Caxias do Sul segue em queda no ranking do saneamento básico, organizado pelo Instituto Trata Brasil. Na lista de 2023, baseada nos dados de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), o município aparece na 67ª posição - cinco posições abaixo do ano anterior, quando tinha aparecido na 62ª, após cair oito lugares no levantamento, que contempla as cem maiores cidades do Brasil. A pesquisa monitora, principalmente, índices relacionados ao abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.
Entre pontos levantados, como o atendimento total de água, Caxias tem 97% da população, de 523 mil habitantes (dados projetados pelo IBGE), contemplada. Na área urbana, o índice é de 100%. O atendimento de coleta de esgoto também tem taxa elevada, de 89%. O indicador que não consegue acompanhar os outros é o de tratamento de esgoto, que é de 39% no município, conforme os dados de 2021.
O diretor-presidente do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), Gilberto Meletti, afirma que, assim que forem divulgados os dados de 2022 e 2023, Caxias estará com melhores índices. Meletti defende ainda que a principal observação do ranking é o comparativo da cidade com ela mesma - neste caso, o município teve uma leve variação nos indicadores (confira a seguir, lembrando que os dados abaixo divulgados em 2023 são referentes a 2021).
— Temos que analisar que a referência é 2021. A nossa avaliação é que existem vários componentes que temos que levar em consideração. Por exemplo, um município que tem área menor atinge um percentual de tratamento ou de água mais rapidamente em função de que tem uma área menor, já Caxias é uma área muito extensa e em termos para aumentar o percentual é bastante grande o investimento e o trabalho a ser realizado — declara o diretor do Samae.
De acordo com Meletti, o Samae está investindo e realizando obras para a instalação do sistema de separador absoluto na rede caxiense. Com ele, o esgoto cloacal, aquele que vem de banheiros, pias e áreas de serviço, é separado do esgoto pluvial, que é o da água da chuva. Com isso, apenas o esgoto sanitário é direcionado para tratamento em uma estação de tratamento de esgoto (ETE).
— Isso é um saneamento que pretendemos atingir no futuro, separando totalmente o misto do cloacal. Quando você faz no misto, você faz com as águas pluviais juntas, então tem um volume maior. Quando você separa, você elimina as águas. O volume da água pode ser menor, mas a concentração é maior — explica o diretor.
Para cumprir o Marco do Saneamento Básico, que prevê que 90% das casas devem ter água potável e esgoto, Caxias precisa ainda implantar 1,9 mil quilômetros de redes. O prazo é até 2033, mas o Samae espera finalizar as obras antes.
Investimento e obras em andamento
Para 2023, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do município, o Samae tem disponível R$ 60 milhões para investimentos. Atualmente, são quatro obras em andamento realizadas pela autarquia, como a instalação de 19 quilômetros de rede de esgoto no bairro São Pelegrino.
Além do planejamento de instalação do sistema separador, o Samae planeja ainda a construção de mais seis estações de tratamento de esgoto (são 10 em Caxias) e também reformas na rede de esgoto, com a substituição de adutoras antigas.
Esgoto a céu aberto em comunidades sem estrutura completa
Nem todas comunidades caxienses possuem a estrutura completa de esgoto. Em alguns casos, esta falta de sistema gera esgotos a céu aberto. Isso ocorre com pelo menos quatro comunidades ouvidas pela reportagem. No Monte Carmelo, o presidente da Associação de Moradores de Bairro (Amob), Adroaldo Silva, relata que apenas 40% da comunidade, de cerca de 3,6 mil moradores, tem ligação com algum tipo de rede de esgoto.
— Tem um 'valão' a céu aberto, que passa no meio do bairro, que é onde a maioria do pessoal encanou para descer o esgoto — descreve Silva, que afirmou ter procurado a autarquia, mas não recebeu uma previsão de quando a rede pode ser concluída.
A situação é a mesma nos Loteamentos Villa Lobos e Vergueiros, com cerca de 4,5 mil habitantes. A presidente da Amob na comunidade, Tânia Menezes, diz que também procurou o Samae e que a empresa começaria um projeto para atender as necessidades da comunidade
— Nossa situação é muito ruim. Aqui nós só temos sumidouro. Em algumas ruas, temos esgoto pluvial e em outras, esgoto a céu aberto. Tem mau cheiro, fica aquele chorume nas ruas, aquele lodo — relata Tânia.
