E no Natal de 1987 o Papai Noel não veio. E,desde então, o Papai Noel não vem. O Bom Velhinho – que nunca chegou a envelhecer “morreu na contramão, atrapalhando o tráfego”, bem antes do Natal. Tombou o trenó, perdeu as renas, deixou duendes órfãos e milhares de presentes ficaram espalhados pela pista. A Mamãe Noel até tentou fazer o Natal acontecer depois da fatalidade, mas sem êxito. Se esforçou, lutou, tentou sorrir, não deu: era ele quem tinha pisca-pisca coloridos no fundo dos olhos.
É que luzes são importantes nessa época do ano, não há como negar. E, na minha família, a luminosidade natalina vinha dele, do interior dele. Era dele a luz que clareava o caminho para que o Natal chegasse. As luzes tilintantes que ele emanava conduziam até nós o Espírito Natalino. Sem ele, creio, o tal Espírito passou bons anos a vagar tentando encontrar nosso endereço.
No início era só dor e ausência do 25 de dezembro feliz, que não chegaria mais personificado. Com o tempo, a data foi se transmutando em aflição, depois em sensação de abismo, até chegar a parecer uma segunda-feira comum. E assim foi por anos. Mas, como dizem, não há mal que dure para sempre. Vagarosamente, os duendes foram entendendo que Noel lhes deixou em DNA e longínquas lembranças o dom de festejar, a ânsia de comemorar aquilo que merecia e precisava ser comemorado. Esse sentimento fora criando forças e raízes dentro de cada um e, quando não, estavam organizando pequenos encontros na data, sem grandes pompas ou tradições.
Muitas famílias se formaram a partir daquela que se despedaçou lá atrás. Muita gente nasceu depois daquela morte. Muito sorriso existiu depois daquele choro. Toda esperança seguiu a se renovar. A vida, em suma, possivelmente perpassa por superar a ruindade do que é fatal e inevitável, sempre com a sobreposição da bondade que temos dentro de nós e pode ser compartilhada com quem amamos.
Depois detanto tempo, tanta ausência, a mesa se pôs cheia novamente. Cheia de gente e de comida, risos e vontade de felicidade. A decoração voltou a adornar os cantos e nunca foi tão linda. Gente se esbarrando pelos cômodos e os olhos alegres conversando. Falas altas soam musicais com as vozes se sobrepondo ritmadas. Sim, o Papai Noel não veio para o Natal de 1987 e, dali até hoje, nunca mais. Ele não veio, pelo menos não fisicamente, pois a cada Natal, enquanto todos estão reunidos na sala, pode-se observar a porta entre aberta, para que não haja obstáculo caso seu espírito de luz resolva fazer visita, trazendo sua luminescência divina.