Os moradores do bairro Reolon, em Caxias do Sul, estão apreensivos depois de receber autuações que geram multas se não forem pagas devido a adequações necessárias para o saneamento básico. A situação se repete em outros bairros da cidade, como o Santa Corona, por exemplo. Para se adequar ao sistema de separador absoluto, a solução é a colocação de fossas e filtros em casas onde o descarte é na rua, a céu aberto. Ou, em casos em que as moradias são abaixo do nível da rua, é preciso a instalação de bombas individuais para conectar as fossas na rede geral.
O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) afirma que responsabilidade de ligar a rede coletora das casas à nova tubulação é dos proprietários. O principal problema são os valores para realizar essas adequações. De acordo com os moradores, com base em pesquisas de preço, com a contratação de um engenheiro e a compra da bomba, já que a casa é abaixo do nível da rua, a obra custaria entre R$ 5 mil e 10 mil. O Samae e a Secretaria de Habitação estão elaborando um estudo para verificar como será o procedimento adotado em relação às pessoas que não tem condições financeiras de arcar com os custos.
Moradora da Rua Clóvis Gonçalves Maciel, no bairro Reolon, Jenifer Traiber, 36 anos, já recebeu notificação e auto de infração. No pátio dela há uma fossa e o esgoto segue para a rede pública antiga. A moradora já tentou ligar a fossa na rede nova, instalada há cerca de três anos na rua, mas o esgoto voltava e entrava dentro da casa dela. Os técnicos do Samae e os engenheiros foram até lá e indicaram que voltasse a ligar na rede antiga. Desde então ela tem recebido notificações, intimação e, agora, o auto de infração, que determina que ela faça a obra. Em 17 de outubro ela recebeu uma intimação e conseguiu solicitar um recurso e o prazo de um ano para se adequar. No documento, ela pede revogação da multa inicial de R$ 400 que, se não for paga, pode acarretar no desligamento da água. O pedido está em análise.
— Eles querem que eu faça a obra com a equipe de engenharia porque se não a fiscalização não libera depois de pronta. Vou encontrar aonde essa equipe para fazer uma obra de uma planta que eles me mandaram e que um pedreiro não sabe fazer? — questiona ela.
Jenifer, que é mãe de Nicolas, 13, e Ingrid, nove, sustenta a casa sozinha. Ela se assustou ainda mais ao pesquisar os valores para realizar a obra, que pode chegar a R$ 10 mil, conforme o equipamento. A bomba é necessária para puxar os resíduos e, segundo o levantamento feito por ela, precisa de manutenção a cada ano. Além disso, ainda tem a parte elétrica e o impacto que vai gerar na conta de luz. Ela ressalta que vive em um loteamento popular, tem baixa renda e não tem condições de pagar pela obra e ainda realizar a manutenção:
— Eu nem tenho limite em cartão para comprar uma bomba que nem tem para vender em Caxias. Só tem pela internet. Eu pesquisei os valores e é um absurdo de caro. Eu sou baixa renda e tenho tarifa social na água. E esse prazo aqui de um ano que eles me deram, eles acham que eu vou mudar de vida e conseguir fazer essa obra e depois manter? Como eu vou pagar por essa obra?
Ela ressalta ainda que o Samae chegou a mencionar que ela pode ser despejada da moradia caso não pague as multas. Contudo, a autarquia garante que não tem autonomia para despejar moradores e que não se fala nessa possibilidade, mas, sim, na necessidade de adequações para o esgotamento sanitário.
Soldadora também reclama da situação
Outra moradora, que prefere não se identificar, mora no bairro Reolon há mais de 20 anos. A soldadora de 51 anos conta que ela e os vizinhos, assim como Jenifer, têm casas abaixo do nível da rua.
— É um verdadeiro abuso o que o Samae está fazendo conosco. Além de não ter esse valor, não consigo informações. Recebo cobranças das multas e já mandaram o link da empresa que vende essas bombas. Como vamos pagar esse equipamento? Não tenho como fazer esse projeto — queixa-se ela.
