"Meu apelo é que a Justiça dê mais uma chance para trazer nossos familiares", pede Dukenson Gerome, 28 anos. Nascido no Haiti e há oito anos no Brasil, o morador de Caxias do Sul é um dos haitianos que se dizem lesados pela Associação de Integração Social (Ainteso) no Rio Grande do Sul. Pelo valor de R$ 11 mil por pessoa, a entidade prometia trazer familiares do país caribenho ao Brasil, com a promessa de que contaria com o apoio de agências de viagens e consulados.
Gerome conheceu a associação por meio de um parente, que mora em Santa Catarina. Esse mesmo parente ajudou a pagar o preço pedido pela associação na tentativa de trazer o pai do soldador residente na Serra gaúcha de volta ao Brasil - foi o pai, Hosena Gerome, quem trouxe Dukenson para o Brasil e depois voltou ao Haiti em 2016. Depois disso, o plano do pai era ir para os Estados Unidos com a mãe do jovem, Suzanne Fleurissaint, mas apenas ela conseguiu o visto para ficar na Flórida, em 2015. Hoje, ela tem um restaurante lá.
— Minha mãe conseguiu o visto americano e foi para trabalhar. Hoje, ela é uma empresária. Como está difícil para meu pai conseguir a documentação para lá (EUA), ele queria vir para cá e daqui, trabalhar para tentar ir para lá — conta Gerome.
O morador de Caxias iniciou o contato com a entidade no começo de 2021. Já era para o pai estar no Brasil, mas o presidente da Ainteso, o professor haitiano James Derson Sene Charles, ficou um ano sem dar respostas a Gerome e aos outros haitianos. Isso levou o morador da Serra e compatriotas lesados a procurarem a Defensoria Pública da União (DPU) e a Justiça Federal, em Porto Alegre.
— O que mais nos incomodou é que ele não informou ao pessoal o que estava acontecendo. Ele só prometia. Já que ele não teve essa atitude, fomos para Justiça — relata Gerome.
Pela entidade e o parente de Santa Catarina, o morador de Caxias conheceu Renel Derilus e outros haitianos. Como mostrou GZH, um grupo de 17 famílias, em 19 de setembro, fez um protesto em frente à sede da Justiça Federal, em Porto Alegre.
Na ocasião, foram informados que por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), imigrantes não conseguiam vir ao Brasil sem visto. Até o primeiro semestre deste ano, haitianos podiam entrar no Brasil sem um visto, o que foi modificado a partir de decisão da Justiça Federal. A justificativa é de que o Tribunal desconfia de gangues do país latino-americano que poderiam estar usando as viagens dos compatriotas como uma forma de tráfico humano.
Gerome diz que após a Justiça ser procurada, Derson voltou a se comunicar com o grupo. O residente de Caxias e os compatriotas, neste momento, apelam para que a Justiça dê uma chance para que a entidade traga os familiares ou que as próprias autoridades os auxilie - e que, caso exista alguma irregularidade, que seja investigada depois.
— O que mais nos interessa é que o STJ pudesse dar uma chance para ele (Derson). Pelo menos as pessoas que estão com o dinheiro no processo pudessem tentar trazer os familiares para cá. Ou, a Justiça nos ajudar a trazer os parentes. Se for impossível liberar o James (Derson)para fazer a viagem, que pelo menos nos dê a oportunidade de trazer os parentes — pede Gerome.
Comunidade haitiana em Caxias está menor, diz associação
O caso de Dukenson Gerome é o único que se tem conhecimento em Caxias do Sul. O Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) afirma não ter recebido pedidos de ajuda para este tipo de situação. A mesma entidade também relata que a comunidade haitiana está menor no município. O motivo seria que os cidadãos estão migrando para os Estados Unidos, como a mãe de Gerome fez.
O Centro de Informação ao Imigrante (Ciai), ligado à prefeitura de Caxias, também afirma não ter recebido pedidos de ajuda.
O que diz a Ainteso
Para GZH, James Derson, por meio do advogado Paulo Duarte de Oliveira, explicou que teve uma primeira viagem bem-sucedida, em julho de 2021, com familiares de haitianos. Ao tentar trazer mais familiares para o Brasil, o presidente da associação cita três motivos que teriam atrapalhado as novas viagens. O primeiro foi que empresas aéreas desistiram de fretar voos do Haiti.
A partir disso, a Ainteso tentou fazer com que os haitianos embarcassem na República Dominicana. Com a necessidade de um visto, Derson afirmou ter gasto US$ 500 para cada documento. Como os voos não eram fretados, o presidente da entidade justifica que viagens foram adiadas por empresas aéreas e que alguns voos tiveram overbooking - mais passageiros do que vagas. O último motivo seria as decisões do STJ, suspendendo a chegada de haitianos sem vistos.
O advogado garante ainda que realizou audiências no STJ, no Supremo Tribunal Federal (STF), no Senado e no Ministério da Justiça, alertando sobre o problema. Derson, ao mesmo tempo, diz que tenta devolver os valores, o que depende de disponibilidade financeira. Segundo o presidente da associação, a empresa aérea teria retornado, em créditos, apenas 20% do valor investido.
O representante da Ainteso estima que já fez a devolução para 80 compatriotas, no valor de R$ 1 milhão. Ele admite que cerca de 200 pessoas fizeram pagamentos a ele e que ainda precisa devolver o dinheiro a elas. O grupo de credores da associação, por outro lado, diz que são 300 pessoas, em valores que passam de R$ 3 milhões no total. Os números são investigados pela Polícia Civil.
O que diz a Polícia Civil
Como também mostra GZH, alguns haitianos lesados procuraram a Polícia Civil. O caso é investigado pela 17ª Delegacia de Polícia, de Porto Alegre. Pelo caso envolver pessoas de fora do Brasil e algumas que até residem no Haiti, há o dilema de se a investigação deve ou não passar para a Polícia Federal.
As autoridades possuem duas linhas de investigação neste momento: a primeira é se uma rede de traficantes de pessoas não atuou junto à Ainteso; e a segunda é se a entidade teve desorganização financeira, ao comprar passagens e ficar impedida de trazer os imigrantes.