Colunistas do Pioneiro escrevem sobre a mística da época natalina.
Parece ser em outro tempo que o Natal se abriga dentro de nós. Sem nostalgia, assemelha-se a uma festa pagã. Na minha infância, ele acontecia invariavelmente em dezembro, no dia vinte e cinco. Hoje, dois meses antes e as lojas inundam nossos olhos com seus símbolos característicos – luzes piscando, tudo preparado para nos fazer comprar. Ao se aproximar a data, já estamos visualmente saturados. Até o jasmineiro aqui de casa tem florescido antes. Em minha mente, seu perfume está associado a quando a mãe armava o presépio na sala e, próximo ao caminho dos reis magos, colocava um vasinho dessas delicadas flores. Tudo parecia obedecer a uma ordem natural, e a vivência desse período mágico marcou indelevelmente meus primeiros anos.
Fui um menino de colônia. Interessava-me muito mais pelo que acontecia nos bosques e nas pradarias do que no mundo da cidade grande. Havia uma separação intransponível. Nós éramos os que moravam no interior, uma espécie de lugar à parte e não raro vistos como simplórios. Nunca fui afetado por isso, pois sabia das imensas vantagens em habitar a imensidão de um sítio, acompanhando organicamente a passagem das estações. Lá, tudo era lento. Os doze meses pareciam um ensaio de eternidade. E se, em vários momentos, a escassez assombrava nossa existência, havia a compensação das brincadeiras com os amigos. As bergamoteiras carregadas de frutos hospedavam nossos corpos exauridos em busca de algo que matasse a sede depois de tanto correr.
Fotografo dentro de mim, com clara nitidez, as manhãs que precediam o nascimento de Jesus – era assim que nos referíamos a essa data tão importante. O mistério transbordava na curiosidade dos presentes que iríamos ganhar. Bastante modestos, dada à frágil situação financeira em que nos encontrávamos. Nada disso parecia preocupante, pois o que se anunciava era repleto de surpresas para o coração. O pai e a mãe trabalhavam incansavelmente. Eu os via atarefados, ajudando a avó Genoveva. Existia uma teia de afetos que carrego dentro de mim como um bem precioso. O olhar se estendia para o outro, recolhendo as alegrias e tristezas inerentes a uma realidade colorida com as tintas dos primeiros anos. Deve ter sido também o sentimento da minha irmã Salete.
Porém, com uma saudade que ainda transborda em mim, sou invadido pela lembrança das amadas tias Pasquina, Assunta e Giacomina. Durante mais de cinco décadas moramos na mesma casa. Elas foram a multiplicação do amor materno. Recebíamos não somente os seus cuidados, mas sobretudo doses abissais de carinho. E elas amavam o Natal. Com reverência, falavam o nome do menino Jesus como se estivem se referindo a algo que transcende as próprias palavras. E é como me sinto neste momento ao evocar seus nomes. Na madrugada desse dia tão especial, preocupavam-se em já ter se confessado e comungado, pois seria impensável não receber o perdão por supostos pecados. Bem antes de sermos convidados a participar desse momento, iniciava-se a mágica. De uma caixa guardada em cima de um armário tiravam, como num passe de mágica, delicadas bolas coloridas para enfeitar o pinheirinho. O pai o cortava em meio ao bosque e o cheiro resinado de suas folhas ainda permanece na memória.
Não lembro de lautos banquetes, mas de uma celebração singela e profundamente religiosa. Importava reverenciar aquele que nasceu para nos redimir e salvar a nossa alma. Era com certa ingenuidade que atravessávamos esse dia feito de silêncio e incontida alegria. A tia Pasquina colhia amoras e as entregava com as mãos em concha, como se fosse um valioso presentes. E era. A tia Assunta nos deixava brincar com os pintinhos recém-nascidos, colocados dentro de seu chapéu de palha. A tia Mima continuava tecendo suas infinitas colchas de crochê. E assim fui recebendo um amor intenso, que perdurou até sua partida. Talvez seja por isso que hoje eu prefira ficar recolhido nesta época, pois as lembranças abastecem suficientemente a alma.
Meu coração se confrange ao lembrar de tantos gestos de doce acolhimento. Sei que continuam segurando minhas mãos. As tias são um passaporte de felicidade para os dias que ainda habitarei.