A possibilidade de despejo de 154 famílias dos apartamentos do Loteamento Campos da Serra, em Caxias do Sul, será tema de reunião entre a Câmara de Vereadores e a prefeitura. O prefeito Adiló Didomenico irá receber representantes do Legislativo a partir das 16h30min desta terça-feira (2), no centro administrativo. Os moradores já foram notificados que há uma ação judicial sobre o assunto, e estes imóveis podem ir a leilão por falta de pagamento referente as cotas de condomínio. Esses valores são aqueles referentes às despesas pagas todo mês, como a energia elétrica, manutenção anual de extintores, seguro, limpeza da caixa d' água e da caixa de gordura dos prédios.
A ideia do encontro é tentar intervir nas negociações entre os moradores e as empresas para evitar que a ação judicial prossiga e as famílias fiquem sem ter onde morar. O risco de despejo é real, uma vez, que os imóveis podem ser desapropriados devido aos atrasos no pagamento. Essas dívidas de condomínio foram aumentando, especialmente, quando começou a pandemia, segundo os moradores,porque as famílias não tiveram mais condições de pagar ou negociar essas parcelas. A União das Associações de Bairro (UAB) também foi procurada pelos moradores, e por meio do jurídico, entrará com um pedido para suspender as ações das administradoras, enquanto buscam alternativas.
Uma das vereadoras empenhadas nessa negociação é Estela Balardin (PT). A vereadora explica que pelo menos cinco administradoras atuam nos condomínios, e as famílias não têm conseguido negociar. Ela ressalta que esteve no loteamento e aponta que a maioria dos apartamentos é habitada por mães-solos, sendo que as famílias têm, em média, dois ou três filhos.
— O Campos da Serra foi financiado pelo poder público e feito para pessoas em vulnerabilidade social que moravam em áreas de risco ou áreas inapropriadas. Agora, da noite para o dia, 600 pessoas podem ficar sem moradia, e dessas são cerca de 300 crianças que podem acordar sem ter onde morar —ressalta a vereadora.
O secretário municipal de Habitação, Vagner Petrini, ressalta que a Procuradoria Geral do Município (PGM) está acompanhando o assunto. Ele aponta que o despejo não pode ser feito sem o consentimento da Caixa Econômica Federal. Por isso, o Ministério Público Federal foi acionado pelo poder público e pela UAB, e contatou o banco sobre o assunto:
— Esses apartamentos são da Caixa. O proprietário é a Caixa e o banco tem que dar um parecer antes do imóvel ir a leilão. É a Caixa que tem que notificar às famílias. Enviamos os processos para o banco, e a promotoria pediu que a Caixa desse uma olhada.
Ele destaca que o assunto não envolve o município, mas as famílias pediram ajuda, e caso sejam despejadas não vão ter onde morar:
— Estamos preocupados porque se começar a ter essas desapropriações e reintegração de posse, os apartamentos deixam de ser social, e se torna um negócio imobiliário. Essas famílias que já foram contempladas não podem mais participar de programa habitacional, e elas vão nos procurar novamente.
Ele explica, ainda que, em paralelo, ocorre uma ação de reintegração de posse, essa sim, por parte da Caixa Econômica Federal, referente aos apartamentos que foram abandonados ou estão em situação irregular à legislação.
Dívidas de R$ 2 mil a 20 mil
A técnica de enfermagem Janaína dos Ouros, 46 anos, é uma das moradoras que está aflita com a situação. Ela ressalta que a maioria das famílias está com as parcelas do financiamento do apartamento em dia. Esses valores são pagos à Caixa Econômica Federal e giram em torno de R$ 25 a 75 por mês. O valor referente ao condomínio, engloba a taxa de água, e fica entre R$ 100 e 200 por mês. A queixa de Janaína é em relação ao valor alto e a falta de manutenção dos prédios. As dívidas vão de R$ 2 mil a 20 mil.
— Não é nem ordem de despejo, é leilão. A notificação diz que corremos o risco do apartamento ir a leilão. Eu tenho uma dívida de mais de R$ 4 mil de condomínio. Pelo prazo que falta para terminar de pagar o apartamento ao banco, o valor de condomínio fica muito mais alto do que vou pagar no total pelo imóvel. Eles querem me cobrar R$ 11 mil da dívida do condomínio. Tentei negociar e dar uma entrada de R$ 1 mil e eles não aceitaram. A parcela do apartamento é de R$ 70, em dez vezes, e faltam dois anos para pagar. Essa dívida do condomínio é impagável para a maioria.
