Sem conseguir vencer a ação dos bandidos e evitar que o patrimônio histórico-cultural de Caxias do Sul siga sendo dilapidado, a prefeitura tomou uma medida drástica ontem: retirou a placa de bronze que guarnecia o monumento mais importante da Praça Dante, o busto do escritor Dante Alighieri, instalado no espaço em 1914. A ideia é recolher materiais que podem ser furtados, sendo providenciada a reposição por peças de acrílico, sem valor de troca para os ladrões.
– Optamos por essa ação emergencial para preservar o bem público. Nos próximos dias procederemos com os orçamentos e confecção das novas placas a serem afixadas – informou Heloíse Salvador, coordenadora da Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dippahc) da Secretaria Municipal de Cultura.
Coincidência ou não, o ataque aos monumentos públicos de Caxias voltou a ser assunto nesta semana com o furto de uma placa na calçada da Rua Marquês de Herval, no Centro, que determinava o marco zero da cidade. Além da imagem de uma rosa dos ventos em alto relevo, a peça trazia as coordenadas geográficas e a altitude da cidade. No final de julho, constatou-se o sumiço do busto do empresário Cândido João Calcagnotto da Praça da Bandeira, peça de bronze que pesava cerca de 50 quilos. Semanas antes, percebeu-se o furto da placa do Monumento Gigia Bandera – Instinto Primeiro, na Dante. De comum entre os fatos, datas imprecisas sobre o sumiço e nenhuma testemunha.
O problema, no entanto, não é novo. Pelo contrário. Basta dar uma volta por praças e espaços públicos da cidade para notar blocos de concreto sem placas de identificação. Em setembro de 2013, inclusive, o Pioneiro já mostrava uma reportagem sobre o tema. Naquela época, dos 11 monumentos existentes na Praça Dante, por exemplo, quatro não disponibilizam as placas informativas por conta dos ladrões – situação que só piorou com o furto das novas peças.
Ao todo, conforme a Dippahc, existem 114 monumentos e placas cadastrados. Porém, não há uma lista do que já foi perdido ou vandalizado. À reportagem, o setor afirmou que está fazendo o levantamento de quantos desses itens foram perdidos.
– Ao longo dos próximos dias concluiremos esse levantamento para ver quais ainda restam e recolocar as placas em acrílico. Porém, já fomos informados que já estão roubando as de acrílico também – comenta Heloíse.
“As pessoas sequer se importam”
A existência de câmeras de monitoramento nas proximidades e de servidores da Guarda Municipal não preocupa os ladrões. Até o momento, não há suspeitos dos furtos recentes nem imagens que possam identificar os autores dos crimes. Aliás, nem se sabe quando, de fato, os furtos ocorreram.
– As pessoas não valorizam mais a memória de pertencimento. Acabam não tendo essa ligação, e quando acontece esse tipo de vandalismo, nem repercute tanto, as pessoas sequer se importam – lamenta Neisi Coelho Zorzi, gerente do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
A desatenção não é exclusiva da população. Mesmo os monumentos da área central estão em mau estado de conservação, com muita sujeira acumulada, caso do suporte do busto de Júlio de Castilhos, cuja placa de bronze também não existe mais. Conforme a assessoria da Secretaria Municipal da Cultura, ao menos os da Praça Dante Alighieri devem ser limpos nas próximas semanas em decorrência da realização da Feira do Livro. Os demais, dependem de solicitação da pasta à Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
Sem flagrantes e testemunhas, pouco pode ser feito
A subtração das peças é caracterizada como furto qualificado por envolver patrimônio público. Porém, a pena para o crime – de dois a oito anos de reclusão – dificilmente é cumprida. Isso porque dificilmente os criminosos são localizados e processados.
– É um crime de difícil investigação se não ocorre o flagrante. Além disso, normalmente demora alguns dias para ser notado. Tudo isso dificulta. Quando ele (o criminoso) é pego carregando o objeto ou praticando o crime, até conseguimos impedir, mas sem imagens ou testemunhas, fica difícil. Por isso, acabamos focando em identificar o receptador, que normalmente são sucateiros – diz o titular do 1º Distrito Policial, delegado Vitor Carnaúba.
O principal alvo, segundo ele explica, são materiais que podem ser revendidos – no caso dos monumentos, normalmente é o bronze.
– Geralmente, são viciados que praticam esse tipo de furto, pois trocam por entorpecentes ou revendem. Todos que são presos possuem várias passagens por furto e a prisão deles também não resolve muito, pois quando são soltos, voltam a cometer o delito – complementa.
Na opinião da coordenadora do Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dippahc), Heloíse Salvador, o ideal para manter os monumentos em segurança seria providenciar vigilância. Via regra, a responsabilidade por zelar pelo patrimônio público é da Guarda Municipal.
– Precisaria haver verba para dispor de guarda permanente nesses locais. Mas sei o quanto isso é complicado, porque também entra na discussão de priorização de setores. Certamente, seria questionado um guarda 24 horas para cuidar de uma placa, enquanto outro setor ficaria desassistido – avalia.
