No primeiro dia de aula após a nova determinação do governo do Estado, que passa a recomendar e não mais obrigar o uso de máscara para crianças entre seis e 12 anos, nada havia mudado na maioria das escolas de Caxias do Sul. A reportagem circulou por colégios da rede municipal e estadual. O cenário era o mesmo visto desde que as aulas presenciais recomeçaram: os estudantes seguiam desembarcando dos carros e das vans com o item de proteção no rosto.
— Ele sempre usa máscara onde vai e na escola não será diferente. Fui contaminada com covid-19 e ele ficou em isolamento comigo. Hoje (segunda-feira) é o primeiro dia de aula dele nesse ano, e ele não pegou porque se cuidou em casa. Vai seguir usando. Ele já está acostumado — defende a auxiliar administrativa Amanda Ramborger 40 anos, mãe de Lorenzo Ramborger Finimundi, nove, estudante do Colégio Estadual Henrique Emílio Meyer.
Breno Cabral Martins, nove anos, também estuda no Emílio Meyer. A mãe dele tem a mesma opinião:
— Meu filho tem bronquite asmática, e ele vai continuar com o uso da máscara. É uma proteção a mais para ele que já tomou a primeira dose da vacina — afirma Micheli Padilha Cabral, 33, balconista e mãe de Breno.
O taxista Celentino Souza Gomes, 64, também é a favor que os netos Pietro, seis, e Antony, 10, que estudam na Escola Municipal de Ensino Fundamental Laurindo Formolo, sigam com o uso de máscara:
— Eles não saem de casa sem, para ir a lugar nenhum, e levam sempre duas. Tem que usar, sim.
Em outra instituição da rede municipal, a Catulo da Paixão Cearense, as crianças também desciam do carro e colavam as máscaras para entrar na escola. O empresário Márcio Roder, 45, deixou a filha Natália Mota Roder, oito anos, na porta do colégio. A menina estava com o acessório.
— A decisão é muito recente ainda. Acho que depois, com o tempo, todos vão ir desobrigando, mas ela segue uma recomendação, e se a escola recomendar por enquanto ela vai usar. Mesmo que não seja obrigado. Acredito que não precise mais usar, mas vamos ver.
Para Débora da Rosa, 30, a decisão é positiva.
— Não acho que a máscara realmente proteja. Acho que já estava mais do que na hora. Se não é mais obrigado a usar, eles não vão usar. Não acredito que a máscara faz a diferença — ressalta ela, que é mãe de Sandro Andriel da Rosa Pinto, 11, e de Sandro Emanuel da Rosa Pinto, seis.
Nas particulares, pais aguardavam posicionamento das direções
No Colégio São José, praticamente todos os alunos utilizavam máscaras na entrada do turno da tarde. O fim da obrigatoriedade era um assunto que gerava questionamentos pelos pais, principalmente sobre qual a orientação a escola iria seguir. Uma destas mães era Kelen Berra de Mello, que acompanhou os filhos Rafael, 11, e da Camila, seis, até o portão do colégio.
— Vamos continuar usando (a máscara) porque o momento ainda requer cuidados. Continuaremos com nossos cuidados. Faz 21 dias que meu filho pegou (a covid-19). Temos que cuidar um dos outros e manter a máscara. Conversamos com alguns pais, principalmente na turma dos pequenos (de seis anos), e a maioria se manifestou por continuar usando.
Entre os que apoiam a flexibilização está Eliandro Nunes, 42, pai de Vicente, quatro, e Mateus, oito. Ele reconhece a importância da máscara contra o vírus, mas opina que é difícil as crianças fazerem o uso correto da proteção. Ainda assim, ele mantinha os filhos de máscara e aguardava os próximos passos.
— Estamos um pouco receosos de fazer a mudança e aguardando orientação de escola, que provavelmente a maioria (dos pais) irá acatar. Particularmente, não vejo tanta necessidade para esta idade. As crianças acabam tendo contato, não tem a mesma noção de cuidado que os adultos tem. Então, acho que foi válido esta mudança (na regra). Acho importante a máscara, mas, na prática, não é tão válido (para as crianças) — avalia.
No final da manhã, a direção do Colégio São José emitiu uma nota oficial recomendando o uso de máscara, mas salientando que cada família deve tomar a sua decisão.
— Um decreto nos cabe cumprir, mas aconselhamos o uso de máscara. A nossa preocupação é que sabemos que um grande grupo das crianças nessa idade não estão vacinadas. Os dados científicos e estatísticos apontam que a máscara protege contra a contaminação. A própria justificativa do decreto diz isso. Por isso, o que estamos dizendo aos pais é para usar a máscara para continuarmos lutando contra o coronavírus — explica o vice-diretor Jorge de Godoy.
Uma preocupação da direção do São José é com os colaboradores. O temor é que uma escalada na contaminação leve até a suspensão de aulas presenciais.
— Um ou outro professor conseguimos substituir. Agora, corremos o risco de não ter equipe suficiente. Por isso, a orientação aos colaboradores é para intensificar ainda mais os cuidados para deixar a sala bem arejada, intensificar a higienização de mãos e objetos e evitem contato próximo por tempo exagerado com quem está sem máscara. Queremos manter as aulas num padrão de normalidade — aponta Godoy.
