Levar a literatura para além das paredes da biblioteca, com rodas de conversa, reflexões e, por que não dizer, acolhimento? Este são alguns dos objetivos do projeto Sou Visível, que começou recentemente com pessoas em situação de rua de Bento Gonçalves. Com previsão inicial de ter 12 encontros, a iniciativa tem gerado resultados tão positivos que a decisão é por manter as reuniões ao longo deste ano, sem prazo para encerramento.
Os encontros ocorrem todas as segundas-feiras, na Casa de Passagem do município, localizada no bairro Maria Goretti. O espaço atende homens e mulheres em situação de rua, com capacidade para acolhimento de até 25 usuários. A participação no projeto da Biblioteca Pública Castro Alves é opcional.
A dinâmica varia a cada encontro. Nesta segunda-feira (1°), os participantes sentaram em círculo. No meio, estavam posicionados alguns materiais que foram utilizados nos cerca de 50 minutos de duração. Tudo começou com a leitura da frase "A mente apegada a acontecimentos, fatos e pessoas é incapaz de perceber a sua essência". Depois, os participantes foram convidados a opinar sobre o que entenderam.
— Quando a gente fica apegado ao passado, não consegue seguir em frente — opinou um homem, que preferiu não ser identificado e participava pela primeira vez da iniciativa.
Depois, a orientadora educacional da biblioteca e mediadora da atividade, Claudia Refatti Benato, fez a leitura de um trecho do livro Contos que Curam. Da mesma forma, todos puderam manifestar suas próprias interpretações. A mediadora instigava com questionamentos para que os participantes falassem sobre suas próprias experiências de vida. O texto lido propunha uma reflexão sobre o autoconhecimento.
— Depois de ler o conto e de debatermos, será que a gente está disposto a mudar nosso pensamento? — questionou a mediadora.
— Acredito que sim, porque eu estou vindo de uma recaída muito feia e hoje parei para pensar nos meus erros que eu cometi e tô pagando. Só que hoje minha mente mudou em muita coisa. Vou continuar na batalha, me sinto feliz —relatou outro participante.
Ao final, o grupo participou de uma atividade com copos, água e esponja e puderam falar sobre as suas emoções. O encontro encerrou-se com a leitura de uma mensagem sobre gratidão.
Cláudia lembra que o projeto Sou Visível foi construído a partir de uma sugestão de uma usuária da biblioteca. Ela notou que o espaço era frequentado por pessoas em situação de rua e sugeriu que houvesse um acolhimento maior deste público, por meio de alguma atividade.
— Montamos este trabalho em cima dos círculos de construção da paz, no qual eu sou formada, para tentar mostrar outro caminho para eles. A biblioteca fica aberta para todos, mas alguns nos colocaram que nem sabiam o endereço — relatou a orientadora educacional.
— Eles deixam de ser invisíveis, que é justamente o nome do projeto — acrescentou a estudante de Biblioteconomia, Patricia Lemos Kaercher.
"Se não fosse por isso aqui, eu não sei onde estaria hoje", diz participante
Há dois meses na Casa de Passagem, um homem de 38 anos é a prova de que boas ações podem inspirar uma mudança de vida. Participante desde o primeiro encontro, ele pretende voltar a estudar e completar o Ensino Médio. A inscrição na Educação de Jovens e Adultos (EJA), inclusive, foi buscada nesta segunda-feira.
— Através das rodas de conversa, estou me capacitando e me senti motivado a voltar para os meus estudos. Errei, paguei meus erros e agora só tenho que agradecer a Deus pelas novas oportunidades — afirmou.
Natural de Machadinho, ele relata que começou a usar drogas com 12 anos, saiu de casa aos 13 e passou por diferentes Estados. Com a ajuda do município, o participante está conseguindo se recuperar e pretende nunca mais se envolver com os vícios.
— Se não fosse por isso aqui, eu não sei onde estaria hoje — avaliou.