Transitar por trechos de muita lama e com centenas de buracos tem sido parte da rotina de moradores dos Campos de Cima da Serra nos últimos meses. Para turistas que visitam a região, chegar às pousadas se tornou um desafio e, para produtores de hortifrútis, o escoamento da produção e a chegada de insumos pelas vias mais curtas beira o inviável.
A situação vivida no interior do município de São Francisco de Paula motivou a criação de duas associações que clamam por um olhar mais atento das autoridades para trechos precários da RS-110 e RS-484.
A primeira delas, RS-110, sofre com a falta de manutenção em um trajeto de quase 30 quilômetros que liga o centro de São Chico, na RS-020 à Rota do Sol. Por ali, a condição da estrada tem feito turistas chegarem de mau humor à pousada idealizada por João Tedesco, 62 anos. Fundada em 2017 e com cerca de 10 mil hóspedes recebidos por ano, a Tedesco Eco Park virou um modelo de hospedagem na região ao proporcionar a experiência de camping com conforto. Mas a estrada que leva ao empreendimento, segundo Tedesco, tem assustado os visitantes de todas as partes do país.
— Conseguimos manter a clientela, porque entregamos muito mais que as pessoas esperam, tentamos surpreendê-las para que a estrada se torne irrelevante, mas as pessoas chegam lá destruídas — descreve Tedesco.
O transtorno vai além do turismo e alcança a educação das crianças que nunca têm certeza se o transporte conseguirá levá-las para a escola ou simplesmente buscá-las em casa. De acordo com o produtor rural Fábio Fogaça, 56, a estrada contava com três linhas de ônibus no passado, atualmente extintas pela falta de condições de tráfego.
—Semana passada, com sol, tinha dois atoleiros e o transporte escolar não conseguiu passar. São três alunos que vão a Lajeado Grande e outros seis que vão para São Chico— explicou Fogaça que acompanhou, nos últimos dias, o resgate de uma Kombi que levava os alunos para as aulas.
Há também quem não consiga chegar ao trabalho por conta da lama e dos buracos na RS-110. De acordo com João Tedesco, que emprega 25 pessoas, a falta de infraestrutura afasta a mão de obra dos empreendimentos no trecho.
—É uma loteria, eles não querem mais ir trabalhar, destrói o carro. Estamos com dificuldade de manter a mão de obra. Se tu chegar hoje em São Chico pra procurar um carro que te leve pra RS-110, ninguém vai querer fazer a viagem— lamenta o empreendedor que tem na falta de manutenção da estrada a principal reclamação.
—Se patrolassem duas vezes por ano, chegava, ela estava em pleno estado de conservação há cinco anos, mas a falta de manutenção destruiu ela — opinou.
Para contornar a situação e levar as queixas ao governo do Estado, responsável pela rodovia, uma associação recém-criada já conta com centenas de assinaturas em uma petição on-line pela manutenção urgente da estrada. Para o presidente da Associação dos Moradores do Entorno e Usuários da RS-110, Jonas Fonseca, a má conservação do trecho atrapalha a vida de todos que dependem dele.
—Essa estrada encurta caminho até cidades como Jaquirana e Caxias do Sul e facilita a remoção de pacientes a hospitais — explicou.
Não muito longe dali, na Serra do Umbu, em Tainhas, as pedras aparentes na RS-484 e a lama que se forma em dias chuvosos inviabiliza o escoamento da produção e a chegada de insumos às propriedades do interior. De acordo com o produtor Marcos Moraes, são cerca de oito quilômetros intransponíveis para caminhões carregados. O caminho é ligação entre a RS-020, em São Francisco de Paula, e a BR-101, em Maquiné.
— Tenho um conhecido que faz 110 quilômetros a mais pela Rota do Sol para chegar na minha propriedade na localidade de Potreiro Velho. Agora terminou a colheita, começa a entrar muita carreta com adubo para as lavoura de batatas — explicou Moraes, que preside outra associação criada em julho, específica para a RS-484. O grupo também reúne assinaturas na tentativa de sensibilizar o Estado.
O que diz o Daer, responsável pela manutenção das duas estradas
A autarquia informa "já atuou na ERS-110 nos meses de junho e julho. E está novamente executando melhorias nas condições de trafegabilidade da rodovia. Ainda, desde o final de junho executa reparos emergenciais na ERS-484. No entanto, por se tratarem de estradas de chão, cabe ressaltar que as condições climáticas e o trânsito de veículos pesados, especialmente de caminhões e bitrens, impactam no estado dessas vias. Por essa razão, as intervenções em ambas são realizadas periodicamente."