De Nova Roma do Sul até Moçambique. O filho de agricultores que virou padre e dedicou 37 anos a ações pelo mundo retornará para Caxias do Sul com muitas histórias na bagagem. Padre Camilo Pauletti, 63 anos, esteve pela segunda vez no continente africano. Foram 14 meses de ações comunitárias com o povo de uma das regiões mais pobres do mundo.
Antes de chegar tão longe, o menino, oriundo de uma família simples cresceu e começou a alçar voo dentro do país. Natural de Nova Roma do Sul, Camilo era o quarto de uma família de onze irmãos, sendo sete homens e quatro mulheres. Todos valorizavam muito a comunidade cristã.
— Tenho tios e primos que seguiram a vida religiosa e isso me influenciou também. Meu irmão, Moacir, 62, também é padre. Viver no interior de Nova Roma do Sul não era fácil. A base familiar é muito importante para alguém seguir esse ministério sacerdotal — admite o padre.
Aos 13 anos quando ingressava na, à época chamada de 6ª série, Camilo entrou para o Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, onde ficou por seis anos. Formou-se em Filosofia, em Viamão, e também fez Psicologia e História, em Porto Alegre, antes de completar a Teologia.
Sua primeira missão foi na Ilha do Marajó, em Muaná, no Pará, entre 1991 e 1994.
— Não tinha estradas, tudo era simples. Tratava-se de um povo nativo e descendentes de indígenas. Tive que aprender a andar de barco.Visitei 40 comunidades ribeirinhas por três anos. Foi uma experiência linda, sinto saudades desse povo — revela.
Em 1999, padre Camilo teve sua primeira missão internacional, em Moçambique, na África:
— Quando cheguei, vi que a realidade era diferente do que esperava. Moçambique era o penúltimo país mais pobre do mundo, com média de vida de 38 a 40 anos, hoje passa dos 50. Mas quando temos vontade de conviver com o povo isso ajuda muito. Vim desarmado. Quando se chega a uma terra como esta, nós somos hóspedes, não somos donos. Precisamos andar e aprender com o povo para colher frutos. O povo africano me conquistou, fui conquistado por eles.
A missão que deveria durar quatro anos se estendeu até 2004. De volta à África, em setembro do ano passado, Camilo encontrou algumas diferenças na região.
— Muitas coisas mudaram, não havia energia ou telefone, hoje temos sinal e é possível nos comunicar. Em alguns povoados, hoje tem energia. Algumas casas e construções melhoraram, antes eram feitas de barro e hoje já há blocos cobertos de zinco — aponta.
No entanto, a qualidade de vida do povo não melhorou. A maioria vive em situação de pobreza. Na saúde, apenas três médicos atendem a região onde vivem 300 mil habitantes e nem sempre eles estão à disposição. Segundo o padre, cerca de mil catequistas brasileiras colaboram no atendimento nas mais de 160 comunidades de Moçambique. Além de Camilo, a equipe do Rio Grande do Sul enviada à África conta também com o padre Luiz Weber, de Santo Ângelo, e mais duas leigas, Maria Bernardete Acadroli, de Garibaldi, e Juliana Azevedo, de Porto Alegre.
— O projeto missionário do Estado com Moçambique é um trabalho com as comunidades e lideranças. É uma igreja muito ministerial, onde os leigos assumem. O padre visita uma vez por ano e, aos finais de semana, são dadas aulas de catequese, celebrações e cânticos. Eles adoram cantar. Nosso trabalho ajuda a promover as mulheres e as crianças. Temos uma escolinha comunitária na sede e uma biblioteca. São projetos sociais que ajudam a vida desse povo. Acompanhamos, orientamos, vivemos juntos, aprendemos. É um trabalho muito intenso para nós.
Além de duas visitas à África e uma no Pará, o padre Camilo ainda realizou missões em Rondônia, de 2009 a 2010, e por mais cinco anos esteve em Brasília. A frase "o futuro a Deus pertence" nunca foi tão apropriada para definir os rumos do padre Camilo, segundo ele mesmo.
— Deus vai iluminando meu caminho, mas sou uma pessoa muito aberta. Viemos a este mundo e cada um vai ter um caminho, mas Deus também tem uma missão para nós. Nós somos instrumentos de Deus. Onde ele me abre espaço e onde for mais necessário, onde outros talvez não queiram ir, onde for mais exigente, é ali que eu devo colaborar.
O padre volta a Caxias do Sul na semana que vem. E com a experiência de quem dedicou 37 anos da sua vida para cuidar de pessoas tão distantes da realidade que conhecemos, Camilo deixa um recado de fé a todos:
— A vida se ganha quando ela é doada em favor de quem mais precisa. E a vida se perde quando nós a seguramos só para nós mesmos. Seguramos para nos fecharmos para o mundo e para os outros, para os pobres. Jesus também morreu por isso. A vida vale a pena quando é vivida na doação.
Missionários pelo mundo
De acordo com o padre Camilo, mais de 200 missionários brasileiros estão espalhados pelo mundo realizando ações comunitárias na África e nas Filipinas, na Ásia. Este número já foi maior, uma vez que as vocações diminuíram.
Segundo a Diocese de Caxias do Sul, além de Camilo, estão em missão mais dois padres. Em Porto Velho, Rondônia, pela Paróquia São José, estão o padre Adilson Zílio, desde 2017, e o padre Sérgio Tonet, desde 2019. Não há registros de quantas irmãs estão em missão pois a Diocese afirma que são muitas congregações e não há como ter um número preciso.