Atingido por um bombardeio na cidade de Kharkiv, na Ucrânia, em 1º de julho, Douglas Búrigo, 40 anos, morreu como um herói. As palavras são de Sandro Silva, 37, comandante do pelotão onde o gaúcho, natural de São José dos Ausentes, atuava depois de se unir às tropas ucranianas. Dodo, como era chamado por amigos e familiares, deixou a cidade natal em 22 de maio, e se comunicou com a família pela última vez em 27 de junho.
Tenente da reserva do Exército, Silva comanda o grupo de soldados formado por brasileiros, colombianos e espanhóis. Ele estava com Douglas quando, segundo conta, a tropa foi atacada na última sexta-feira (1º). Coube ao comandante a missão de avisar a família da morte do morador da Serra, que conheceu por pouco tempo, mas o suficiente para considerar um homem incrível, e com um astral capaz de elevar a tropa:
— Douglas era um cara sensacional. Uma hora antes de sermos atacados, ele tinha ido buscar água para eu tomar banho. Fazia dias que eu não conseguia tomar banho e ele foi lá e buscou em um balde e disse para eu ir. E eu estava de bermuda, me preparando para o banho, quando fomos surpreendidos. Ele passou pouco tempo com a gente, mas era um cara sensacional. Fez amizade com todo mundo e estava contente de ajudar e de estar com a gente — lamenta o comandante.
Silva conta detalhes sobre o bombardeio que matou Douglas e a paulista Thalita do Valle, 39 anos. Ele e outro soldado brasileiro estavam com os dois em um vilarejo, durante uma missão de reconhecimento. Eles montaram bases temporárias em sobrados e diz que foram atacados por drones no terceiro dia da missão. Eles estavam em uma moradia chamada de casa de segurança e conta que foram surpreendidos pelos drones. Depois da primeira explosão, o grupo buscou proteção no bunker.
— Fomos numa missão de reconhecimento em um vilarejo que já havia sido evacuado em busca de civis, porque muitos insistem em ficar e correm risco. Às vezes, levam alguns dias essas missões e nós montamos acampamento em uma casa abandonada. Era uma missão humanitária, mas infelizmente, nós fomos descobertos pelas tropas russas. Eles (russos) nos descobriram com drones e nós fomos bombardeados. Atacaram a nossa casa de segurança. Quando o primeiro disparo atingiu a moradia todo mundo correu para o bunker, nosso abrigo subterrâneo, e a princípio ele é seguro, quem está lá dentro, fica em tese seguro. No terceiro disparo eu ouvi um som diferente, não era um morteiro — conta Silva referindo que se tratava de uma munição incendiária, o que, segundo ele, é proibido, e configura crime de guerra.
O outro soldado, também brasileiro, subiu a escada até a ponta do bunker e viu que tinha muito fogo, que começava a se espalhar e tinha muita madeira no assoalho. Foi então, que o comandante decidiu que o grupo tinha que sair, e eles tinham poucos segundos para sair em meio ao fogo, entre um disparo e outro.
— Tinha que ser uma evacuação rápida, e eu saí pelo buraco que um dos disparos fez onde era um quarto da casa. O soldado saiu, e eu saí em seguida, e o Douglas estava logo atrás de mim. Eu vi ele. A ordem foi clara: todos tinham que sair e rápido, naqueles poucos segundos. Veio mais um disparo, me queimei, machuquei as costelas e, em princípio, os dois estavam vindo. Corremos e nos abrigamos na mata, e foi quando eu percebi que eles não estavam conosco. Olhei pra cima, da mata, e vi um drone e eu gritava: "Douglas e Thalita". Mas veio outro disparo que atingiu a casa.
O outro brasileiro contou ao comandante que Douglas voltou para casa, que logo depois foi atingida por outra explosão. Quando a o bombardeio cessou, pediram reforços e voltaram para a casa onde Douglas e Thalita estavam. Com baldes de água tentaram apagar o foco de incêndio e avistaram o corpo de Douglas ao passar por uma janela.
— O Douglas estava vindo e eu olhei para trás e não vi mais ele, porque ele voltou para ajudar a Thalita e com a explosão ele ficou preso na casa. Quando voltamos, vi que havíamos perdido ele. A Thalita estava no bunker desacordada e tiramos ela de lá, tentamos fazer massagem cardíaca, mas ela não resistiu, e morreu asfixiada. Ele morreu como um herói. Voltou para salvar ela.
Despedida
A família de Douglas decidiu que irá autorizar a cremação do gaúcho para que as cinzas sejam trasladadas para o Brasil. Para que o procedimento seja realizado, a família precisa assinar um documento, mas não há definição de quando eles vão receber essa documentação.
A família e amigos de Douglas organizaram uma missa de sétimo dia. A celebração ocorre nesta sexta-feira (8), às 19h, com transmissão pelo Facebook do padre André Varisa, da paróquia de São José dos Ausentes.