O que muda na prática
Tanto o município, quanto o Estado já informaram às escolas que passam a seguir o decreto estadual 56.403, de 26 de fevereiro de 2022, que recomenda e não mais obriga o uso de máscaras de proteção facial por crianças de seis a 11 anos, de forma supervisionada.
Conforme o parecer técnico do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) da Secretaria Estadual da Saúde, no caso do público de seis a 11 anos, é necessário observar a capacidade individual da criança de manipular a máscara; a supervisão de adulto para orientações sobre retirada e colocação; a higienização correta nas mãos para a substituição do adereço; bem como a interação que a criança tem com pessoas com alto risco de desenvolver doenças graves, como idosos ou pessoas com comorbidades.
A secretária da Educação de Caxias, Sandra Negrini, reforça que a pasta seguirá a determinação do novo regramento estadual. Neste sentido, as crianças de seis aos 11 anos serão orientadas quanto a não obrigatoriedade do uso de máscaras, mas também sobre ambientes que permitam esta condição.
— Tem que ser avaliado a capacidade individual de cada um de usar a máscara, os espaços e organizações das escolas. Tem também a questão da tolerância da criança ao uso, especialmente, a que está em processo de alfabetização. Temos que analisar o contexto e cada situação. O parecer técnico traz todas essas ponderações, inclusive, aponta que se o número de casos aumentar na cidade, a medida será revista para assegurar a segurança de todos da comunidade escolar.
A titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação, com sede em Caxias, Viviane Devalle, ressalta que informaram às equipes que houve a publicação do decreto que torna recomendação o uso da máscara para essa faixa etária.
— As escolas já estão avisadas, de posse do novo decreto e estão comunicando as famílias.
O que dizem as escolas
A diretora do Colégio Estadual Henrique Emílio Meyer, Fabiane Zanettini, afirma que todos os alunos estavam de máscara:
—A nossa recomendação é que permaneça com o uso de máscara. A escola vai continuar sugerindo que eles usem, principalmente, dentro da sala de aula. Nós não podemos, e não vamos obrigar a usar, mas vamos sugerir, recomendar, pedir, orientar. Para isso, vamos seguir contando com o apoio dos pais e dos professores.
A diretora da EMEF Catulo da Paixão Cearense, Adriana Restelatto, destaca que a escola segue o que Smed recomendou:
— Lemos atentamente o decreto, e diz que se a criança tem a condição de usar a máscara, de manusear a máscara, se tem a supervisão, segue a orientação de usar. Vamos manter essa recomendação de uso em sala de aula, não é obrigatório, mas é recomendado. Temos reunião amanhã com a Smed sobre diversos assuntos e este estará na pauta. Após a reunião irá orientação por escrito às famílias.
O Colégio La Salle Carmo não teve aulas nessa segunda-feira (28) em função do Carnaval. O diretor Roberto Carlos Ramos aponta que o decreto será acatado, mas a equipe ainda discute sobre a forma de trabalho. A orientação aos pais será dada na próxima quarta-feira (2).
— Em dezembro já havia um movimento semelhante pela flexibilização do uso de máscaras. Pessoalmente, acredito que a escola precisa acompanhar os movimentos da sociedade e, neste sentido, concordo com o decreto. Temos que considerar que em outros lugares da sociedade já não se usam as máscaras.
Número baixo de vacinados não recomenda a flexibilização, afirmam infectologistas
A Sociedade Riograndense de Infectologia ressalta que o uso de máscara ainda cumpre um importante papel contra o coronavírus. Em entrevista a RBS TV, a diretora de comunicação Andréa Dal Bó argumentou que os números não recomendam a flexibilização e pediu bom senso aos pais e educadores..
— Temos uma cobertura vacinal muito baixa nessa faixa etária (até 12 anos). No Estado, gira em torno de 40%. Em Caxias, é ainda inferior a isso. Temos uma cobertura vacinal muito baixa para pensar em situação de redução viral ou de ocorrência da covid-19 nessa idade. Lembrando que tivemos um aumento de infecções nesse ano, com casos graves de covid-19 e hospitalizações de crianças em faixa etária de cinco a 11 anos.
Sobre quem se vacinou, a infectologista lembra que a maioria das crianças só tomou uma dose. Sobre a necessidade de ser uma obrigatoriedade por parte do governo, Andréa salienta que a proteção é maior quando todos usam máscara de forma correta.
— Se temos metade sem (máscara) e metade com, essa proteção reduz consideravelmente. Para as pessoas que não se vacinaram, independentemente de serem crianças ou adultos, a covid-19 ainda é uma doença grave, que leva a hospitalização até o óbito. A máscara ainda é uma proteção, uma barreira importante. Isso também vale em relação ao distanciamento social. São duas medidas associadas a vacinação que podem proteger — ressalta a infectologista.
Uso é um processo educativo
Em entrevista ao programa Atualidade da Rádio Gaúcha, a Diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS), Cynthia Molina Bastos, ressaltou que o uso de máscara tem que ser feito com a supervisão de um adulto.
— Tem que ser orientado como tirar e colocar, que a máscara não gere prejuízo para interação com os amigos. Não significa que não é para usar, que liberou geral, na realidade, é um processo educativo. A transição que se espera é sair desse uso para que seja usado apenas por quem precisa. Vamos poder flexibilizar em casos onde compromete o desenvolvimento do estudante, por exemplo — explanou Cynthia referindo que o Estado segue o que prevê a Organização Mundial da Saúde.