A saúde pública de Caxias do Sul vive dias de expectativa com o anúncio da contratação de 30 novos médicos para as unidades básicas de saúde (UBSs). Aprovado na Câmara de Vereadores, o projeto que pretende solucionar o déficit de 31 profissionais nas UBSs nasce com a dúvida das entidades ligadas à saúde que não têm certeza se os médicos irão aderir ao concurso.
O texto também prevê a extinção das 50 vagas que hoje trabalham com carga horária semanal de 12 horas. Um dos argumentos do Executivo, autor do projeto, é que as vagas a serem extintas não contam com recursos federais para serem mantidas, diferente das novas vagas a serem abertas.
De acordo com a Secretaria da Saúde, o edital para o novo concurso será aberto ainda neste mês. As novas equipes que trabalharão 20 horas semanais nas UBSs do município estarão cadastradas no Ministério da Saúde que, dessa forma, pode aportar recursos para o pagamento dos honorários. Ainda segundo o projeto, o salário é de R$ 7.851,30.
A secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, aponta que em outras oportunidades alguns médicos não atenderam os pedidos de nomeação após serem aprovados no concurso, e espera que isso não volte a ocorrer, pois o aumento da carga horário foi uma demanda da categoria.
— Temos bastante procura por contratos emergenciais de 20 horas, o modelo foi solicitado pelos médicos e esta é uma tentativa do Executivo de suprir a demanda, mesmo que não haja a garantia de que o concurso e as nomeações totalizem a necessidade do município. Vai depender dos médicos atenderem as nomeações — acredita Daniele.
Caso a adesão não ocorra, a Secretaria de Saúde já trabalha com outras opções para preencher a falta de profissionais nas UBSs. O modelo de terceirização não é descartado por Daniele, ainda que a alternativa possa representar um prejuízo no vínculo entre médicos e comunidade.
— A primeira opção é pelo concurso, para dar continuidade ao trabalho. A tentativa é sempre manter a fidelização, e a terceirização prejudicaria um pouco essa questão. Não sendo suficiente (o concurso) iremos buscar novas alternativas, inclusive com a telemedicina — salienta a secretária.
Presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, Rafael Bueno diz que há defasagem de 31 médicos nas unidades básicas de saúde (UBSs), mas não acredita que mais um concurso irá atrair novos profissionais — a secretaria confirma que são cerca de 30 vagas em aberto. De acordo com o parlamentar, é preciso remunerar melhor os profissionais que não se sentem atraídos pelo setor público, ainda que o salário para esta última contratação tenha sido divulgado em R$ 7.851,30.
— Eles ganham em plantões o que ganhariam em um mês para trabalhar na UBS. Se não acharmos uma solução, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) terá mais procura e irá congestionar o sistema. A porta de entrada para o tratamento de saúde é a UBS e, não tendo oferta de médicos lá, a demanda ficará represada na UPA. O concurso é uma boa iniciativa da administração municipal, mas não irá resolver — pondera Bueno
A solução para o vereador é encontrada em um modelo já utilizado em Bento Gonçalves. A terceirização de profissionais através da contratação de uma empresa ou uma espécie de convênio com os médicos é a saída defendida por ele.
Bento Gonçalves adotou, em 2020, o sistema defendido pela Comissão de Saúde do Legislativo caxiense. Vencedora de um processo licitatório, uma empresa fornece ao município as horas médicas necessárias para o atendimento das unidades. De acordo com a secretária de Saúde, Tatiane Fiorio, um levantamento foi realizado e definiu a demanda de cada estrutura que recebe a população.
Divididos em três modelos de contrato, os médicos clínicos, especialistas e de estratégia da família são contratados e pagos por hora de trabalho pela empresa vencedora da licitação. A secretária de Saúde de Bento confirma que o modelo é mais oneroso que a contratação dos tradicionais concursados, mas foi a forma encontrada para atrair os profissionais e garantir o atendimento à população.
