Todos os dias, ao chegar para trabalhar na Rua Ruy Barbosa, área central de Farroupilha, um homem de 36 anos, que preferiu não se identificar, encontra um veículo estacionado no acesso para a garagem do prédio comercial. Na maioria das vezes, são caminhões que descarregam produtos em um mercado localizado na esquina. Devido ao bloqueio dos estacionamentos, os veículos fazem fila dupla, interrompendo a via parcialmente.
— Tenho que descer do carro e ir lá dentro do mercado procurar o motorista e pedir para retirar o caminhão. Eles respondem que até terminar de descarregar não vão tirar — conta o denunciante.
Segundo o morador de Farroupilha há um espaço destinado para carga e descarga no pátio do mercado. Mas, devido ao acúmulo de caminhões, ocorre essa situação. Os usuários do prédio ligam para a Brigada Militar (BM) e para o Departamento de Trânsito, mas ficam sem respostas.
— Sabemos que a Brigada tem mais coisas para fazer e o Departamento de Trânsito, que está aí para isso, não pode autuar. Um joga para o outro e a gente fica sem saída.
O morador reclama também da cidade como um todo. Segundo ele, é nítido que não há fiscalização de infrações de trânsito no município. Há acidentes com frequência por imprudência das pessoas, segundo ele. Na visão do denunciante, seria necessária uma equipe fiscalizando e conscientizando as pessoas.
Fiscalização é exclusivamente função da Brigada Militar em Farroupilha
A reclamação do morador chegou ao Poder Legislativo. O vereador Juliano Baumgarten (PSB) oficializou, então, um pedido de informações em relação ao número de multas aplicadas em comparação de 2021 com 2023 em Farroupilha.
De acordo com um ofício encaminhado pela prefeitura, em 2021 foram aplicadas 824 multas entre janeiro e abril pela Guarda Municipal. Houve uma queda drástica neste mesmo período em 2023, quando apenas três multas foram aplicadas, conforme o Departamento de Trânsito. Em comparação com Caxias do Sul, os números são ainda menores. Entre janeiro e abril de 2021, na maior cidade da Serra foram aplicadas 8.105 multas, tendo como principal irregularidade o estacionamento do veículo em desacordo com a norma. Já em 2023, até o mês de abril, 12.882 pessoas já foram autuadas por infrações em Caxias. Também segue o estacionamento sendo a principal infração, seguida de falta de cinto de segurança, dirigir segurando o celular e passar pelo sinal vermelho.
A queda em Farroupilha se deu porque até agosto de 2022 a Guarda Municipal também atuava na fiscalização de trânsito. Entretanto, o poder público definiu que a Guarda deve ter como função exclusiva a segurança patrimonial. De lá para cá, não há outro órgão, além da BM, fazendo o acompanhamento do trânsito.
O assessor executivo do Departamento de Trânsito, Joel Corrêa, explica que as três autuações foram aplicadas de forma extra, porque a população fez denúncias e a Brigada não conseguiu atender. Então, o órgão foi acionado e ajudou na aplicação da lei. Mas, segundo Corrêa, a fiscalização de trânsito é exclusiva da BM.
Em Farroupilha, segundo Corrêa, o departamento de trânsito tem como função regular vans escolares, transporte coletivo, táxis, além de emissão de cartões de idosos, pessoas com deficiências (PCDs) e fiscalização da Zona Azul. Apenas um servidor público tem o cargo de Fiscal de Trânsito. Porém, o trabalho dele é fiscalizar o estacionamento rotativo.
Joel Corrêa ressalta que a população, ao verificar uma incoerência no trânsito, deve ligar ao 190. O departamento também pode ser procurado, mas a demanda será repassada para a BM. Ele avalia que a polícia está fazendo a fiscalização “adequada” no município.
— A fiscalização não é abandonada em Farroupilha, ela é mais efetiva hoje do que antigamente. A Brigada Militar é muito atuante.