Câmeras obsoletas
Embora as câmeras de videomonitoramento sejam um dos meios para tentar identificar a ação de criminosos, na Praça Dante Alighieri, por exemplo, não foram suficientes para flagrar os furtos.
– Essas câmeras são obsoletas. Estão antigas e não dão sinal, não nos avisam de qualquer situação. Além disso, temos 51 câmeras distribuídas pela cidade. Então, é difícil estar de olho em todas. Por isso, é importante que moradores nos informem se avistarem crimes como esses serem cometidos – justifica Ivo Rauber, diretor da Guarda Municipal de Caxias.
Segundo ele, na próxima semana o ônibus utlizado pela corporação deve voltar a ficar estacionado na Praça Dante Alighieri. A medida, acredita ele, deve ajudar a coibir esse tipo de crime na área central.
PRAÇA DANTE ALIGHIERI
Rosa dos Ventos - Marco Zero
Ficava na calçada da Marquês do Herval, no lado leste da praça. A partir daquele ponto, os agrimensores (pessoas que faziam as medições de terra) determinavam as léguas, quadras e distâncias da cidade. O marco primeiro foi construído em madeira e, posteriormente, a demarcação foi fixada em azulejo. Em 1975, o marco foi substituído por uma placa de bronze, que indicava a longitude e altitude na Rosa dos Ventos.
Busto de Dante Alighieri
Ícone que dá nome a principal praça de Caxias do Sul, o busto do poeta italiano Dante Alighieri foi inaugurado em 15 de novembro de 1914. Executado na Itália pelo escultor Eugenio Belloto, então professor de anatomia artística da real Academia de Belas Artes de Veneza, o busto em bronze mede 3,7 metros. Uma base cúbica de mármore róseo está assentada sobre a coluna, adornada por quatro águias. E, em relevo, as inscrições “1321-1921, I caxiensi per onorari L’Altissimo Poeta”. Placas que guarneciam o busco foram removidas preventivamente ontem para evitar que fossem furtadas. A prefeitura deve providenciar a substituição por peças em acrílico.
Monumento Gigia Bandera - Instinto Primeiro
A placa de bronze foi roubada de escultura instalada na praça em 1996 para celebração do centenário da Metalúrgica Abramo Eberle S.A. Na placa, havia uma breve descrição de quem foi Luisa Eberle, a Gigia Bandera: “Símbolo da intrépida participação da mulher na geração e no progresso desta cidade, fonte inspiradora da industrialização do nordeste do Estado”.
PRAÇA DAS BANDEIRAS (DANTE MARCUCCI)
Monumento a Cândido João Calcagnotto
Considerado um dos pioneiros do comércio em Caxias do Sul, o busto foi inaugurado em 1979. De acordo com a Secretaria da Cultura, o monumento (incluindo a base de alvenaria) media 2,70m de altura por 1,40m de largura. A homenagem ao empresário ainda contava com duas placas de bronze, que foram furtadas em 2010 e ainda não foram repostas. Hoje, a Praça da Bandeira apresenta três bases de alvenaria vazias.
Monumento do viticultor caxiense
Em 1969, a organização da Festa da Uva tentava voltar às origens, valorizando a uva e o produtor. O monumento na Praça da Bandeira, por exemplo, serviria para marcar a importância do viticultor, os primeiros expositores da festa e entidades do setor. A estrutura foi inaugurada pelo ex-presidente da República Arthur da Costa e Silva. Com o furto das placas, há alguns anos, a estrutura agora não tem referência alguma.
Homenagem à bíblia
Os pesquisadores coletavam dados sobre a placa que homenageia a Bíblia, na Praça Dante Marcucci (da Bandeira), ao lado do camelódromo, quando aconteceu o furto em 2004. Sobraram apenas informações que a peça continha: “Toda escritura é inspirada em Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na Justiça.” 11 Timóteo 3.16. Em 2013, vândalos levaram a peça de reposição. Ficou apenas o marco de pedra.
Jornalista Luiz Napolitano
Durante dois anos ou mais, ladrões tentaram arrancar a placa de bronze que homenageava o jornalista Luiz Napolitano na Praça da Bandeira, defronte à Rua Sinimbu. O crime foi consumado em abril de 2010. A saber: Napolitano trabalhou nos Diários Associados e ajudou a fundar a Rádio Caxias.
LARGO SÃO PELEGRINO
Monumento aos Pracinhas
As letras e placas de bronze que exibiam o nome de 79 ex-combatentes caxienses da 2ª Guerra Mundial foram arrancadas em 2012. A estrutura, que fica em frente ao Teatro São Carlos, no bairro São Pelegrino, atualmente exibe as informações em placas de acrílico.
Padre Eugênio Giordani
O monumento do religioso e líder comunitário, morto em 1985, sofre frequentes ataques de vândalos, desde a inauguração, em frente à Igreja de São Pelegrino, em 1994. A placa de bronze com informações sobre a homenagem foi furtada há muitos anos. No final de 2012, o município substituiu a peça por uma chapa de plástico. A peça de reposição também não resistiu aos vândalos e ladrões.