Os crimes ao patrimônio se tornaram frequentes em Caxias do Sul nos últimos anos. Se o ditado popular diz, de forma otimista, que "vão-se os anéis e ficam os dedos", para os caxienses resta, ao contrário, uma herança negativa, em termos históricos, culturais e de infraestrutura, além da sensação de impunidade e insegurança, uma vez que há dificuldade na identificação e punição dos autores.
O exemplo mais recente da ação criminosa ocorreu em agosto, na Praça Dante Alighieri. O busto do Duque de Caxias, uma homenagem ao patrono do Exército Brasileiro, foi levado por três homens no último dia 17 de agosto, às 3h43min, segundo registros de câmeras de vigilância. No lugar, ficou apenas um amontoado de concreto, que servia de sustentação. O objeto não foi recuperado.
Há três anos, em agosto de 2018, foi a vez da Rosa dos Ventos, o marco zero da construção da cidade, ser subtraída. A peça de bronze, que não foi reposta, ficava na metade da Rua Marquês do Herval, entre a Rua Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos. Dias antes, em outro caso semelhante, a placa que identificava o monumento à Gigia Bandera também acabou sendo alvo de bandidos e nunca mais foi recolocada. No espaço reservado para a placa estão fixados cartazes com orações.
Mas não só objetos e monumentos com valor histórico permanecem sob a mira de ações criminosas. O Ginásio Enxutão, no bairro Santa Catarina, carrega um histórico de furto de fiação elétrica — em 2018, o espaço chegou a ficar sem luz e sem atividades em duas oportunidades, em abril e novembro. Em uma matéria de maio deste ano, o Pioneiro elencou cinco grandes furtos de materiais que deixaram praças da cidade, entre elas o Parque dos Macaquinhos e a Praça do Trem, sem iluminação e causaram um prejuízo de mais de R$ 100 mil aos cofres públicos nos últimos quatro anos.
Os exemplos de danos a locais públicos de Caxias, portanto, são inúmeros e antigos. Na percepção do delegado Vitor Carnaúba, os alvos dos criminosos vêm se diversificando e se expandindo nos últimos tempos: há registros recentes de furtos de caixas de ar-condicionado, maçanetas, peças de semáforo, tampas de ferro de caixas de fiação de telefonia, entre outros materiais visados. O perfil de quem subtrai os materiais, no entanto, segue o mesmo.
— São retirados, geralmente, por viciados em drogas, que pegam este material para vender para reciclagens, a maior parte, clandestinas. Gera um pequeno valor para troca de entorpecentes. É recorrente. Nosso foco é na receptação, fiscalizando recicladores — explica Carnaúba.
"A geração atual precisa repor a memória"
Para a historiadora e ex-gestora municipal de Memória e Patrimônio Cultural Liliana Henrichs deve haver um incentivo mais intenso à população no que se refere ao conhecimento e preservação de obras presentes em espaços públicos. Ela recorda que enfrentou situações semelhantes de subtração de objetos quando atuou no poder público:
— Muitas vezes eu me deparei com a questão de que parece que o que é público é de todos e não é de ninguém. Parece que as pessoas não se sentem responsáveis por verificar, cuidar, ver se tem alguém sondando. Eu me coloco no lugar, porque trabalhei na área, mas é preciso que seja um esforço continuado para que as pessoas conheçam as praças, a história dos monumentos, são coisas que vieram antes de nós, têm seu sentido e sua importância — aponta a historiadora.
Liliana defende a reposição das peças em materiais que sejam condizentes à contemporaneidade, desde que haja a explicação clara e adequada de que trata-se de uma peça ou escultura que precisou ser recolocada, não sendo a original. Um exemplo que ela cita são as substituições de placas em metal pelo acrílico, um material não visado para retirada e venda ilegais.
— O que especialistas mundiais recomendam nas normas de patrimônio é que, quando acontece esse tipo de coisa, quem está vivendo na história atual reponha aquela memória. É algo que foi importante para aquela geração, naquele momento. O que a geração atual precisa fazer é repor a memória com material de hoje. Não precisa e não deve se usar o mesmo material que era. Isso seria falsificar a história — explica.
O que diz a prefeitura
Sobre o busto do Duque de Caxias, a secretária da Cultura, Aline Zilli, diz que havia a expectativa de reaver a obra. No entanto, uma possível recuperação fica cada vez mais distante com o passar do tempo. Ela afirma que a pasta está em busca de parcerias para fazer a reposição do busto, mas não há data para que isso ocorra, nem mesmo definição do material que será utilizado.
A titular da pasta também comenta que recentemente a secretaria iniciou um levantamento de objetos faltantes nos espaços públicos, como o caso da Rosa dos Ventos e placas de identificação que foram subtraídas nos últimos anos.
— Até para termos uma ideia de custos e pensar num material alternativo, que garanta a identificação do patrimônio, mas que não tenha esse valor comercial. Tem uma questão visual também que precisa ser levada em consideração. Não é simplesmente colocar uma réplica e está resolvido. A ideia é pensar como um todo, a valorização do patrimônio, a forma com que ele é identificado, para que tudo faça sentido. Por isso já tivemos uma conversa com a comunidade para ouvir sugestões — detalha Aline.
Para coibir crimes semelhantes e auxiliar na sensação de segurança na área central, o ônibus da Guarda Municipal voltou a ser posicionado na Praça Dante Alighieri, com a presença de dois servidores por turno, em meados de setembro. O veículo não tem prazo para sair do local, segundo a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social.