A auxiliar de limpeza Andreia Maria Elisa trabalha em um estacionamento. Ela é separada e mãe de sete filhos. Andreia foi demitida no começo da pandemia, quando estava grávida do último filho. Foi nessa época que a situação financeira piorou e ela não conseguiu mais pagar o condomínio. Ela reclama que os juros e as multas das administradoras são altos.
— Eu estava sobrevivendo só do Bolsa Família naquela época e não tive condições de pagar o condomínio e, hoje, o meu débito está em torno de R$ 20 mil. Tenho cinco filhos que moram comigo então o consumo de água é elevado. As administradoras pedem uma boa quantia de entrada e depois parcelam o restante, mas tem que levar em conta os gastos fixos do mês, que, além da água, tem a luz e alimentação. As famílias como eu têm crianças e são de baixa renda. Nós estamos vivendo sob constante desespero, além de apreensão, é esse o nosso sentimento. Muito desesperador — emociona-se.
O vice-presidente da Associação de Moradores do Loteamento Campos da Serra, Everton Jesus da Silva, afirma que esse desespero aumentou depois que as famílias souberam que um apartamento foi a leilão por falta de pagamento das contas de condomínio. Também há relatos de, que pelos menos dois apartamentos, foram arrematados em leilão pelo advogado de uma administradora, e que esse profissional alugou o imóvel para as famílias que moravam no espaço.
— Alguns moradores tentaram por diversas vezes renegociar essas dúvidas, mas as administradoras e os síndicos cobram uma entrada exorbitante, que muitas vezes é quase 50% da dívida. Até o mês de fevereiro minha dívida estava em torno de R$ 12 mil. Agora estou renegociando novamente — conta ele.
Contrapontos
O advogado Laio Lamb, sócio do escritório Lamb Advogados Associados, com atuação em Direito Imobiliário e Condominial, que atua em alguns processos em andamento, e representa condomínios esclarece que:
"No que tange a problemática narrada pelos moradores do Condomínio Campos da Serra, necessário tecer os esclarecimentos que seguem de modo a demonstrar que as condutas adotadas pela administração dos empreendimentos, sejam síndicos ou administradoras, e pelos seus respectivos departamentos jurídicos observam as normas legais aplicáveis e as deliberações dos próprios moradores em Assembleias realizadas no âmbito dos empreendimentos.
A obrigação do condômino perante o condomínio está disposta no Código Civil Brasileiro e na Lei 4.591/1964, onde resta estabelecido expressamente o dever do condômino de contribuir para as despesas do condomínio na proporção da sua fração ideal, recolhendo nos prazos previstos na Convenção do Condomínio a parte que lhe couber.
A Convenção do Condomínio estabelece as normas que regem o condomínio, onde são ratificados os deveres e os direitos dos condôminos previstos na legislação antes citada, especificando-os, de modo a beneficiar toda a coletividade.
A Assembleia Geral de Condôminos é o momento onde a coletividade analisa e decide sobre a contribuição a ser paga mensalmente pelas unidades que compõem o empreendimento, sobre as penalidades que serão aplicadas as unidades inadimplentes, sobre os procedimentos a serem adotados com o objetivo de recuperar os valores inadimplidos pelos condôminos, entre outros. Os assuntos deliberados e aprovados pela massa condominial devem ser aplicados pelo síndico e pela administração do condomínio, sob pena de estes restarem responsabilizados em caso de omissão no cumprimento dos seus deveres.
Sabido é que a inadimplência condominial traz consequências negativas tanto para o condômino quanto para o condomínio pois, quando um condômino deixa de pagar a sua cota condominial, o condomínio fica com um déficit de caixa que prejudica o planejamento financeiro do empreendimento, impossibilita o pagamento de despesas básicas como água, folha de pagamento, impostos, entre outros.