Brigada Militar não tem viatura exclusiva para a fiscalização
A Brigada Militar tem um convênio com os municípios atendidos pelo programa RS Seguro para atuar também no trânsito, mas o código de infrações é municipal, não sendo responsabilidade exclusiva da corporação, segundo o comandante da 1ª Cia, capitão Jean Pedro Horszczaruk. Ele destaca também que a Brigada autuou, entre janeiro e abril de 2023, em fiscalizações e blitze, 286 pessoas.
— Infelizmente, não temos como abraçar o mundo. Temos limitação de efetivo e nossa prioridade é a segurança pública. Não existe efetivo exclusivo para o trânsito — comenta ele.
Horszczaruk explica que a polícia autua quando presencia a infração e realiza blitze. Porém, segundo ele, em uma frota de 50 mil veículos, não há como fiscalizar da mesma forma como a Guarda Municipal fazia anteriormente.
— Nós já externamos ao poder municipal a importância da Guarda, bem como a população frequentemente faz esse mesmo apelo — conta o capitão, ressaltando que não há reunião agendada com a prefeitura para avaliar a situação do município.
Especialista de mobilidade urbana acredita que multar não é a solução
A fiscalização de trânsito está atrasada, conforme avalia o professor de Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Adir Ubaldo Rech, ligado ao Direito Urbanístico e Mobilidade Urbana. Segundo ele, o ideal é que os municípios tenham uma fiscalização eletrônica, por meio de câmeras espalhadas pela cidade:
— Não há uma lei que delimite a quantidade de fiscais por habitantes. A evolução é tão rápida que ela seria inócua. Não tem como a gente colocar um fiscal de trânsito em cada esquina das cidades. O ideal é ser tudo feito por câmeras e que estas já apliquem as multas.
Rech foi um dos responsáveis pela construção das perimetrais de Caxias do Sul, na gestão do ex-prefeito Mário Vanin, na década de 1990. Portanto, com esta experiência, para solucionar os problemas no trânsito de Farroupilha ou em qualquer outra cidade do país, o professor sugere quatro passos. O primeiro é que haja investimentos em infraestrutura e planejamento inteligente.
— Em primeiro lugar o município tem que fazer obras de infraestrutura de mobilidade urbana permanentemente. Isso é investimento — acrescenta ele.
Na sequência, segundo o especialista, é necessário pensar nos modais — ônibus, trem e carros. O objetivo é buscar um sistema de transporte inteligente, com normas que se interliguem entre si e com os demais municípios. Na visão do professor, as perimetrais são vias que devem ser utilizadas para escoar o trânsito. Perimetrais são investimentos adequados e que movimentam os modais de um município. O terceiro ponto levantado pelo professor Adir é a necessidade de uma sinalização adequada.
— A sinalização não pode ser um sistema arrecadatório, nem criar empecilhos. Claro que em locais próximos de escolas são necessários redutores de velocidade, mas não pode sair de um trecho com 80km/h e cair para 40 km/h do nada — critica o professor.
Adir Ubaldo Rech salienta que o espaço de trânsito é um local que gera muito estresse ao usuário, diminui a qualidade de vida dos cidadãos e deveria, então, ser mais cuidado pela gestão pública. Ele relembra que há 20 anos, com um Fusca, ele demorava 15 minutos para sair do trabalho e ir para casa. Atualmente, o mesmo trajeto é feito por um veículo que anda a 150km/h, mas que ele demora uma hora para fazer o mesmo trajeto.
— Não adianta ter carro se o trânsito é trancado e ninguém consegue andar. Tem que comprar um cavalo, sai mais barato — sugere ele.
O último passo para um trânsito eficaz, de acordo com Rech, é a fiscalização. Segundo ele, as ações têm que ser mais orientativas do que punitivas e devem ser feitas por câmeras de monitoramento, porque não há condições de se colocar pessoas para abranger a cidade toda. Ele acredita que os municípios devem utilizar a tecnologia a seu favor e fazer investimentos.