Fundamental para a luta contra a covid-19 dentro dos hospitais, enfermeiros e técnicos de enfermagem seguem sem a garantia de um piso salarial. A nova legislação aprovada pela Câmara e pelo Senado definia que o salário mínimo a ser pago pelos hospitais públicos ou privados seria de R$ 4.750; o piso dos técnicos de enfermagem seria de R$ 3.325 e o dos auxiliares e parteiras, R$ 2.375. Mas a medida foi suspensa em setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após a sanção da lei no mês anterior.
No entendimento do ministro Luís Barroso, responsável pela suspensão, estados e municípios não apresentaram fontes orçamentárias para custear o pagamento dos profissionais da enfermagem. Segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) ligada ao Senado Federal, o impacto anual da medida seria de R$ 5,5 bilhões para o setor público e R$ 11,9 bilhões para o setor privado.
A situação é acompanhada de perto pelo Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), que representa 26 mil profissionais no Estado. A busca por alternativas para que o piso salarial seja custeado chegou até a entidade, mas, para a presidente Claudia Franco, a responsabilidade de tal indicação era dos entes federativos quando da aprovação da lei.
— Não deveríamos ser nós a apresentar. O Congresso e o Senado quando aprovaram, e o presidente quando sancionou deveriam ter apontado a forma de custeio, mas como as coisas nunca foram fáceis para nós, agora, além de levantar o impacto financeiro, fomos convidados a buscar por projetos que nos indiquem as fontes. Do contrário não sairá do papel e ficaremos neste embate — lamenta Claudia.
Sem um salário base definido por lei, a categoria é remunerada com salários definidos pelas instituições. De acordo com o Sergs, a média salarial dos enfermeiros gaúchos é de R$3,8 mil. No entanto, segundo Claudia, a ausência de um piso unificado faz com que hospitais da capital, por exemplo, tenham salários de R$5,6 mil. Por outro lado, em cidades próximas a Porto Alegre, a remuneração já é mais baixa e chega na média do que é pago no restante do Estado.
— É a realidade desde que a profissão foi instituída. O problema são instituições que não têm planos de cargos e acham que vão falir se aumentarem os salários. Eles precisam se preparar, hospitais com planejamento já pagam além do piso e não estão preocupados, porque se prepararam ao longo da gestão para encarar essa nova realidade. Mas infelizmente não é a realidade da grande maioria das instituições que não se prepararam e agora estão nessa encruzilhada — afirmou.
Jornada dupla para aumentar a renda
De acordo com Sindisaúde, o sindicato que representa técnicos e auxiliares na Serra, atualmente são 6,5 mil profissionais espalhados em 27 municípios. Em Caxias do Sul a categoria conta com 2,5 mil trabalhadores que ganham um salário base de R$2,1 mil. De acordo com a presidente da entidade, Bernadete Giacomini, 85% da classe é formada por mulheres e a maioria acumula dois contratos de trabalho para incrementar a renda.
É o caso de Anaiza Da Silva, 42 anos que trabalha no turno da noite na UTI Neo Natal da Unimed e durante o dia é cuidadora de idosos. Os R$ 150 cobrados pelo plantão de 12 horas complementam a renda do salário base de R$2.247 pago pelo hospital da Unimed. Com 18 anos de atuação como técnica em enfermagem, Anaiza teria ganho um aumento superior a R$ 1 mil caso o piso salarial não tivesse sido suspenso.
— A gente vive sempre muito apertada e com tudo muito inflacionado é complicado se manter em um emprego apenas. Estavam todos muito esperançosos, a minha vontade era deixar um dos empregos e dedicar um tempo a mais para mim, para me aperfeiçoar também. É sofrido, eu não tenho vida social. Trabalho e durmo, é só o que faço — contou.
Atualmente, de acordo com a categoria, o que diferencia os salários entre os hospitais da Serra são os benefícios como vale refeição, diferencial noturno e insalubridade. Funcionária da Clínica Psiquiátrica Professor Paulo Guedes, a técnica de enfermagem Delmara Aparecida Gonçalves, 49, recebe um auxílio alimentação de R$ 80. A jornada dupla foi interrompida, segundo ela pelo cansaço, e agora é preciso viver com o salário de R$2 mil.
— Hoje não consigo mais, trabalhava sempre à noite, o que esgota a pessoa, e é capaz de nos fazer adoecer. Agora trabalho na parte da manhã, das 7h às 13h. Eu sei que é sofrido, são pessoas que fazem turnos longos e vão para outro trabalho, que cobrem folgas de colegas e que deixam suas famílias em casa para trabalhar de domingo a domingo — contou.
A saída para muitos profissionais da categoria é buscar pelo concurso público, opção atualmente mais rentável em comparação a hospitais públicos e privados. Em Caxias do Sul, de acordo com a secretaria municipal da Saúde (SMS), são 176 enfermeiros e 361 técnicos em enfermagem que realizam jornadas de trabalho de 20, 33 e 40 horas semanais.
Um técnico com contrato de 40 horas pode receber até R$4.596,12 por mês a depender do contrato. Para enfermeiros o salário varia de R$ 4.506,00 (20h) à R$ 10.984,88 pagos por 40 horas semanais.