Humilde, desprendido do poder e corajoso no enfrentamento de problemas da Igreja Católica. É assim que autoridades religiosas da Serra descrevem o Papa Bento XVI, que morreu neste sábado (31). Primeiro papa emérito da história, ele sofreu nos últimos anos com o agravamento do quadro de saúde. Reconhecido como importante teólogo, Bento XVI enfrentou escândalos financeiros e sexuais enquanto esteve à frente dos católicos e se afastou do cargo em 2013. Desde então, passou a viver recolhido em um mosteiro no Vaticano.
Bispo Dom José Gislon, da Diocese de Caxias do Sul, que foi nomeado bispo de Erechim por Bento XVI e também esteve na presença do papa ainda antes de ser bispo durante uma visita ao Santuário de São Pio de Pietrelcina em 2009:
— Ele foi um papa que trazia no coração todas as dores da Segunda Guerra, como seminarista que começou aos 12 anos, mas depois teve de ir para o Exército, retornou e retomou sua caminhada vocacional, foi ordenado sacerdote, serviu a igreja como professor, como padre, como bispo, como cardeal, como papa durante todos esses anos. E acho que a grandeza também de romper um tabu de 600 anos, quando ele fez a renúncia. Percebendo que as suas forças não davam mais para ele estar à frente da Igreja, viajar, encontrar o rebanho em vários continentes, ele teve essa grandeza de alma, de coração de renunciar mesmo quebrando um tabu de tantos anos, para dizer que a missão da Igreja é mais importante que o cargo que ele ocupava. Eu acho que ele humildemente se retirou para que outro pudesse conduzir a barca de Pedro. Foi um grande teólogo. Uma grande abertura para conversar com o meio científico, com outras religiões cristãs, mas também não cristãs. Então, sai de cena o homem, mas fica um legado para a história. E um legado espiritual, teológico, humano muito grande. Ele enfrentou com muita força a questão dos abusos da Igreja e sofreu por isso, mas ele teve essa força, essa grandeza de não se deixar amedrontar por ameaças ou situações que tocavam a vida de certos grupos. Eu sei que um papa que muitas vezes foi incompreendido, mas eu acho que a história vai fazer justiça ao legado dele e a todo o bem que ele fez para a Igreja, para a comunidade de fé.
Bispo emérito da Diocese de Caxias do Sul, Dom Alessandro Ruffinoni, que guarda uma cruz dada como presente por Bento XVI em um dos encontros com ele. Ruffinoni foi nomeado pelo papa em 2006 como bispo auxiliar de Porto Alegre:
— O papa nos deu um legado muito bonito de humildade. Quando percebeu que as forças físicas não ajudavam mais a governar a Igreja, depois de ter rezado e meditado, teve a coragem de renunciar para o bem da Igreja. Outro legado que nos deu é como viveu esse tempo depois que renunciou, ele viveu na oração, na meditação. Como diz o Papa Francisco, foi uma coluna na Igreja neste tempo, através do seu sofrimento, da sua oração, da sua humildade, e viveu perto do Vaticano os últimos anos de sua vida. Ele tinha como lema episcopal o amor à verdade, porque, de fato, a verdade é um ponto importante na nossa vida. Podemos ter ideias diferentes, podemos discutir, podemos também ser contra algumas ideias, mas devemos defender a verdade. O papa, como um grande teólogo da Igreja, procurou defender a verdade, que é Jesus Cristo. Ele nos deixou também alguns livros sobre a infância, a vida pública de Jesus, nos deixou as suas reflexões muito interessantes. De qualquer maneira, este papa também criou um pouco de divisão na Igreja, porque havia os que diziam que o papa não podia renunciar e que o papa verdadeiro era ele e não Francisco. Então, se criou um clima um pouco tenso em alguns, não para a maioria. Mas ele sempre ficou tranquilo na decisão que tomou, que não é contra as normas, mesmo que seja um fato raríssimo.
Padre Leonardo Lucian Dall'Osto, da Diocese de Caxias do Sul, que está em Roma para o doutorado em Teologia enquanto estuda e trabalha em uma paróquia da periferia:
— Bento XVI assume o pontificado logo depois de João Paulo II, que nós sabemos, era o "papa pop", mas que nos últimos 10 anos de vida teve muita dificuldade para governar a Igreja. E, nesse período do final do declínio do pontificado de João Paulo II, temos a erupção dos grandes casos de pedofilia e também dos escândalos financeiros do Vaticano. Com essa erupção, Bento XVI é praticamente eleito e ele vai atacar de frente esses dois grandes problemas. Penso particularmente que Bento XVI, por ser um homem que nunca se dobrou ao poder, que nunca esteve preocupado em exercer o poder, conseguiu enfrentar esses problemas com muita franqueza e muita clareza. Quer dizer, uma pessoa, quando se apega ao poder, ela acaba não conseguindo enfrentar os problemas reais que existem. Bento XVI conseguiu enfrentar esses problemas exatamente porque era completamente livre dessa sede de poder, que infelizmente ataca a sociedade e também ataca muitas vezes o próprio clero. Eu acho que é essa é a grandeza de Bento XVI, talvez é o fruto de sua humildade. Como um homem muito humilde que nunca procurou o poder e que de fato, mesmo quando exerceu o cargo de prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé, Bento XVI sempre foi mais um professor do que um político. Sendo uma pessoa de caráter humilde, de sensibilidade inclusive em relação à realidade, ele teve a capacidade de enfrentar esses problemas e, evidentemente, que por conta disso ele também sofreu bastante.