As três comunidades estão em processo de regularização fundiária em Caxias, o que explica por parte do Samae um impedimento de intervenção neste momento. Mesmo assim, ainda de acordo com a comunicação da autarquia, projetos estão sendo elaborados para ampliar o tratamento de esgoto nesses locais. Na outra ponta, a regularização é a esperança dos moradores para que uma solução seja tomada. No Loteamento Jardim dos Reis, Ângela Maria de Vasques, que também faz parte da Amob, pede uma solução urgente para a rede de esgoto (veja no vídeo acima). Ela conta que o acúmulo de água nas ruas, somado com buracos, impede até que a van escolar entre em trechos do loteamento para buscar as crianças em dias de chuva:
— Precisamos urgentemente do esgoto e arrumar a rua. A van não consegue vir aqui porque atola.
Obrigatoriedade para conectar-se a rede de esgoto
À medida que o Samae for implantando o sistema de esgoto com separador absoluto, para que a estrutura tenha completo funcionamento, é preciso que os proprietários dos imóveis próximos às novas instalações conectem os canos nesta rede. O diretor-presidente do Samae, Gilberto Meletti, afirma que a campanha segue para relembrar a população sobre a obrigatoriedade:
— Está andando de maneira razoável. Ainda temos que conscientizar, até por isso estamos numa campanha para que as pessoas façam a ligação para que façamos o tratamento de esgoto da forma adequada.
Como é o saneamento básico na líder do ranking
Em primeiro lugar do ranking do Trata Brasil está São José do Rio Preto (SP), que estava em nono em 2022. O município, com cerca de 470 mil habitantes, possui abastecimento total de água, atendimento de esgoto para quase 94% da população e tratamento de esgoto com índice de 91%. O superintendente do Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto de São José do Rio Preto (Semae), Nicanor Batista Jr, relembra que ações ao longo de 20 anos levaram a cidade a ter a cobertura elevada nos serviços essenciais de saneamento básico.
Até o começo dos anos 2000, o município paulista tinha uma estrutura precária, "com água de péssima qualidade e abastecimento irregular", como relembra Batista Jr. A mudança começou com a criação do Semae e, consequentemente, de uma matriz tarifária - instituída para cobrir as despesas, dívidas e gerar o investimento da autarquia. O primeiro plano foi traçado até 2008, com a inauguração de uma estação de tratamento de esgoto.
— Ela (a matriz tarifária) foi ancorada naquilo que precisava ser investido para cumprir a meta do que a gente tinha traçado até o final de 2008, que seria regularidade no abastecimento, qualidade na água servida e tratamento de 100% do esgoto coletado na cidade — relembra Batista Jr.
Um novo ciclo se iniciou no município em 2017, com atualização da matriz tarifária e o plano de ampliação da estação de tratamento de esgoto e tratamento de água. Além disso, três poços profundos, com capacidade de atendimento para 100 mil pessoas, foram abertos no Aquífero Guarani, uma reserva de água doce. Outra ação considerada importante foi a implantação de sistemas para reduzir o nível de perda da água produzida, que era de 35% em 2016, e hoje é de 20%.
Batista Jr. credita o desenvolvimento à gestão realizada em São José do Rio Preto. O superintendente relata que o modelo de administração fez com que o Semae ganhasse credibilidade junto ao governo federal, o que permite investimentos ainda maiores. As últimas obras, por exemplo, tiveram custo de R$ 300 milhões.
— Devido à capacidade de pagamento e gestão, nós temos portas abertas na Caixa e no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), então conseguimos captar bastante recursos — destaca o superintendente.
Para também aumentar recursos, a autarquia apostou em um programa de redução de inadimplentes. Se em 60 dias o usuário não pagar a conta, o serviço é cortado. De acordo com Batista Jr., a inadimplência de três meses foi reduzida de 20% para 7%. Ao mesmo tempo, o município paulista oferece a tarifa social para as famílias em vulnerabilidade. Neste caso, o consumo de até 15 metros cúbicos é de R$ 21, enquanto a tarifa residencial mínima é de R$ 41,20 (para consumo de até 10 mil litros) - já com tarifa de esgoto incluída. Em Caxias do Sul, a tarifa residencial mínima é de R$ 33,50.
— Se eu puder dar um conselho, eu diria que reduza a ingerência política e trate água e esgoto como uma coisa muito séria e importante para a população. A população entende e paga a tarifa quando o serviço é bem prestado — conclui Batista Jr, que destaca que em 2022, a autarquia teve superávit de mais de R$ 100 milhões.