A Região das Hortênsias foi colonizada predominantemente por imigrantes alemães, portugueses e italianos, segundo dados divulgados pelo município de Gramado. Mas, muitas mãos construíram as cidades ali localizadas. Para valorizar todas essas raças, a Defensoria Pública do Estado e o município de Gramado estão produzindo um termo de cooperação. O acordo amigável, sem a necessidade de ação judicial, é inédito no Rio Grande do Sul.
De acordo com um estudo protagonizado pelo defensor público, Igor Menini da Silva, a comunidade afrodescendente se sente pouco representada em atividades gramadenses. Por isso, desde o início da atual gestão pública, em janeiro de 2021, reuniões vêm sendo realizadas com a administração para formalizar ações de políticas públicas que englobem todos.
O que diz o termo acordado pela Defensoria e prefeitura
O documento contabiliza oito parágrafos com considerações. Além de sete cláusulas com compromissos do poder público. No termo de cooperação, dentre as cláusulas estão,sobre o entendimento pelo município da necessidade de valorizar a herança cultural e a participação da população negra na região. Também que há interesse da administração em promover a cultura de paz e tolerância entre todas as pessoas. Criação de uma comissão para coletar dados de servidores e elaborar programas educacionais antirracistas.
Ainda haverá representação minima de pessoas negras nas peças de publicidade e eventos culturais de Gramado. Capacitação dos servidores a pautas antirracistas, revisão nos sites e redes sociais trazendo o negro como participante ativamente nas políticas públicas. Garantir que a história do negro seja contada em espaços museológicos públicos da cidade. Além de, campanhas de alerta da importância da diversidade, se houver situações racistas, haverá um fluxo de atendimento extra judicial de forma rápida, entre defensoria pública e município.
"Considerando a necessidade de valorização da herança cultural e a participação da população negra na história da região, objetivando a eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; " — resume o documento.
Necessidade de um acordo entre as partes surgiu após visita de um casal de historiadores
Um casal de historiadores da Bahia veio conhecer um dos principais pontos turísticos da Serra gaúcha. A cidade é conhecida por acolher a todos. Porém, o casal, por conhecer sobre o passado do município de Gramado, sentiu-se triste. Igor Menin conta que, ao olhar os pontos turísticos da cidade, fazer atividades e pesquisar no site da prefeitura, percebeu que a história da população negra que ajudou a alavancar o município não estava sendo contada.
Segundo eles, a cidade não representava a população negra, nem na parte turística, cultura ou com políticas públicas. Eles então buscaram a Defensoria Pública do município, por acreditar que a instituição poderia tomar medidas a respeito. Ao fazer uma ampla pesquisa nos espaços históricos e no ambiente virtual da prefeitura, percebeu-se que não havia a história da população afro.
— Os negros habitaram a região na época dos quilombolas, na relação entre escravos e senhores. Os negros auxiliaram na construção ferrovia que liga Taquara a Canela. Houve uma vila africana em Gramado, onde hoje é a Secretaria Municipal da Cultura, além da relação com os tropeiros e tudo isso foi negligenciado pelo município na sua história. — destaca Menin.
O defensor público explica que o termo de cooperação é uma forma de ser cumprida a lei 10.639, 9 de janeiro de 2003, onde o artigo 26 estabelece: "Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira".
Acordo é inédito no Estado
Igor Menin explica que o termo é inédito, porque é a primeira vez que Defensoria Pública e prefeitura, sem a necessidade de intermediação da Justiça, estabelecem políticas públicas voltadas à igualdade étnico-racial.
— É inédito por não precisar de ação judicial, porque foi através de uma pesquisa, reconhecida voluntariamente pela prefeitura que então se age buscando essa identificação, correção e avanço em busca de uma cidade mais igualitária. — conta Menin.
O procurador do Estado e ativista pela igualdade étnico-racial Jorge Terra reforça que o projeto é um modelo para que municípios possam cumprir as leis.
— Desconheço outro trabalho semelhante a esse da Defensoria Pública gaúcha. O termo é esforço de implantar em um município piloto a ideia de que ações concretas e coordenadas podem gerar mudança — comenta Terra.
Na visão dele, a base da discriminação e da desigualdade está na desvalorização de determinados grupos. Portanto, ele acredita que a valorização é o caminho para a solidificação de valores humanitários para a elevação da autoestima e para o desenvolvimento da sociedade.
O procurador salienta que luta pela igualdade racial há 25 anos, e, desde então, houve evolução. Mas ele explica que, em decorrência da falta de planejamento e de estrutura, bem como da influência dos fenômenos raciais e da falta de representação de determinados grupos nos espaços de poder, a evolução, na visão dele, está em nível extremamente insuficiente.
Prefeitura já amplia ações sobre o tema, antes mesmo de assinar o acordo
A procuradora geral do município, Mariana Melara Reis, salienta que, mesmo antes do documento ser produzido, com apoio do defensor público, ações já vêm sendo ampliadas em Gramado. Por exemplo, a Secretaria Municipal da Cultura debateu o tema étnico racial durante o Festival Internacional Literário de Gramado – FiliGram. No museu resgatado do Major Nicholetti há uma sala específica contando sobre a chegada de imigrantes afros na região.
— O termo serve para que seja garantido que essas pessoas sejam tratadas de forma igualitária e, quando não forem, a gente pode tomar medidas. — explica a procuradora.
O termo passa neste mês de fevereiro pelo defensor público geral de Gramado, para analisar as cláusulas. O documento será assinado no dia 21 de março, na prefeitura de Gramado, às 12h.
— 21 de março tem uma simbologia, recentemente o governo federal instituiu o dia 21 como Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas. — relembra Mariana Reis.
Além de representantes da Defensoria Pública do Estado e da administração municipal, foram convidadas algumas pessoas relacionadas ao tema para avalizar o tema. Dentre elas ativistas por igualdade étnico-racial do movimento "Sol Nascente" sediadas na fronteira do Estado.