Problema recorrente na Serra gaúcha, a falta de leitos hospitalares voltou ao centro das discussões nas últimas semanas em Caxias do Sul. São pessoas que dependem de atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS) e que precisam enfrentar lista de espera para acessar uma vaga em hospital. Enquanto aguardam pelo leito, geralmente, os pacientes são mantidos em unidades de pronto-atendimento (UPAs), inflando ainda mais a demanda neste tipo de serviço. Uma espera descrita como, no mínimo, angustiante pelos envolvidos. No início da tarde desta segunda-feira (13), são 44 pacientes aguardando por leitos de enfermaria, sendo 31 deles de Caxias e 13 de outros municípios — no dia 27 de janeiro, a lista chegou a 55 pessoas.
Um levantamento da reportagem junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde mostra que há, no total, 3.146 leitos nos 49 municípios de abrangência do Pioneiro. Destes, 1.754 são destinados ao SUS. Além disso, na mesma região, há 318 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), públicos e privados. Das 49 cidades avaliadas, 26 não possuem hospitais. É importante ressaltar que os dados contabilizados são gerais, contemplando leitos cirúrgicos, clínicos, pediátricos, obstétricos, psiquiátricos, entre outros fornecidos pela página online do Ministério da Saúde.
Caxias do Sul, o maior município da Serra, é referência para todas as 49 cidades de abrangência da 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (5ª CRS), em termos de alta complexidade. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), são 50 leitos de UTI adulto para usuários do SUS, nove pediátricos e 461 leitos clínicos e cirúrgicos também para o sistema público.
A secretária da Saúde de Caxias, Daniele Meneguzzi, aponta que a criação de leitos hospitalares não acompanhou o crescimento populacional da região nos últimos. Ela lembra ainda que a pandemia fez com que pacientes de planos de saúde migrassem para o sistema público — uma estimativa da SMS aponta que, em média, 1 mil Cartões SUS são emitidos mensalmente no município. Estes dois fatores, somados a outros, ajudam a explicar o déficit por vagas em instituições de saúde.
— Também temos uma migração expressiva de pessoas que vêm morar em Caxias do Sul. Além disso, a gente percebe uma redução no número de leitos em cidades de menor porte da região — acrescenta a secretária.
Daniele afirma que os casos de pacientes que chegam à mídia e à Câmara de Vereadores são "extremos" e que a média de espera, com base no relatório de janeiro, é de 24 horas. Outro ponto que precisa de atenção da população, segundo ela, é que a regulação de leitos é feita de forma técnica, por médicos reguladores, com base em um sistema alimentado por profissionais das UPAs ou de outras cidades, além de ligações telefônicas constantes para atualização do quadro.
Não é uma lista por ordem de chegada como muitas pessoas imaginam. É uma análise técnica, de acordo com a gravidade e a disponibilidade de leito
DANIELE MENEGUZZI
Secretária da Saúde de Caxias
— Não é uma lista por ordem de chegada como muitas pessoas imaginam. É uma análise técnica, de acordo com a gravidade e a disponibilidade de leito. Alguns casos extremos, pontuais, acabam esperando mais dias justamente por necessitarem de serviços específicos em hospitais de maior complexidade, onde precisamos adequar a lista de espera à gravidade do paciente e, não, ao tempo que ele aguarda — justifica a titular da pasta.
Uma obra bastante aguardada e que pode amenizar a fila de espera dos pacientes da Serra ocorre no Hospital Geral (HG) de Caxias do Sul. A ampliação possibilitará um aumento do número de leitos de 237 para 355, o que representa um acréscimo de 60% na capacidade assistencial. A reportagem tentou atualizar o andamento da obra, mas não conseguiu espaço na agenda do diretor-geral do hospital, Sandro Junqueira, nos últimos dias.
"Não podemos mais trabalhar com a fala de que 'isso sempre foi assim'"
O presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Alexandre Silva, entende que é preciso buscar soluções a curto, médio e a longo prazo. Ele aponta que uma das alternativas prioritárias seria o poder público adquirir mais consultas e exames para que os pacientes que aguardam por leito pudessem ter um diagnóstico mais rápido. Isto também, na opinião dele, evitaria o agravamento do quadro e apontaria a necessidade ou não de internação em hospitais.
A curto prazo precisamos comprar, gastar com exames e consultas
ALEXANDRE SILVA
Presidente do CMS
— Não podemos mais trabalhar com a fala de que "isso sempre foi assim", porque não posso ter um idoso esperando por um auxílio na UPA há dias e dizer "olha, o senhor espera porque sempre foi assim, é histórico". A curto prazo precisamos comprar, gastar com exames e consultas — defende.
Silva ainda relata que os pedidos de ajuda que chegam ao Conselho de Saúde são diários e que poderiam ser ainda maiores caso a população tivesse mais conhecimento sobre o trabalho do órgão.
— Hoje (quinta-feira, 14h30min), para ter ideia, já recebemos reclamações de quatro pacientes. Quanto mais as pessoas conhecem o trabalho do conselho, mais demandas nós temos — avalia Silva.
