"Quando se fala em empreendedorismo feminino também significa para a mulher encontrar forças que ela não sabia que tinha", resume Patrícia Turmina, 28 anos, fundadora da franquia Royal Trudel, com sede em Gramado. Para marcar a valorização das mulher de negócios, a ONU criou o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, celebrado neste sábado (19).
Em 2022, a data é comemorada com um cenário de crescimento da participação feminina na criação de novos negócios. De acordo com a pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) conduzida pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP) em parceria com o Sebrae RS, a cada 100 novos negócios que surgem no Estado, 43 são de mulheres. Em Caxias do Sul, como conta a analista da central de relacionamento com o cliente da entidade Adriana Martins o panorama se repete.
As mulheres estão cada vez mais buscando empreender por motivos como flexibilidade, cansaço do ambiente corporativo, buscar uma melhor qualidade de vida e fazer o que gostam. Conforme o IBGE, a maioria dos negócios no Estado, mais de 50%, está na prestação de serviços. Como descreve Adriana, estão em diversos segmentos, como alimentação, estética, moda, serviço de cuidadoras de idosos, entre outros. No comércio, estão 23% dos negócios e 13% dos empreendimentos femininos estão na agropecuária.
— Na prática, ela está trabalhando muito mais. Mas se sente realizada, está fazendo o que gosta — percebe Adriana.
A gestora da Regional Serra do Sebrae RS, Clara Salgado, relata ainda que a procura aumentou na região com a pandemia, por conta de mulheres que perderam empregos. Mas Clara alerta que ainda existe uma diferença entre os números entre empreendedores, que são maioria, e empreendedoras.
— Quando falamos de um grupo de mulheres, precisamos cuidar porque, por exemplo, muitas vezes elas sofrem violência doméstica, o companheiro tem ciúmes e elas não podem ir para uma capacitação, ou não podem ficar muito tempo no celular. Então, precisamos entender que quando falamos de um grupo de mulheres, temos muitas diferenças de um grupo de pessoas misto — observa Clara.
Ainda conforme o Sebrae, empreender é considerado um segundo sonho entre brasileiros e gaúchos. Deste desejo, motivado pelas diferentes razões, como as mencionadas acima, surgem histórias inspiradoras, que também servem de combustível para que mais mulheres trilhem o caminho que elas quiserem.
Franquia milionária
Conhecida pelo saboroso doce de origem europeia, a franquia Royal Trudel nasceu na Serra, em 2016. Depois de uma viagem dos pais ao Leste Europeu, a empreendedora Patrícia Turmina conheceu por foto o trudel. Dali surgiu a ideia que mudaria a vida da gaúcha de Passo Fundo. Patrícia e o irmão Luis Fernando Turmina começaram a fazer testes até encontrar a massa ideal. Da abertura da primeira loja, em Gramado, a Royal Trudel tem hoje 50 lojas espalhadas pelo Brasil, com faturamento que pode chegar a R$ 30 milhões neste ano. Para percorrer este caminho, a empresária superou desafios e, literalmente, colocou a mão na massa.
— Foi um desafio até ir morar em Gramado. Morar sozinha em uma cidade que não conhecia ninguém. Eu levava uma vida de padeira. Eu acordava seis da manhã, fazia a massa, deixava ela crescer e depois atendia o dia inteiro. Eu ia embora 11 da noite com o dinheiro da loja no bolso porque não tinha tempo de ir no banco — recorda Patrícia.
Não demorou muito e o irmão de Patrícia, que trabalhava em uma empresa de computadores, deixou o emprego e se juntou à irmã no negócio. Hoje, os dois também têm uma fábrica da Royal Trudel, em Cachoeirinha. Lá, eles foram os primeiros funcionários e a empreendedora passou por situações em que encontrou uma força que não sabia ter.
Pode ser um caminho diferente do imaginado por ela. Quando quis empreender, após ver uma série de palestras sobre o tema em um DVD, Patrícia pensou, primeiro, em construir uma máquina robotizada de cachorro-quente. Coincidentemente, ela desistiu da ideia ousada no mesmo dia em que viu a foto do trudel. Na viagem de carro de Porto Alegre a Passo Fundo, quando buscou os pais no aeroporto, o plano de negócios surgiu e o restante virou história.
