A lotação em hospitais, a falta de médicos nas unidades básicas de saúde (UBSs), a fila de espera e a sinalização de descontinuidade de serviços em Caxias do Sul foram os principais assuntos debatidos em reunião pública na Câmara de Vereadores, na manhã desta segunda-feira (13). Um dos tópicos mais preocupantes é a sinalização do Hospital Pompéia de que quer assumir a regulação de leitos disponíveis para o SUS e a descontinuidade de serviços, como o atendimento materno-infantil.
Participaram do encontro a secretária de Saúde de Caxias, Daniele Meneguzzi, a coordenadora regional de Saúde, Cláudia Daniel, e os diretores dos hospitais Geral, Sandro Junqueira, e do Virvi Ramos, Cleciane Doncatto Simsen. Os hospitais Pompéia e do Círculo não compareceram ao encontro. A falta de representantes do Pompéia foi duramente criticada por vereadores, que mencionaram mais de uma vez que a situação da saúde é caótica. O presidente da comissão, vereador Rafael Bueno (PDT), ressaltou que o encontro foi desmarcado quatro vezes para contar com a presença do Pompéia:
— Essa reunião teve origem nos nossos debates porque há falta de leitos e as pessoas passam dias e dias à espera de vagas. As pessoas têm buscado o atendimento, por exemplo, na emergência do Hospital Geral, porque não há médicos nas UBSs. Os pacientes chegam em estado mais grave a cada dia e os hospitais não veem saída para essa situação. Sabemos que os problemas se intensificaram diante da pandemia e colocamos o Legislativo à disposição para tentar resolver essas questões.
Para se ter uma ideia, a espera para consultas com alguns especialistas pode chegar até dois anos.
— O sistema chegou ao esgotamento. E não é só Caxias do Sul que vive essa realidade. O represamento no atendimento de cirurgias, de exames e do acesso a consultas praticamente foi anulado e somado a uma fila já bastante grande. Se criou uma situação difícil de ser gerenciada. Precisamos de ajuda dos vereadores para pressionar lá em Brasília e o governo do Estado em relação à equalização do teto mac, que é valor que recebemos do governo federal para pagar toda a média e alta complexidade — destaca Daniele Meneguzzi.
Ela explica que o município paga quase R$ 500 mil mensais de recursos próprios para cobrir a diferença na alta e média complexidade:
— O orçamento era destinar 25% para a saúde e vamos fechar o ano com 28%. Só vamos melhorar essa fila se tiver recursos e capacidade física e operacional. Se não tiver, sinto muito: não tem milagre para ser feito.
A secretária destacou ainda que, com relação aos recursos que o Estado tem encaminhado para alguns municípios para a realização de mutirões de cirurgias, não houve adesão. A fila de espera em alguns procedimentos eletivos leva pelo menos dois anos.
— O governo federal também fez esse movimento e nós solicitamos aos três hospitais que prestam o serviço (Pompéia, Geral e Virvi Ramos) se concordariam. Mas tivemos uma baixa adesão. Eles alegaram questões técnicas e, principalmente, financeiras, porque o valor é bastante defasado. Eles topariam se tivesse suplementação, algo que não está sendo possível fazer no momento por parte do município — explica Daniele.
Cirurgia +
A coordenadora regional de Saúde, Cláudia Daniel, abordou o programa Cirurgia + do governo do Estado.
— Temos um represamento acentuado pela pandemia, em todas as eletivas, sendo algumas em Caxias e outras em demais hospitais de referência. Houve uma reprogramação com uma portaria federal emitida no ano passado, a qual abarca recursos para eletivas. E os municípios fizeram apontamentos junto às instituições. Além disso, o Estado lança uma portaria nessa semana. Ainda não sabemos detalhes, mas os municípios não vão ser os gestores. Terá um edital para que hospitais se inscrevam para aderir aos serviços do programa Cirurgia + dentro de cada complexidade. As instituições vão apontar quais e quantos procedimentos podem executar.
