Após quatro dias de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital do Círculo, em Caxias do Sul, menos de cinco minutos com um óculos de realidade virtual, associado a dois controles, foram suficientes para animar o dia de Johnatan Machado dos Santos, 29. Após a experiência, levada até ele pela equipe do hospital na manhã desta terça-feira, 8 de março, ele já planejava contar à esposa sobre a novidade.
— Tu sai do teu mundo e vai pra outro. É uma experiência muito boa, que nem sempre a gente tem — afirmou o paciente, que mora no bairro Brandalise, em Caxias do Sul, e seguirá internado em tratamento por tempo indeterminado.
A tecnologia que chegou até ele vem sendo disponibilizada a pacientes do Círculo há cerca de oito meses, quando o primeiro equipamento foi adquirido. Desde então, a tecnologia vem sendo aliada na recuperação de adultos e crianças que passam por tratamentos neurológicos, ortopédicos, oncológicos e cardiorrespiratórios; além de garantir uma estadia mais leve a pacientes submetidos a longos períodos de internação.
Em 28 anos atuando como médica intensivista, Ana Paula Camassola, 54, relata ter passado por inúmeros protocolos de recuperação de pacientes em condição de UTI e diz enxergar também como uma forma de humanização a inserção desta tecnologia no cotidiano dos pacientes.
— Eu fico até emocionada, porque o paciente de UTI fica muito restrito. Aqui temos janelas, o ambiente já é um pouco diferenciado, mas normalmente a UTI é aquela "caixinha" onde o paciente perde a noção de dia e noite, não sabe como entrou, acorda confuso e, assim, é possível criar um outro mundo no qual ele possa atuar e interagir e ter uma recuperação melhor — conclui a médica.
Uma ferramenta inovadora
Cada vez mais acessível e difundida em diversos âmbitos do cotidiano, a realidade virtual ainda é novidade para área da Saúde, conforme explica o fisioterapeuta Ney Ricardo Stedile. O profissional coordena o setor de fisioterapia do Hospital do Círculo, no qual a tecnologia foi introduzida como ferramenta após uma avaliação multidisciplinar. Segundo Stedile, a tecnologia de imersão 3D ainda é pouco utilizada, o que torna a experiência do hospital caxiense referência para outras instituições.
— Até o Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), de São Paulo, nos procurou. Da região é algo que só o Hospital do Círculo tem. Não existem grandes protocolos ou grandes artigos, ainda, sobre a realidade virtual, ela é muito nova na área da reabilitação e da Saúde, por isso que a gente está conseguindo fazer aqui muitas experiências com nossos pacientes — afirmou o fisioterapeuta.
Segundo ele, a realidade virtual foi introduzida a partir da necessidade de utilizar a tecnologia em favor da Saúde, um movimento que se intensificou com o início da pandemia. Ele afirma que os óculos vem sendo usados com o intuito de potencializar os resultados dos pacientes em reabilitação, algo que, segundo ele, foi notório desde o primeiro paciente.
— Nós fizemos o teste em um paciente com uma doença neurológica e conseguia ficar, no máximo, dez segundo em pé. Ele ficou sentado realizando ações na realidade virtual e, quando o colocamos em pé novamente, permaneceu por 25 segundos. Este ambiente imersivo consegue conectar muito bem o cérebro e o corpo e garante mais concentração do paciente, potencializando o resultado. Esse é nosso principal objetivo — relatou.
Segundo ele, o óculos de realidade virtual, assim como um robô que interage com os pacientes, noticiado pelo Pioneiro em janeiro deste ano, abriu um leque de possibilidades que vem sendo pensadas para o Hospital do Círculo. O próximo projeto com a tecnologia 3D será voltado para a linha de cuidado em prótese de quadril. A ideia, segundo Stedile, é realizar um mapeamento do hospital para que, antes de ser submetido à cirurgia, o paciente possa conhecer, por meio da realidade virtual, todo o procedimento a ser realizado.
Como funciona
A adesão do Círculo ao óculos 3D foi consolidada em uma parceria com a clínica de fisioterapia Mobilitare Saúde e a Núcleo Sistemas, empresa caxiense de tecnologia que desenvolveu os programas utilizados com os pacientes, aplicados conforme um protocolo desenhado por profissionais do Círculo.
São disponibilizadas pelo aparelho três atividades com exercícios de fisioterapia, além do acesso a ambientes diferentes do hospitalar, algo que também contribui para a recuperação de pacientes, afirma Stedile.
— São exercícios que desenvolvem o equilíbrio, a força muscular, o controle motor, em diferentes níveis de dificuldade, e que também proporcionam uma resposta neurológica mais efetiva. Elegemos os pacientes conforme o plano terapêutico de cada um, há um momento certo para usar e o paciente precisa dispor de um mínimo de conexão e comunicação para que, caso não se sinta bem, por exemplo, ele consiga comunicar. Também, por este motivo, usamos somente em crianças acima de oito ou nove anos de idade — explica.
Seja na sala de reabilitação ou no leito de UTI, são realizadas duas a três sessões ao dia, com duração de até 15 minutos — que segundo Stedile, chegam a equivaler a uma hora de atividade convencional. Dependendo das condições, pacientes entubados também têm acesso ao óculos que, de acordo com o fisioterapeuta, faz com que respostas neurológicas sejam conquistadas mais precocemente após um longo período de imobilidade por conta da internação.
Para além dos resultados clínicos constatados até então, o aspecto lúdico também tem justificado, cada vez mais, o uso do aparelho, conforme também constata a fisioterapeuta Daniele de Gasperi, que acompanha a experiência de seus pacientes no Círculo.
— Além da boa resposta de reabilitação, é um universo lúdico que melhora a experiência, especialmente para as crianças — observa.