CORREÇÃO: A diretora da Rede de Atenção Psicossocial de Caxias do Sul é Marina Guerra, e não Mariana Guerra. A informação incorreta permaneceu publicada entre 18h03min de 05/10/2022 e 17h12min de 13/10/2022.
Dezenas de caixas guardam 50 mil prontuários de atendimentos psiquiátricos e psicológicos no Centro de Atenção Integral à Saúde Mental, no centro de Caxias do Sul. Os registros são referentes a 10% de toda a população do município já apresentou algum tipo de transtorno mental e buscou por ajuda em algum momento da vida. O serviço começou a ser oferecido na cidade em 1995 e, hoje, presta acompanhamento profissional a 10 mil pessoas.
— Percebemos um aumento durante a pandemia e, agora, no pós pandemia principalmente, de situações relacionadas à ansiedade. Isso a gente consegue ver na queixa, no motivo do encaminhamento. Questões de transtornos ansiosos enfim, bem aumentadas. Teve um volume muito grande nesse sentido. As pessoas desenvolveram sofrimento emocional muito grande em virtude de tudo que nós passamos — contou Marina Guerra, diretora da Rede de Atenção Psicossocial.
Para os quadros de esquizofrenia e outros casos de transtorno mental grave, o município mantém três centros de atenção psicossociais, os Caps. Dois para atendimento adulto e um infanto-juvenil. Todos prestam atendimento multidisciplinar, além de oficinas terapêuticas, que utilizam a música, a expressão artística e corporal como ferramentas de tratamento no tratamento de pacientes.
— Se não tiver uma ocupação na minha cabeça... vem uns pensamentos meio absurdos... então, com uma atividade assim eu tento esquecer eles. Aqui no Caps a gente também tem amigos... apesar de ter alguns problemas, eles sabem lidar, conversar, conhecer gente nova também e isso me ajuda muito — relata um paciente de 29 anos diagnosticado com esquizofrenia e que passou a frequentar o serviço no primeiro ano de pandemia.
Em 2019 o Caps Cidadania, destinado ao atendimento de adultos com transtorno mental grave, prestava acompanhamento a 330 pacientes. Em 2022 o número saltou para 450 pessoas, ou seja uma aumento de 36,5%. Isso motivou a abertura de mais um CAPS no município voltado ao atendimento de tal demanda, o Caps Integração. O município ainda conta com outros dois Caps 24 horas (Reviver e Novo Amanhã) voltados para o atendimento de pessoas com demandas decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas. Tais serviços prestam atendimento multidisciplinar (consultas e oficinas terapêuticas) e contam com 12 leitos, cada um, destinados para desintoxicação por um período que pode durar até 14 dias. Além desses dois serviços, a Rede de Atenção Psicossocial também possui a Unidade de Acolhimento Adulto, uma moradia de caráter transitório destinado a esse mesmo público.
O serviço atende tanto a demanda espontânea quanto os encaminhamentos da rede pública de Saúde e Assistência Social. Já nos casos em que o período de internação ultrapassa os 14 dias, o município encaminha o paciente para uma unidade de acolhimento adulto que, por enquanto, só recebe homens.
— A ideia realmente é, através dos serviços da rede de atenção psicossocial, prestar um atendimento evitando que se chegue a uma internação psiquiátrica. O principal objetivo é fornecer um atendimento multidisciplinar às pessoas com transtorno mental para evitar que chegue na internação — contextualizou Marina.
143 leitos são disponibilizados pelo SUS em Caxias do Sul
A internação clínica só ocorre após avaliação psiquiátrica. Para esses casos, o município tem convênio com quatro instituições: Hospital Geral, Virvi Ramos, Paulo Guedes e Clínica de Repouso. São 143 leitos que atendem os pacientes encaminhados pelo SUS. Mas, para uma mãe que conversou com a reportagem, e precisou buscar internação para a filha, a experiência não foi positiva:
— Ela entrou para se tratar da depressão e ela saiu com outro problema porque na época ela tinha 13, 14 anos e nunca tinha botado um cigarro na boca e quando ela saiu de lá, ela saiu fumando — contou a mãe que não quer ser identificada.
Uma outra paciente, 38, diagnosticada com bipolaridade, registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal ao deixar a mesma clínica de repouso, no bairro Santa Catarina, após 10 dias de internação. Ela também terá a identidade preservada.
— Elas (equipe) me colocaram numa cama, apoiavam os joelhos e os cotovelos em cima de mim. Eu fiquei com várias marcas roxas pela violência com que elas me agarraram. Depois, eu fui amarrada com uma espécie de camisa de força que elas amarram na cama - fica com os braços e pernas estendidos. Fiquei nessa posição durante três horas, daí comecei a chorar porque eu precisava urinar e, mesmo pedindo 'por favor' ouvia piadinhas dizendo que eu 'tava pedindo por favor agora... ah, chama polícia..' então, esse tipo de coisa sabe, eu comentei que aquilo era tortura porque eu precisava ir ao banheiro—relata a paciente.
Contrato renovado
Em setembro, a prefeitura de Caxias renovou contrato por mais um ano com a clínica Paulo Guedes, localizada no bairro de Ana Rech. São 100 leitos SUS mantidos pela prefeitura na instituição. O custo anual para o município é de R$ 7 milhões. Mesmo com o pagamento em dia, pacientes e familiares reclamam do atendimento, como no caso de uma dona de casa que acompanhou a internação do irmão, 72, e conversou com a reportagem.
— Entrou uma pessoa e saiu outra. Ele não tava debilitado. Ele entrou caminhando, sorrindo... estava em surto psicótico.. não tinha nada clinicamente. Quando ele saiu, ele estava quase morrendo, debilitado. Quando a gente viu ele no momento da alta era outra pessoa... fazendo suas necessidades na roupa, precisando dar banho nele. Ele saiu dependente total... tem que dar banho, trocar a fralda, muita fraqueza, estado físico péssimo quando ele saiu — explicou a dona de casa.
Esses relatos foram reunidos pelo Conselho Municipal de Saúde de Caxias e integram relatórios já encaminhados ao Ministério Público, que por sua vez abriu procedimentos para acompanhar os casos. A prefeitura também diz ter realizado visitas técnicas para apontar melhorias necessárias nos espaços.
Outro problema que o serviço de saúde enfrenta é o abandono de pacientes com transtorno mental. Algumas pessoas passam anos internadas em hospitais psiquiátricos, tendo um acompanhamento clínico, mas que não favorece a reinserção social. Uma alternativa nesses casos são os residenciais terapêuticos.
A Secretaria Municipal da Saúde não tem um levantamento específico sobre a situação de abandono. Mas, o município mantém quatro residenciais terapêuticos públicos. São casas que recebem os pacientes em vulnerabilidade e transtornos mentais graves de forma temporária ou permanente. Só que as 40 vagas existentes na cidade estão ocupadas e a alternativa acaba se tornando uma opção pouco provável.
Contraponto:
O responsável pela Clínica de Repouso, Nikolas Hauli, disse, por telefone, que a instituição já está providenciando adequações, mas que ainda não teve tempo hábil de avaliar todos os apontamentos feitos pelo Conselho Municipal de Saúde.
Já na Clínica Paulo Guedes, a secretaria disse, por mensagem de texto, que encaminhou o pedido de posicionamento à direção, mas a reportagem não teve retorno. A RBS TV também tentou contato presencialmente, mas ninguém atendeu a equipe.