O Ministério da Saúde editou, em dezembro de 2021, uma portaria e cortou verbas orçamentárias, em até 50%, para materiais e próteses utilizados em procedimentos cardíacos. A redução atingiu em cheio pessoas que usam marca-passo ou precisam colocá-lo pela primeira vez. Em 18 hospitais gaúchos que fazem esses procedimentos já são registradas filas de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), sem respostas. As famílias angustiadas buscam, então, a Justiça para viabilizar as cirurgias.
O marca-passo tem o intuito de aumentar a frequência cardíaca. Por exemplo, para um paciente que tem frequência média de 30 batimentos por minuto, o aparelho auxilia no aumento para 70 batimentos. O número de batimentos por minuto ideal depende da idade e se o paciente faz atividades ou é sedentário. Há cada 10 anos, quem usa o marca-passo precisa fazer a troca da bateria do aparelho. Entretanto, seis meses antes do vencimento já é recomendada a troca.
Um dos que aguarda na fila para troca de bateria é o morador de Veranópolis, Vinicius de Souza Siqueira, 23 anos. Ele usa o aparelho desde os 13 anos, devido a uma cardiopatia, doença que compromete a função regular do coração. A mãe, Virgínia Beatriz Ribeiro de Souza, comenta que o filho está há um mês internado no Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre.
— Ele não pode sair do hospital porque pode acontecer alguma coisa pior. Só que o hospital nos passa que eles não têm resposta do SUS de datas definidas. Há pessoas lá (no Instituto) que estão há mais de dois meses esperando pelo mesmo processo.
A falta de respostas, segundo Virgínia, gera aflição tanto pela situação do filho, quanto a outras famílias que passam pela mesma situação. Ela se desloca de Veranópolis até a Capital, pelo menos quatro vezes na semana, além de manter o trabalho ativo na cidade de origem.
— É justo que a gente tenha essa resposta porque estamos falando de vidas, não de coisas supérfluas. Todos os dias é uma angustia diferente, nunca se sabe o que pode acontecer.
No Instituto onde Vinícius está internado, na mesma situação se encontra a mãe de Celso dos Santos Azevedo. Ela é idosa, com 91 anos, e está internada há 30 dias na espera pela troca de bateria do marca-passo. A informação do hospital dada para estas famílias é de que não existe previsão de quando a troca vai chegar. Na unidade hospitalar, são 26 pessoas na fila.
Além dos dois casos de manutenção do aparelho, há a situação do marido de Carla Fagundes, que precisa colocar um marca-passo. Aos 37 anos, ele sofreu um infarto e precisa do equipamento. Desde o início de janeiro ele está hospitalizado aguardando o implante.
— O médico diz que ele precisa do aparelho e só sairá dali com o aparelho. Então, quer dizer que se o aparelho não vir, ele vai ficar mais uns meses ali? — questiona a esposa.
Equipamento é vendido por cerca de R$ 5 mil
Após a edição da portaria, reduzindo os valores, parte dos custos é pago pelo SUS e o restante dos custos fica com os hospitais. Contudo, as instituições alegam não ter recursos suficientes. Um exemplo é o Cardioversor, equipamento usado por pacientes com arritmia cardíaca severa. Ele tem um custo de R$ 50 mil, sendo que o SUS repassa apenas R$ 18 mil. O médico cardiologista Fernando Lucchese explica as consequências dessa redução drástica.
— Esse aparelho é um desfibrilador, ele dá um choque no coração e ressincroniza o órgão. Com essa diferença, ninguém mais implantou o equipamento. Aí os pacientes pioram de situação e estão entrando na fila de transplante — destaca.
Um marca-passo é vendido na faixa de R$ 5 mil, sendo que o SUS está repassando R$ 2.850 pelo equipamento. Lucchese atende na Santa Casa, em Porto Alegre, onde acredita que há uma fila de 50 pacientes aguardando para colocar ou fazer a manutenção do equipamento. Em alguns casos, os familiares acabaram entrando na Justiça.
— Toda a semana temos seis ou sete pacientes que a gente coloca em judicialização. Outros estão em situação tão crítica que colocamos na UTI, deixamos com marca-passo externo funcionando até que o problema se resolva.
O Instituto de Cardiologia informou ao Jornal do Almoço, da RBS TV, que o problema foi relatado ao Ministério Público do RS. O governo do Estado diz que não tem previsão orçamentária para esses equipamentos e que solicitou ao Ministério da Saúde a revisão dos valores. Procurado pela reportagem, o governo federal diz que os valores da tabela são parâmetros mínimos e que devem ser complementados por Estados e municípios. No entanto, não informou se vai rever a tabela. O Jornal Pioneiro procurou o Ministério de Saúde, através da assessoria de imprensa. Porém, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.
Em Caxias do Sul, os hospitais Geral e Pompéia estão aptos para a realização da cirurgia cardíaca de colocação do marca-passo. A assessoria da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Caxias do Sul se pronunciou por meio de nota:
"Os valores previstos pelo Ministério da Saúde para a colocação de marca-passo são definidos em Portaria Federal. Em Caxias do Sul, no momento, há quatro pacientes aguardando revisão de marca-passo, com previsão de atendimento para os próximos 30 dias."
* Colaborou Paula Brunetto