Hoje, Patrícia está na mesma posição das palestrantes que a encantaram naquela série vista por ela. Até por isso, para empreendedoras e empresas, a empresária deixa o recado de que esta posição das mulheres não é um simples tema ou propaganda, mas é um lugar conquistado por direito e competência:
— Estava em uma reunião de uma entidade com um economista (sobre um evento) e comentaram que eu estaria no palco para mostrar a presença feminina. Eu falei: "Não precisa ficar falando que tem presença feminina no palco". Se não tratarmos como normal, nunca será normal. Se toda vez que uma mulher sobe no palco, tem que dizer que tem mulher no palco e que a empresa é inclusiva, é a maior prova de que não é. Não precisa colocar a mulher em um pedestal para mostrar que a liderança feminina é real porque ela faz esse papel por competência dela. Não pelo aplauso dos outros.
Uma nova história
Na última quinta-feira (17), o Núcleo Setorial Empreendedoras da Microempa divulgou as vencedoras do edição do 7º Prêmio Empreendedorismo Feminino. Letícia Francisco foi a vencedora do júri técnico, enquanto Gislaine Perottoni recebeu o troféu do Voto Popular, com mais de 30 mil votos dos 82 mil contabilizados. Para Gislaine, 40, o troféu coroa uma nova história que se iniciou em 2015 com a Very Happy Balões, empresa especializada em cenografia e decoração para festas e eventos.
Formada em Relações Públicas, Gislaine decidiu buscar um outro caminho após se tornar mãe. Unindo uma paixão com um diferencial para festas no município, a empreendedora viu o negócio crescer rapidamente. Da garagem da casa da mãe, onde tudo começou, Gislaine tem hoje uma boutique de balões de 100 metros quadrados no bairro Santa Catarina.
— O meu propósito em ter a Very Happy foi em levar o diferente através dos balões para festas e comemorações. Inserindo balões em todas as celebrações. Antes de ter uma empresa e de se chamar de empreendedora, o primeiro de tudo é tu ter um propósito — aconselha Gislaine.
O propósito do negócio foi visto por Gislaine na pandemia. Quando achou que teria problemas pela falta de eventos, a empreendedora notou um crescimento na demanda. Clientes antigos e pessoas começaram a procurá-la para alegrar o ambiente em casa, na época de restrições em que todos deveriam permanecer isolados.
— Entendemos que é um negócio muito bacana e as pessoas entenderam o que fazemos e qual é o nosso propósito. Ao longo do tempo, notei que é uma empresa que conversa com o cliente. Como costumo dizer, somos psicólogos, quem afaga, quem deixa feliz... É uma empresa que vive de momentos. Sempre estamos presentes com nossos balões — descreve Gislaine.
Quebrando barreiras
Letícia Francisco, 41, vencedora do júri técnico no Prêmio Empreendedorismo Feminino, teve com o ato de empreender uma ideia que ajuda a quebrar barreiras na sociedade. A empreendedora é CEO e fundadora da Semearhis, uma startup que emprega pessoas com deficiência (PCDs), a partir dos perfis e competências de cada uma. No projeto, é como se o candidato combinasse com a empresa encontrada. Até por isso, Letícia chama o Semearhis de Tinder (rede social de relacionamentos) da empregabilidade de pessoas com deficiência.
— Nascemos na pandemia, mais de 50% do nosso time são mulheres. Acreditamos na pluralidade e por isso temos no time pessoas incríveis, competentes e que depois de estarem conosco receberam propostas. Eu fico feliz em dizer que elas não foram contratadas por cota na Semearhis. Hoje, temos na Semearhis 19 Gestores de Qualidade que são pessoas com deficiência, que direta ou indiretamente contribuem para que possamos ser mais assertivos em relação a inclusão e a acessibilidade — relata Letícia.
A startup começou a nascer em 2019, depois que Letícia passou por um Eneagrama, um teste de personalidade. A empreendedora, que é pedagoga, percebeu ali um propósito de vida que sempre esteve próximo dela. Na infância, ela ajudava o avô, que ficou cego por conta de um glaucoma. Depois, na escola, se conectou com um colega surdo, que na vida adulta se tornaria o professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras) dela. Como pedagoga, sempre lidou com alunos e as suas pluralidades.