— A prefeitura tem um custo maior, mas na prestação de serviços o modelo é mais eficaz, os médicos batem o ponto e no final do mês vem a nota fiscal com o relatório — explicou Tatiane, ressaltando que a empresa tem a responsabilidade de não deixar faltar médicos nos locais de atendimento.
Quem também não acredita na solução através de mais um concurso é o presidente do Conselho Municipal de Saúde, Alexandre de Almeida Silva. Para ele, a iniciativa é válida, mas não suficiente.
— É preciso fazer um concurso atrativo. É uma pena que tanto o Legislativo quanto o Executivo demorem para conhecer outros exemplos de contrato e estudar a viabilidade de implantação em Caxias — lamentou Silva.
Aposentada desde 2018, a ginecologista e obstetra Rosana Winkler trabalhou por 20 anos na rede básica. Entre as UBSs dos bairros Vila Ipê, Kayser, Planalto Rio Branco e São Ciro acompanhou o crescimento das pacientes e sabe que o amor pela profissão é o que move o interesse dos profissionais à rede pública. Sobre o desinteresse da categoria, cita as condições de trabalho e o salário como principais dificultadores.
— Eu ganhava bem menos, mas acho interessante o vínculo do concurso público, te dá estabilidade e ensina muito. O salário deveria ser maior. A responsabilidade, principalmente dos obstetras, é muito grande — opinou a médica.
Demanda nas UPAs
A busca da comunidade pela UPAs Zona Norte e Central, citada pelo vereador Rafael Bueno, é comprovada pelo movimento constante de entrada e saída de pacientes na unidade da Rua Marechal Floriano. Na última sexta-feira (18), enquanto esperava o resultado de exames da filha, a lavadora de carros Maria Angélica de Lima, 30 anos, confidenciou à reportagem que prefere buscar atendimento no Centro por ter a garantia de ser recebida por um médico.
Com um curativo no olho esquerdo, o modelista Wellington Camargo Martins, 23, foi à UPA Central, pois sabia que não encontraria oftalmologista na UBS. Morador do bairro São Cristóvão, já procurou atendimento na UBS Ana Rech em outras oportunidades, mas foi encaminhado à outra unidade.
— Eles mandam direto pra cá (UPA), porque não têm condições de atender — revelou.
Com o resultado do raio-X que realizou há oito dias, Ana Garcia, 28, lembrou de quando consultou com o ginecologista da UBS Esplanada e foi muito bem atendida.
— Diferentemente da UPA, que quando machuquei o joelho esperei atendimento durante toda a tarde.
Sindicato quer aumento de 52,84%
O sindicato médico de Caxias do Sul já disparou um e-mail que não recomenda aos profissionais procurarem o concurso da prefeitura. A informação é do presidente da entidade, Marlonei Silveira dos Santos, que negocia um valor mais próximo ao último piso divulgado pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam). Em janeiro, após aplicada a correção de 10,16% do INPC, a base salarial dos profissionais ficou em R$ 17.742,78 pela carga horária semanal de 20 horas.
Santos admite que o valor é alto e negocia um acréscimo de 52,84% dos R$ 7.851,30 divulgados pela prefeitura. Os contratos emergenciais realizados pelo Ministério da Saúde, que segundo ele pagam R$ 11 mil aos médicos contratados para trabalhar em hospitais universitários, são usados para justificar o pedido de aumento.
— Não quer dizer que seja R$ 17 mil ou nada. O sindicato de Caxias negocia um salário de R$ 12 mil pelas 20 horas semanais. Se vão ter ajuda federal, podem pagar o que o Ministério paga. Vai ter pouca procura. O salário divulgado não é atrativo e nem recomendado pelas entidades médicas. Pode até ser que sejam preenchidos os cargos, mas por médicos recém formados, que irão deixar o cargo quando conseguirem a residência médica — afirmou o presidente do sindicato.