Os produtores rurais sofrem com os impactos da estiagem pelo quarto verão seguido no Rio Grande do Sul. A falta de chuvas, que começou nos últimos dias de 2022, reacende o alerta: no último trimestre, foram 28 decretos de emergência elaborados por municípios do Estado. O número é quatro vezes menor do que em igual período de 2021. Mesmo assim, o fato causa preocupação e angústia para quem vive no meio rural. Inclusive, com efeitos severos à agricultura.
Na Serra, o cenário é o mesmo do restante do Estado. Em Canela, a falta de chuva levou a Secretaria de Agricultura a realizar um levantamento, em conjunto com a Emater, para determinar as perdas nas plantações. Com base nas informações, o município deve decretar situação de emergência na próxima semana. Conforme a prefeitura, 13 localidades do interior são as mais afetadas.
Uma dessas propriedades fica no Morro Calçado. Lá, o produtor Nei Maldaner, 59 anos, cria ovelhas e produz frutas. Ele recebeu água do caminhão-pipa na última quinta-feira (5). Há 15 anos, ele deixou Porto Alegre para viver no meio rural. Ele trabalhava com tecnologia até decidir se dedicar à fotografia. Viajou o mundo e até participou de uma expedição na Antártica. O sonho de ser pai e cuidar dos filhos em um lugar tranquilo e sustentável, no entanto, o levou até o interior de Canela.
— Quis sair para criar meus filhos no campo e ter uma vida sustentável. Estou, na verdade, chegando no limite porque é uma seca atrás da outra. Já estamos no terceiro ano. A gente tem as frutíferas e as nossas hortas, que são para nosso consumo, além de criação de ovelhas. Mas, a cada ano, a situação é mais difícil — destaca ele.
Maldaner conta que desde o ano passado, quando a crise da água se intensificou, ele começou a diminuir a criação. Apesar de contar com um açude na parte baixa da propriedade, há toda a área do morro, na qual ele não tem como fazer o encanamento para a água chegar:
— Fiz um investimento grande no início e tenho 40 mil litros que duram um mês. Mas, se tivesse que comprar agora uma caixa maior, não teria como investir. Hoje, tenho uma caixa grande e comprei outras pequenas. Quando para de correr água, vou lá e encho as duas de noite para ter água para o outro dia. O caminhão-pipa ajuda a ter água com frequência.
Ele perdeu toda a produção de avocado, uma espécie de abacate. Também perdeu mudas, plantações de árvores exóticas e, das mil mudas de eucalipto arco-íris, apenas duas brotaram. Agora, o solo está seco e as frutas, como o figo, estão secando. Acompanhado dos filhos Elisa, sete, Aurora, seis, e Inácio, quatro, ele tenta driblar as adversidades, mas admite que está cansado de lidar com as perdas.
— A gente perdeu pêssegos, que não deu para colher. A laranja e a bergamota também foram afetadas. Nos últimos anos estamos sem conseguir ter nenhum produto bom. Dá vontade de chorar — diz ele, que pensa em desistir:
— Plantei 60 avocados e morreram com a seca. No ano passado, passei o ano com uma retroescavadeira pegando água do açude e molhando planta por planta. Você faz o sacrifício durante um ano, dois anos, mas chega um ponto que tem que desistir. Não dou conta — lamenta.
À espera do caminhão-pipa
Na localidade das Amoreiras, Celso Correia, 52, estava à espera do caminhão-pipa. Ele mora no interior de Canela há sete anos. Na propriedade, plantava mandioca.
— A situação está muito difícil. Não plantei mais mandioca por causa da estiagem. Recebemos água do caminhão a cada 15 dias. A gente fica inseguro e não tem como plantar. Meus vizinhos também reduziram muito as lavouras —conta Correia.
Perto dali, Francisco Rodrigues, 42, também esperava ansiosamente pelo abastecimento do caminhão-pipa. Ele tem duas caixas, uma de 1 mil litros e outra de 5 mil. Analista de sistema, ele mora em Porto Alegre e, há três anos, tenta plantar na propriedade, sem sucesso.
— Tudo que plantei não nasceu. Tentei milho e feijão e não tem jeito. Quando comprei, achei que tinha uma nascente e ia plantar e tudo ia nascer. Mas morreu tudo com a seca — lamenta ele.
Rodrigues ressalta que teve que investir na entrada da propriedade, construindo um trajeto de cimento para que o caminhão possa abastecer a caixa.
— Quem salva a gente é o caminhão-pipa. Se não, a gente não teria água — afirma ele.
Abastecimento começa às 6h
Para amenizar a situação, desde dezembro a prefeitura de Canela entrega cerca de 60 mil litros de água diariamente nas localidades mais afetadas do município. Os funcionários Paulo Oliveira, 58, e Loy Jorge Cabral Borges, 65, são os responsáveis pela distribuição.
— Há três anos temos feito esse trabalho. As famílias nos esperam ansiosas — conta Oliveira.
Borges ressalta que a rotina é intensa:
— Esse ano parece estar ainda pior a estiagem, pois existem muitas vertentes secas. Nós passamos o dia abastecendo as propriedades. Eles acionam a prefeitura quando precisam. Começamos às 6h e, às vezes, vamos até as 20h. Eles precisam — destaca.
Ao menos 80 famílias são abastecidas por caminhão-pipa no município.