Colunistas do Pioneiro escrevem sobre a mística da época natalina.
Dizem que na época de Natal milagres acontecem. Na verdade, talvez não aconteçam muitas coisas grandiosas, mas posso afirmar que pequenas boas ações somadas e multiplicadas num curto período de tempo podem sim entrar na categoria de milagre. Vejam o caso das cartinhas para o Papai Noel: todos anos — seja por meio dos Correios, ou por meio de iniciativas de comunidades e de bairros — milhares de cartinhas escritas por crianças do Brasil inteiro são adotadas por cidadãos comuns tornando o Natal dos pequenos um momento de alegria me meio à dura realidade que enfrentam o ano inteiro.
Antes da pandemia, na minha cidade, as cartinhas costumavam ficar numa casinha de Papai Noel instalada na Praça Matriz ou podiam ser retiradas no nosso único posto dos Correios. Sei que não é de bom tom ficar ostentando as boas ações realizadas, mas preciso contar essa história para provar que o Espírito Natalino se materializa até mesmo num gesto muito simples atendendo a um pedido mais singelo ainda. Sempre tive o hábito de adotar uma dessas cartas, assim como faziam muitos amigos, familiares e colegas de trabalho. Já atendi a pedidos como “uma Barbie de vestidinho” ou “um carrinho RotUils vermeio” (entendi que era um Hot Wheels vermelho na letrinha rabiscada de lápis 2B), além de muitos, muitos pedidos de material escolar.
Obviamente que em meio a esses pedidos humildes, sempre havia alguns meio caros e praticamente impossíveis de atender como um “Playstation 4 com 2 controles e 5 jogos” o que ficava muito além do orçamento de qualquer família naquele Natal de 2015. Não era à toa que essa cartinha específica jazia lá, aberta, em meio à pilha imensa de envelopes de vários tamanhos e cores. O mesmo acontecia geralmente com outros pedidos de eletrônicos, celulares, bicicletas e computadores: talvez essas crianças — e suas famílias — confiassem um pouco demais no realismo mágico e acabavam recebendo de volta apenas a frustração de um pedido não atendido.
No entanto, a maioria dos pedidos ao Papai Noel tem a ver com desejos e anseios tão humildes e singelos que acabam nos comovendo e nos fazendo refletir sobre nossa sociedade desigual. Certo Natal, puxei uma cartinha em meio à pilha de envelopes. A letra de forma — ou como dizem hoje “letra bastão” — desenhada com hesitação mas muito capricho na folhinha de caderno escolar pequeno, pedia o seguinte: “Querido Papai Noel, neste Natal eu quero um carrinho de controle remoto e um hambúrguer”. Não pude conter o sorriso. Fiquei imaginando o garotinho — que depois descobri que tinha 7 anos de idade – escrevendo o texto e colocando no mesmo grau elevado de “presente de Natal” um brinquedo, a escolha óbvia, e um lanche típico da nossa região.
Certamente, o hambúrguer simbolizava para ele um momento de confraternização, um banquete, a rara experiência de jantar fora em família, uma ocasião especial que combina com festa, fim de ano e férias. Talvez um dos dias mais felizes da vida do garotinho tenha sido comer um xis com sua família, só podia ser isso. Imaginei o quanto ele adoraria repetir a experiência, mas dadas as dificuldades enfrentadas por inúmeras famílias para garantir o básico, um hambúrguer, mesmo que de vez em quando, já não cabia no orçamento.
Peguei a cartinha, comprei um carrinho de controle remoto simples mas bonito e veloz, acrescentei num envelope um valor em dinheiro equivalente a 4 xis — de modo que ele pudesse ir acompanhado de outros familiares a uma hamburgueria — e um bilhetinho desejando Feliz Natal. A logística de cidade pequena é simples e facilita as coisas: o endereço era fácil de encontrar, então providenciei a entrega anônima (uma “mensageira do Papai Noel”) para não quebrar o encanto. E, naquele Natal, ao menos esse pedido foi atendido. O relato da “mensageira” após a entrega foi de um sorriso iluminado de mãe e filho ao receberem o pacote e o envelope. Queria ter visto a carinha dele jantando na hamburgueria com a família.
Esse episódio me mostrou que o que é trivial para mim, da classe média — como sair fazer um lanche ou jantar fora — é praticamente um luxo para um menininho de família mais carente, e muitas vezes sequer nos damos conta disso. Coisas que para nós são absolutamente parte da rotina e acabam passando despercebidas e sequer valorizadas, para tanta gente é quase um sonho inalcançável. Adotar uma cartinha sem dúvida não vai curar a grande ferida da desigualdade social do mundo, mas não deixa de trazer um pouco de felicidade e de esperança para uma criança, para uma família humilde. E, como afirmei ali no início do texto, a soma de milhares de pequenas boas ações simultâneas faz sim muita diferença: esse é o segredo por trás do Espírito Natalino e dos milagres de Natal.