O inadimplemento da taxa condominial coloca a unidade devedora em mora, fazendo com que o condomínio tenha de aumentar o valor da taxa mensal a ser paga e, assim, sobrecarregando os moradores que pagam em dia, além de ter de adotar as condutas necessárias para o recebimento dos valores inadimplidos, inclusive por meio de processo judicial, conforme autorizado pela legislação de regência, pela Convenção do Condomínio e aprovado em Assembleia Geral de Condôminos.
Iniciado o processo judicial e não tendo ocorrido o pagamento dos valores devidos no prazo que a Lei estipula, a legislação autoriza a penhora da própria unidade habitacional para pagamento do débito. É o que dispõe o art. 1.715 do Código Civil Brasileiro e o art. 3º, inciso IV, da lei 8.009/90. Contudo, até que o Judiciário autorize a penhora e a realização do leilão do imóvel, o proprietário do imóvel recebe, ao menos, cinco notificações, sejam elas extrajudiciais ou judiciais, dando-lhe ciência da situação da sua unidade habitacional e solicitando que regularize o débito e evite a penhora e/ou o leilão do seu imóvel.
Como se observa, a penhora do imóvel é medida extrema, sendo aplicada somente quando o condômino, instado a fazer, não efetua o pagamento dos valores devidos e tampouco possui outras formas de quitação dos valores inadimplidos.
Todo o processo de execução da dívida condominial observa previsões legais e os condôminos, em sua grande maioria, são representados por advogados particulares previamente contratados ou por meio da Defensoria Pública, onde exercem o seu direito ao contraditório e a ampla defesa no trâmite processual.
Estando o procedimento processual regular, o Judiciário, observando a legislação aplicável e as regras processuais, autoriza a venda do imóvel inadimplente, o que se dá por meio de leilão previamente agendado, para a quitação do débito condominial.
Tratando especificamente dos condomínios populares, como é o caso do Campos da Serra e outros similares, o que se observa é uma inadimplência expressiva que, em alguns momentos, chegou a ser de 35% do total de moradores do condomínio, débitos, estes, que remontam aos anos de 2016 e de 2017, primeiros anos do empreendimento, e que seguem até os dias de hoje, o que demonstra o déficit financeiro de receita de longa data enfrentado por aqueles que já administraram e por aqueles que hoje administram estes condomínios.
Unidades habitacionais abandonadas; apartamentos invadidos; unidades onde os beneficiados são analfabetos e não possuem quem os represente; unidades vendidas para terceiros por meio de contratos particulares; unidades que foram alugadas pelos beneficiados pelo programa habitacional; a ausência de iniciativa por parte do Fundo de Arrendamento Residencial ou da própria Caixa Econômica Federal, detentores da propriedade fiduciária destes imóveis, em reaver os bens em situações de irregularidade; são apenas alguns dos problemas enfrentados nestes condomínios, tão graves quanto a inadimplência ou a tentativa de administração com poucos recursos.
Assim como é devida a solidariedade para com aqueles que se sentem prejudicados com a realização dos leilões para a quitação do débito condominial, assim também é devida a solidariedade para com aqueles moradores que pagam o seu condomínio em dia, que participam das Assembleias Gerais do Condomínio e que aprovam os procedimentos necessários para que o empreendimento possa se manter vivo pois, um condomínio, ente despersonalizado que é, nada mais é do que a representação da totalidade dos moradores, que definem os rumos do seu patrimônio comum."
A Caixa Econômica Federal também se manifestou por meio de nota:
"Com relação ao referido empreendimento, localizado em Caxias do Sul (RS), a CAIXA esclarece que não há ação coletiva quanto à inadimplência referente às taxas condominiais. As ações de cobrança e execução são individuais e ajuizadas pelos condomínios na esfera cível da justiça estadual contra os devedores.
Não cabe à CAIXA manifestar-se nas ações judiciais de cobrança de taxas condominiais para autorizar a unidade a ser leiloada, sendo essa decisão tomada a critério do poder judiciário.
Sendo o FAR credor fiduciário dos imóveis e a CAIXA seu representante legal, a CAIXA é intimada, somente na fase de execução, quando há determinação para que a unidade habitacional seja penhorada e levada a leilão, ocasião em que apresenta-se a dívida do devedor perante o FAR para habilitação dos créditos a serem pagos".