Vem do interior de Farroupilha nossa primeira história sobre quem faz a Vindima na Serra. Na capela de Caravaggeto, em um vale vizinho a Nova Milano e a BR-116, uma família se recupera da perda do pai enquanto acompanha as uvas ficarem prontas para serem colhidas. O trabalho de um ano inteiro, de podas e tratamentos, é feito agora pela esposa e filhos sempre acompanhados da fé, que protege os parreirais das intempéries da natureza, e da confiança nos ciclos demonstrados por ela.
Jucélia Amélia Pola Maggioni, 46, nasceu há três quilômetros dali, em uma comunidade vizinha. Lembra das colheitas puxadas por carros de boi na adolescência, do namoro que virou casamento e que motivou a mudança definitiva para o local onde construiu sua própria família. Ela e a irmã, Jucemara, 48, junto dos maridos, são protagonistas daquelas histórias de irmãs que casaram com irmãos.
Do quarteto, saíram cinco netos da nonna Maria Anna, 85, responsável pelos almoços compartilhados até hoje no casarão de pedra centenário que rodeia as três casas da família.
— De noite, cada um se vira, mas os almoços são sempre aqui, todos na mesa — contou a matriarca.
Há pouco mais de um ano, a família se inspira na natureza que os rodeia para encarar o dia a dia de trabalho sem uma de suas bases. Aos 52 anos, Moacir Maggioni faleceu vítima de um câncer na medula, em setembro de 2021. Foram quase cinco anos de batalha, encarada, segundo a esposa, com muita paciência e sobriedade.
— Ele aceitou a doença numa boa e dizia sempre querer passar por um dia de cada vez. Era uma pessoa que entendia muito, que lia sobre as técnicas de cultivo e passava isso para os filhos. Mas é como na natureza, que às vezes vem um temporal e ela se recupera, temos que seguir, não há outro jeito — contou.
Esta será a segunda safra sem o marido, mas não sem as memórias que surgem inesperadas durante a colheita. "O pai sempre dizia isso", fala seguidamente a filha Letícia, 21, quando embaixo das parreiras recorda das frases do pai. São como ecos de quem viveu pelas uvas e também por elas deixou agora os filhos responsáveis.
Ao lado do cunhado, da irmã e da sogra que trata como mãe, Jucélia tem a sorte de uma família grande e forte como a natureza, que entende sobre ciclos e que se reconstrói para uma nova safra. A uva sempre foi protagonista na casa dos Maggioni, mas já há alguns anos a produção foi ampliada com pêssegos, bergamotas e laranjas. Na colônia não dá para contar com uma produção apenas, frutas são frágeis e estão sempre à mercê do ambiente, como nós.
— Se perder uma safra, tu fica sem dinheiro e como vai viver o resto do ano? — questiona Jucelei, que explica:
— Diversificar a produção é também uma forma de ter entrada de renda durante seis meses do ano.
Entre o luto e a resiliência de trabalhar com a agricultura, nossa personagem recebe visitantes periódicos que passam a pé pela estrada em frente à sua casa rumo ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio. A propriedade está no roteiro dos Caminhos de Caravaggio, um percurso nos moldes de Santiago de Compostela, na Espanha, que convida peregrinos a caminhar entre os santuários de Canela e Farroupilha, num trajeto de cerca de 200 quilômetros passando também por Caxias do Sul, Gramado e Nova Petrópolis. De alguns, já ouviu perguntas das quais mal pôde responder, tamanha era a sua naturalidade diante do espanto de quem não está acostumado com a rotina da colônia.
— Eles pedem como que eu trabalho na colônia, embaixo das parreiras e em tudo mais que é preciso fazer. Nem tem resposta para isso, porque sempre foi assim, é a minha vida, é o que fazemos — disse.
Mas nunca sem a preocupação de mãe com a segurança dos filhos, Rodrigo, 25, e Lucas, 18, quando manipulam as máquinas agrícolas. A necessidade de preparar o solo e tratar as frutíferas nos terrenos em declive da propriedade, deixam o coração de Jucélia na mão.
— A gente se preocupa, temos muitos morros por aqui. Então, quando eles vão para lugares mais íngremes, nunca vão sozinhos — contou.
Também por isso, e para seguir diversificando a produção da família, os filhos com o aval dos pais investem agora em uvas finas, em terreno plano no município de Encruzilhada do Sul. A plantação das variedades Merlot e Cabernet Sauvignon já começou no Vale do Rio Pardo e é a nova aposta da família Maggioni. Para o orgulho de Jucélia que espera colher 220 mil quilos de uvas na Vindima deste ano.