No Santa Corona, a RBS TV apurou a mesma situação relatada pelo Pioneiro. A rede de esgoto passa pela Rua Cassiano Passuch, mas as casas estão em um nível mais baixo, o que não permite uma ligação convencional. Hoje, o esgoto dos moradores corre por um valo a céu aberto. Eles foram notificados e a opção é a instalação das bombas para a ligação de esgoto. Os moradores relatam que também não têm condições de pagar pela obra.
Samae realiza levantamento referente às familias em vulnerabilidade
O município está implantando o sistema tipo separador absoluto, que é a retirada do esgoto cloacal da rede mista. Hoje, há alguns locais em que os dois estão juntos. A separação é necessária para não ocorrer mistura com o pluvial. O esgoto clocal são os resíduos de banheiros e pias de cozinha e o pluvial é referente à água da chuva. Toda a água chega no arroio e, onde há esgoto misto, é levada para a estação de tratamento.
— Quando se implanta o sistema absoluto, os proprietários tem que fazer a ligação do esgoto cloacal na devida tubulação, que a gente chama de separador absoluto para o esgotamento sanitário. O município tem o dever, inclusive, pelo marco de saneamento federal, que 90% do esgoto tem que ser tratado. Por isso estamos implantando esse sistema de separador aonde não tem — explica o diretor presidente do Samae, Gilberto Meletti.
Uma opção que o usuário tem é a implantação de fossa e filtro, equipamento colocado dentro do terreno. Essa fossa, com o tempo, vai enchendo e necessita uma limpeza a cada ano, o que também é uma responsabilidade do usuário, segundo Meletti. No Reolon e no Santa Corona, em alguns trechos, é necessário o bombeamento para transportar o resíduo para o sistema porque as casas estão abaixo do nível da rua.
— A gente faz a tubulação e deixa a espera na calçada. Notificamos o usuário que a rede está pronta e ele tem 30 dias para efetuar a ligação da casa dele para a rua. Logicamente que o usuário não pode jogar no meio ambiente, tem que ter a fossa e o filtro ou fazer essa ligação. No momento que ele jogar para o meio ambiente, já sai do escopo do Samae e é responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente porque não pode jogar o esgoto a céu aberto.
Meletti explica que o Samae busca uma alternativa, em conjunto com a Secretaria de Habitação, para resolver o assunto.
— As pessoas podem se dirigir ao Samae e estamos dando prazo a mais para quem não tem condições de fazer de forma imediata. Ainda não temos uma solução definitiva para as famílias de baixa renda, mas estamos trabalhando para encontrar uma alternativa — destaca ele.
Habitação acompanha situação
O secretário da Habitação, Carlos Giovani Fontana, ressalta que a secretaria tem sido procurada nos últimos meses, especialmente, pelos moradores do Fundo da Casa Popular (Funcap). A direção do Funcap conversou com o Samae e foram iniciadas as tratativas para um convênio.
— A gente entende que, em defesa do interesse dos moradores de baixa renda, quando foram feitas as construções elas cumpriam os requisitos. Então, acho que não é justo imputar a eles este custo. Por isso conversamos com o Samae, para encontrar uma alternativa coletiva.
Ele ressalta que há questões técnicas, como as moradias que precisam de instalação de bombas, que é o caso do Reolon, e até mesmo os sobrados do Funcap, onde seria necessário mexer no piso. Por isso, o convênio ainda precisa de ajustes antes de ser finalizado. Fontana acredita que no começo de 2023 o documento esteja pronto. Até lá, os moradores têm prorrogação dos prazos, para não serem penalizados.
— A ideia que estamos construindo, que o Samae propôs, é que eles arquem com os custos dos materiais necessários para a adequação. Eles fariam a doação para as famílias e nós, por meio do Funcap, arcaríamos com o custo de mão de obra — destaca o secretário.
Em um primeiro momento, os encontros foram para promover essas adequações das ligações dos sistemas de esgoto. No entanto, a Habitação também propôs a implantação de medidas semelhantes às que existem na tarifa social de água para instalação de hidrômetros.
— O equipamento hoje deve custar na ordem de R$ 450, que para as famílias de baixa renda é bastante pesado. Também surgiu a ideia de pedir um desconto para o Samae nos procedimentos de limpeza dos sistemas antigos de fossa para as famílias do Funcap, que muitas vezes não têm como arcar com esses custos — aponta Fontana.