O atendimento de toda a fila de espera da Educação Infantil em Caxias do Sul custará R$ 6 milhões a mais por mês para o município de Caxias do Sul. É o que aponta o cruzamento de dois dados: a lista de 5 mil crianças no aguardo pela colocação e o custo estimado de R$ 1,2 mil por vaga. A oferta das vagas foi definida em decisão do Supremo Tribunal Federal, com aplicação nacional, na última semana.
A demanda em Caxias se concentra na etapa de zero a três anos. Só nos berçários, uma das fases mais complexas, devido a exigências de cuidados adicionais por causa da faixa etária de até um ano, são 600 vagas necessárias. Atualmente, a administração municipal atende 3,8 mil crianças em creches.
A secretária municipal da Educação, Sandra Negrini, aponta que existe uma preocupação de que a decisão cause dois efeitos de impacto importante. Um deles é que o acesso das crianças em maior vulnerabilidade social fique prejudicado, porque as famílias com melhores condições financeiras poderão recorrer à Justiça com mais facilidade e obterem decisões favoráveis. Só no primeiro semestre foram 900 vagas judicializadas na cidade. De acordo com Sandra, o número poderia ser maior, mas ainda havia a possibilidade de argumentação de que a legislação não previa o atendimento:
— Imagina agora com essa decisão do STF. Antes, ainda conseguíamos algum respaldo em função de que não é obrigatório, em função de que temos um questionário socioeconômico, exatamente para verificar aquelas crianças que estão em maior situação de risco. Isso foi construído desde 2012 com todos os órgãos de proteção da criança, para que a gente pudesse atender aqueles que estavam em maior vulnerabilidade de risco, priorizando esses, e ampliando as vagas paulatinamente todos os anos, que é o que a gente tem feito.
Outra preocupação é de que a fila aumente ainda mais, porque a Secretaria começou a receber ligações no dia seguinte à decisão do Supremo de famílias que queriam saber se a definição já estava sendo cumprida. O temor é que pais que hoje pagam pelas vagas prefiram migrar para a rede pública, gerando uma dificuldade ainda maior para cumprir a tese da Suprema Corte.
— Nós entendemos que isso não veio a contribuir com a qualidade da educação. Nos pegou de surpresa e causou estranheza se passar a régua igualmente desconsiderando aquilo que já se tem no âmbito constitucional do que é e o que não obrigatório, e a imputação muito grande para os municípios para o atendimento dessa faixa etária - comenta, ao salientar que faltam investimentos federais para a ampliação da estrutura nos últimos anos e que mesmo o Ensino Fundamental, embora seja de responsabilidade compartilhada, é mantido principalmente pelos municípios.
Meta do PNE
O Plano Nacional de Educação prevê que até 2024 metade da demanda das creches seja atendida. Conforme Sandra, a tendência é de que esse número seja cumprido em Caxias do Sul, porque vagas têm sido criadas em escolas novas ou reformadas.
Decisão do STF
O STF entendeu que a oferta de vagas em creches e pré-escolas para crianças de até cinco anos é responsabilidade do poder público. Para a Suprema Corte, por ser um direito fundamental, essas vagas podem ser exigidas de forma individual. O posicionamento, firmado no último dia 22, foi fixado devido a um recurso do município de Criciúma contra uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que obrigava a administração municipal a matricular uma criança em uma creche.
No STF, a prefeitura de Criciúma defendeu que o poder público deveria cumprir a oferta de vagas dentro das possibilidades orçamentárias e que a Justiça não poderia interferir na atuação do município. A tese não foi acatada.
Sobrecarga aos municípios
Para a Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), a decisão do STF coloca a destinação de vagas da Educação Infantil na mesma prateleira do que hoje é realizado para os ensinos Fundamental e Médio. O presidente da entidade, Paulinho Salerno, aponta que são realidades distintas que sobrecarregarão os municípios com a obrigatoriedade por vagas.
— Quem precisava de vagas eram as mães de baixa renda que precisavam trabalhar e os municípios garantiam as creches, hoje não, deve ser destinado a todos. Não há mais como se distinguir quem pode bancar a escolinha o não — explicou Salerno, que diz ser preciso levar em conta a realidade distinta entre os municípios.
De acordo com dados levantados pela Famurs, atualmente são 176.937 matrículas na Educação Infantil, sendo que 117.517 estão nas escolas municipais. Para Salerno, o número demonstra que os municípios vêm ampliando a oferta de vagas, mas a nova obrigatoriedade pode deixar o cobertor mais curto.
— Atualmente são 384 mil crianças de zero a cinco anos fora da sala de aula. Atender 50% da demanda até 2024, como pede o STF, é o motivo da nossa preocupação. Não há como comprar todas as vagas na rede privada, que nem poderia atender toda a demanda.
Prioridade constitucional
A GZH, Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), disse que a dificuldade orçamentária dos municípios é compreensível, mas que os brasileiros que mais precisam de vagas são a população mais vulnerável. Para financiar a universalização das vagas, ele sugere prever mais verbas para a educação nos orçamentos do Poder Executivo, inclusive em nível federal, e implementar o Sistema Nacional de Educação (SNE), uma espécie de Sistema Único de Saúde (SUS) educacional.
— A Constituição assegura a absoluta prioridade ao jovem, e isso deve se traduzir nos orçamentos e nas políticas públicas. A Constituição diz que a Educação Infantil é atribuição dos municípios, mas também diz que a União deve atribuir auxílio financeiro. É a hora de o federalismo ser colocado em prática e de colocarmos em termos materiais o Sistema Nacional de Educação — defendeu Miola, em entrevista a GZH.