porque a Fênix não possui alojamentos.