Sobre a prestação de serviços, a coordenadora disse que isso não interfere porque há prestação de contas ao município, que tem gestão plena. Ela explicou que a coordenadoria fez um levantamento, não um parecer, no qual indica que a gestão pela lei federal cabe ao município:
— Pelo município ser de gestão plena ele é responsável pela saúde no território. Nós, do Estado, somos um equalizador, um serviço de apoio. Sobre a retirada ou não da cláusula não é uma decisão que cabe ao governo estadual. Nossa posição é de resguardar os 49 municípios porque Caxias é referência para si e para essas cidades. Caxias recebe valores do Ministério da Saúde e do Estado e é responsável pela gestão do serviço. Qualquer interferência que possa prejudicar o acesso da população nós vamos acompanhar e, então, buscar os apontamentos necessários.
Pompéia ainda tem saldo positivo
O Hospital Geral já entregou mais atendimentos do que o previsto neste ano.
— Até outubro, o Hospital Geral já produziu R$ 2 milhões a mais. Não fechamos novembro e dezembro e já estamos em saldo devedor. No ano que vem, ou o município tira esse recurso do caixa ou pede ao HG para cancelar os procedimentos para não gerar despesas. No Virvi, ainda não estourou, conseguimos encaixar mais procedimentos e internações. Temos tido ajuda em casos de internação mais simples e eles têm realizado cirurgias menos complexas. No Pompéia temos R$ 3 milhões de saldo positivo, que ainda pode ser produzido. Esses valores são baseados em médias históricas, então pode estar atendendo um quantitativo menor.
Para o diretor do Hospital Geral, Sandro Junqueira, a situação é preocupante. Ele explica que a média de cirurgias realizadas hoje está acima de 400 por mês, com duas salas de cirurgia a menos, porque contam com a UTI covid. Em 2019, a média era de 500 a 600. Ainda segundo ele, o preocupante é o espaço físico: há 11 pacientes à espera de leito dentro da instituição e 16 estão no pronto-socorro.
— Um hospital centenário com saldo positivo em meio a esse caos de cirurgia me preocupa muito. É um cenário complicado. Não temos mais condições de receber ninguém no hospital. Nem acabou a ano ainda e já produzimos acima do contratado. Se o Pompéia tem saldo positivo é porque fez menos cirurgias, e isso é preocupante porque aumenta a fila de espera. Todos têm que colaborar, inclusive os hospitais da região, para dar vazão aos atendimentos. Temos falta de espaço físico e um limite na nossa capacidade hospitalar.
Já o Hospital Virvi Ramos busca habilitações que, se autorizadas, podem ajudar a desafogar a fila:
— Pedimos habilitação em hemodiálise, diálise peritoneal, oncologia, centro de especialidades em saúde auditiva e intelectual e em transtorno espectro autista (TEA), que não tem em Caxias. Temos capacidade hospitalar para isso porque, com a melhora no combate a pandemia, os 49 leitos do hospital de campanha podem ser clínicos — aponta Cleciane.
Presidente do Conselho de Saúde cita Bento Gonçalves como exemplo para tentar driblar a falta de médicos
Em sua fala, a secretária disse que em março e abril faltavam 41 médicos nas UBSs. O número caiu para 20, mas está longe de ser resolvido, enquanto não for realizado um novo concurso. Para o presidente do Conselho Municipal de Saúde, Alexandre da Silva, Caxias poderia seguir o modelo de Bento Gonçalves.
—Eles terceirizam o serviço, com processo licitatório, para contratar os profissionais por horas. Os médicos que atendem na UPA podem atender nas UBS e isso qualificou o atendimento à população e avançou no número de adesões dos médicos. Sabemos que a hora médica aqui em Caxias é o que dificulta a contratação dos médicos. Pode ser uma alternativa. De forma compartilhada, eles atuam nas duas, e o tempo de espera gira em torno de três horas.
Ele elogia o mutirão de consultas, mas considera que aumenta a demanda dos exames, que também precisa ser encaminhada.
Números
:: Hoje, 8.166 pacientes da Serra aguardam na fila de espera por cirurgias eletivas.
:: Destes, 6.460 são de Caxias do Sul.
:: Os outros 1.706 são de municípios da região.
:: Na fila de exames há 8.720 pessoas à espera de agendamento, sendo que muitos pacientes precisam de mais de um exame.
:: O município realiza 2.313 exames por mês.
:: As unidades de pronto atendimento (UPAs) Zona Norte e Central estão lotadas com pacientes à espera de leitos nos hospitais Geral e Pompéia, que também têm pessoas no pronto-socorro aguardando vagas.