Padre Ricardo Fontana, Reitor do Santuário de Caravaggio:
— Era um grande teólogo, perito do Concílio Vaticano II, que sempre soube conciliar na sua vida, na vida da Igreja, a fé e a razão. Um homem de profundidade única em termos de estudos teológicos nas áreas da cristologia, da ecleosiologia, da escatologia cristã. É um homem, portanto, que marcou a humanidade com esperança através dos seus escritos. Um dos maiores teólogos que a igreja já conheceu e ajudou muitos papas, tanto Paulo VI quanto João Paulo II e no seu pontificado, a colocar em prática os documentos do Concílio Vaticano II. Ele fez com que o Concílio do Vaticano II acontecesse no novo tempo em que vivemos, a partir de 1965. Então, ele deixa um legado de profundo conhecimento, de profunda relação entre razão e fé, ele deixa esse equilíbrio, que é possível a gente alcançar as coisas do alto, a gente poder dar esperança ao ser humano acreditando e, acreditando, o coração humano se alegra. Então, o Papa Bento XVI deixa um legado de profunda humildade especialmente no momento da sua renúncia, dizendo que somos seres humanos com limitações e com um gesto belíssimo de humildade, de discrição sobretudo como ele viveu os últimos tempos, um homem de muita oração que o Papa Francisco considerou como uma coluna de sustentação a nossa Igreja.
Frei Jaime Bettega
— A missão do Papa é sempre específica: dar continuidade ao Reino de Deus, à proposta de Jesus, coordenar a Igreja Católica no mundo inteiro e atualizar também tudo aquilo que Jesus fez, foi e pregou. Cada papa tem o seu jeito de ser, porque é uma personalidade, é uma pessoa, tem seus dons e, além da missão específica, cada papa contribui com aquilo que são os pontos fortes do próprio ser, da existência como um todo. O papa Bento XVI foi um papa talvez não de tantos sorrisos, mas que primou pela fidelidade a Jesus Cristo. Ele deu um conteúdo extraordinário para que o mistério de proposta cristã pudesse ser continuado de uma forma significativa, verdadeira e atualizada. Então, guardamos conosco também essa atitude tão bonita do Papa, quando ele viu que a idade era avançada e que a missão era desafiadora. Ele, conhecendo o próprio perfil, fez um gesto de humildade muito grande que foi deixar o exercício do papado para outra pessoa, no caso o Papa Francisco, e se recolheu como alguém que amou profundamente a Igreja, mas também tinha de acolher as situações próprias da idade avançada. O Papa Bento XVI vai ser recordado pelo conteúdo da doutrina, pela fidelidade a Jesus Cristo e pela humildade em entregar o cargo quando a saúde já não ajudava mais tanto. Nós vamos guardar com carinho a contribuição de Bento XVI à história da Igreja, à condução da religião cristã católica.
A Diocese de Caxias divulgou, no final da manhã deste sábado, uma nota de falecimento. Confira:
"Com imenso pesar, a Diocese de Caxias do Sul, em comunhão com toda a Igreja, comunica o falecimento de Sua Santidade o Papa Emérito Bento XVI, aos 95 anos, ocorrido na manhã deste sábado, 31 de dezembro de 2022, no Vaticano, em Roma.
Eleito Pontífice em 19 de abril de 2005, o Papa Bento XVI visitou o Brasil no ano de 2007, abrindo a V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe, realizada em Aparecida - SP. O Papa Emérito teve uma importante ligação com a Diocese de Caxias do Sul, pois foi Bento XVI quem nomeou Dom Alessandro Ruffinoni, hoje Bispo Emérito, como Bispo Auxiliar de Porto Alegre, e depois, em 2010, como Bispo Coadjutor da Diocese de Caxias do Sul, sucedendo a Dom Paulo Moretto, em julho de 2011. Bento XVI também nomeou Dom José Gislon como Bispo da Diocese de Erexim, em 2012; depois transferido pelo Papa Francisco como Bispo Diocesano de Caxias do Sul, em 2019.
No dia 11 de fevereiro de 2013, anunciou a decisão de renunciar ao ministério petrino. O seu pontificado se concluiu em 28 de fevereiro de 2013. Em seguida, Bento XVI passou a residir na Cidade do Vaticano, no Mosteiro “Mater Ecclesiae”, como Papa Emérito, numa vida de silêncio e oração. Em comunhão espiritual com toda a Igreja, unida ao Santo Padre o Papa Francisco, celebremos com nossas preces e orações a Páscoa Eterna deste grande Pastor da Igreja, que dedicou toda a sua vida ao rebanho de Cristo, anunciando ao mundo o Evangelho da Salvação, como um "colaborador da Verdade", conforme dizia seu lema episcopal.
Segundo informações da Sala de Imprensa da Santa Sé, o corpo do Papa Emérito estará na Basílica de São Pedro para a saudação dos fiéis a partir da segunda-feira, 02 de janeiro. O funeral será na quinta-feira, 05 de janeiro, às 09h30min locais (05h30min – horário de Brasília), na Praça São Pedro, presidido pelo Papa Francisco. Dai-lhe, Senhor, o descanso eterno, e brilhe para ele a vossa luz!".