Como solução a longo prazo, o presidente do CMS volta a mencionar a construção de um Complexo Hospitalar, com Centro Clínico de Imagem e Diagnóstico, a exemplo do projeto em andamento em Bento Gonçalves. Ele entende, contudo, que esta alternativa exige mais tempo e investimento.
Especialista opina que é preciso investir em Atenção Primária e rever Regiões de Saúde
Para o professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alcides Miranda, uma melhora no cenário de leitos na Serra passa pela redefinição das Regiões de Saúde — no Estado, são 30 divisões deste tipo:
— Essa definição, que requer toda uma política e estratégia, já perdura há mais de 30 anos. Faltou iniciativa política e investimentos, ao longo de décadas, para se configurar esses arranjos regionais. Essas regiões não funcionam como tal. Os municípios pequenos reclamam porque fazem os encaminhamentos e não têm atendimento, enfrentam fila. Os municípios grandes, como Caxias, reclamam porque têm uma sobrecarga de encaminhamentos, os recursos de manutenção são insuficientes e acabam ficando no prejuízo. Aí é um jogo de empurra (...) Acho que precisaria haver uma redefinição das Regiões, de modo a contemplar o perfil de necessidade dos municípios — avalia o docente.
Uma opinião em contexto similar é compartilhada pela secretária da Saúde de Caxias do Sul, Daniele Meneguzzi. Ela opina que Caxias não suporta mais ser referência para tantos municípios.
—Precisamos articular com o governo do Estado e buscar nas prefeituras da região para que outros hospitais também possam assumir as referências que hoje são só de Caxias. É certo que a capacidade é finita e não temos projeção, além do Hospital Geral, de ampliação de outros hospitais para aumentar o número de leitos — aponta.
Os investimentos têm que ser vinculados às necessidades da população e menos às emendas parlamentares
ALCIDES MIRANDA
Professor da UFRGS
Outra avaliação de Miranda se refere à Atenção Primária na região de Caxias. Ele observa, a partir de seus estudos e análises, baixa cobertura de agentes comunitários de saúde e de equipes de Estratégia Saúde da Família na Serra, o que pode impactar na necessidade de leitos em hospitais, a partir do agravamento de saúde de determinados grupos de pessoas.
— Geralmente, quando há este tipo de investimento (em Atenção Primária) diminuem as demandas por internação, principalmente de pacientes crônicos, e desafoga a rede hospitalar — diz o professor da UFRGS.
Além disso, segundo ele, é preciso refletir sobre os investimentos em saúde pública para além das emendas parlamentares.
— Os investimentos têm que ser vinculados às necessidades da população e menos às emendas parlamentares. O vereador, o deputado, o senador vão alocar os recursos nas suas bases eleitorais e não realmente para remodelar, reconfigurar o sistema regional de saúde — finaliza.
Leitos criados na pandemia seguem ativos
Caxias do Sul conseguiu manter 16 leitos de UTI criados na pandemia. Destes, 10 estão no Hospital Geral (HG) e seis no Virvi Ramos. Além disso, foram preservados 18 leitos clínico/cirúrgicos no Virvi Ramos, os quais são custeados com recursos municipais; os de UTI têm recurso federal e complemento pago pelo município.
Segundo a prefeitura, desde 2015 Caxias não tinha vagas de UTI incorporadas à rede SUS. Em relação aos de internação, os últimos antes da pandemia haviam sido criados em 2019.
Na região, o Hospital São Carlos, de Farroupilha, mantém 10 leitos de UTI que foram abertos, inicialmente, para uso exclusivo de pacientes com covid-19. Em Garibaldi, no Hospital Beneficente São Pedro, dos 18 leitos criados na pandemia, nove permanecem agora como UTI geral — antes da crise sanitária mundial, a instituição não contava com espaço para cuidados intensivos.
O que diz o governo estadual
A reportagem contatou a Secretaria Estadual da Saúde que mencionou investimentos em hospitais da região. Confira a nota enviada pela assessoria de imprensa:
Todos os hospitais são contratados pelos municípios de gestão plena. O Estado tem garantido investimentos por meio do Assistir, que já destinou R$ 54,7 milhões, contemplando 26 hospitais. Além disso, por meio do Avançar, já foram aplicados R$ 23,3 milhões em obras e outros R$ 7 milhões em equipamentos, atendendo a oito hospitais. São 102 leitos de UTI em sete hospitais incentivados pelo Estado e 10 hospitais com maternidade, que também têm incentivos do governo estadual.
RAIO-X LEITOS NA SERRA*
TOTAL: 3.146
SUS: 1.754
UTI e UCI: 318 leitos (neonatal, pediátrica, adulto...)
Cidades sem leito: 26
UTI SUS em Caxias: 50 leitos adultos; 28 neonatal e nove pediátricos
Clínicos e cirúrgicos SUS em Caxias: 461
Fonte*: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, com dados dos 49 municípios de abrangência do Pioneiro, e prefeitura de Caxias do Sul.