Depois, em 2020, no casamento da irmã, a pedagoga conheceu um investidor para o projeto dela. Letícia lida com os desafios de estar a frente do negócio, como aprender sobre a área contábil ou jurídica, por exemplo. Tudo vale a pena, ainda mais para iniciar uma mudança na sociedade.
— Tenho um compromisso social, quero deixar um legado onde vidas podem ser mudadas promovendo dignidade e autonomia através da empregabilidade, além de entregar para a PCD a segurança de que onde ela estiver, nós estaremos certos que elas se sentiram pertencentes a empresa — declara a agora CEO.
Para maximizar a inclusão, a contratação acontece às cegas. A plataforma recolhe as competências e habilidades do candidato, buscando onde elas podem agregar.
— Acessibilidade é um caminho sem volta. Inclusive, a sua importância é tão relevante que está entre os principais pilares das cidades inteligentes — explica Letícia, que discursou em Libras e se emocionou ao receber o prêmio na noite de quinta.
O que significa ser empreendedora
"Fazer o que tiver que ser feito, independente do quanto você quer ou está preparado para fazer", Patrícia Turmina
"Hoje, antes de tudo, é aceitar os desafios. A empreendedora, hoje, é alguém que mete a cara naquilo que tem paixão por fazer, enfrenta qualquer situação, para que o seu negócio cresça, tenha estabilidade e prosperidade. Além dos desafios, que passamos desde o início, temos sempre temos novas fases. Então, essas fases fazem com que a gente repense o que já passou, o que foi bom e o que será possível ser feito. E como empreendedora, percebo hoje que a Very Happy não precisa só produzir. Eu tenho necessidade que eu tenha uma gestão bacana, tenha tudo redondinho, um produto de qualidade, que vale a pena ser pago o valor. Tudo isso faz parte do empreendedorismo. Mas, a coragem e o amor é um dos principais pontos", Gislaine Perottoni
"Sou apaixonada pelo "problema" que nossa plataforma resolve. Creio que isso é ser empreendedor. Ter a consciência que podemos ajudar a mudar vidas. Saber que através da nossa criatividade, das várias tentativas, dos desafios de erros e acertos, do aprendizado, da clareza de onde queremos chegar e entregar para a sociedade, a perseverança sempre torna tudo que parece impossível ser possível. Estou através da Semearhis semeando relacionamento humano de impacto social", Letícia Francisco
Ações do Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino
Neste final de semana, municípios da Serra estão promovendo ações que apoiam o empreendedorismo feminino. Em Caxias do Sul, em alusão ao Dia da Consciência Negra, ocorre o 3º Encontro de Empreendedoras e 2ª Feira de Mulheres Negras e Imigrantes, neste sábado (19), das 10h às 16h, no Parque dos Macaquinhos. Com entrada franca, o evento é realizado em parceria com a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (SMSPPS). Ele contará com a comercialização de itens como artesanatos, toalhas, bijuterias e alimentos típicos de culturas africanas e venezuelanas, com o objetivo de dar visibilidade e fortalecer a identidade cultural destas empreendedoras.
Sexta-feira, em Gramado, o município lançou o Sebrae Delas, em parceria com a entidade, no Hard Rock Café. O programa fortalecerá 30 pequenos negócios locais, apoiando uma rede de mulheres que estão em situação de vulnerabilidade social. Na primeira etapa do projeto, chamada de Cocreation Mulher Gramado, as participantes recebem uma capacitação para montar o próprio negócio.
— O objetivo é que esses sonhos consigam crescer, que a gente consiga fazer amadurecer com responsabilidade, oferecendo ferramentas de planejamento, de controles de gestão e elas consigam ver esses sonhos uma empresa formalizada, principalmente, gerando mais empregos — afirma Clara Salgado.
Reunião de empreendedoras em Caxias do Sul
:: Em Caxias do Sul, o Sebrae realiza mensalmente encontros de empreendedoras. Além de palestras para temas diversos do mundo dos negócios e capacitações sobre inteligência emocional, estratégia, finanças e marketings, as participantes ainda podem trocar experiências. De acordo com a entidade, cerca de 150 mulheres chegam a participar por mês dos encontros. Quem se interessar pode acompanhar a programação, que sempre é divulgada no grupo do Sebrae Serra, no Facebook, ou entrar em contato pelos telefones (54) 3290-4732 ou WhatsApp (54) 99677-1950.