A prefeitura de Caxias do Sul estima que a população de imigrantes na cidade chegue a cinco mil pessoas. A maioria é formada por haitianos, senegaleses e venezuelanos. Não há um dado preciso de quantos estão empregados. Aliás, faltam informações sobre essa população que, assim como fizeram os italianos ao chegar por aqui, em 1875, procura na cidade oportunidade de construir uma vida nova. Existe uma demanda espontânea de trabalho e algumas ações que têm sido tratadas de forma mais coordenada nos últimos anos.
— Nós temos que ter esse sentimento humanitário de acolher, porque um dia nossos antepassados também vieram aqui em busca de oportunidades — disse o prefeito Adiló Didomenico em entrevista ao programa Gaúcha Hoje da Gaúcha Serra recentemente.
A absorção de mão de obra imigrante ocorre há pelo menos 10 anos na cidade, conforme o fluxo migratório, primeiro de senegaleses, depois haitianos e, mais recentemente, de venezuelanos. Eles têm no município o apoio do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) e, desde o ano passado, do Centro de Informações e Atendimento ao Imigrante (Ciai), da prefeitura, mas ainda não há informações reunidas sobre quem e quantos eles são, onde vivem, onde estudam, onde trabalham. E é justamente a empregabilidade que os traz à Serra Gaúcha, local que eles buscam para se estabelecer.
— A Capital (Porto Alegre) acaba sendo limitada, e aqui temos um polo metalmecânico, hoteleiro, de turismo e os frigoríficos. A migração venezuelana se dá muito em função dos frigoríficos. Primeiramente, pela questão do programa de interiorização que vem sendo feito pelas agências da ONU e, depois, pela migração espontânea a partir de relatos de outros que conseguiram emprego — explica Adriano Pistorelo, advogado de Migrações no CAM.
Tanto o CAM quanto o Ciai realizam o cadastro dos imigrantes, identificam o perfil desses moradores, descobrem as demandas e direcionam para os serviços públicos e produção da Carteira de Trabalho Digital. Também orientam sobre como proceder para obter o visto de residência na Polícia Federal, quais os documentos necessários para trabalhar legalmente no Brasil, diferenças entre a legislação brasileira e a do país de origem, entre outras questões. O Ciai ainda dá suporte para a elaboração de currículo profissional, além de cursos, como de língua portuguesa e de empreendedorismo. Desde a criação, em março do ano passado, foram 565 migrantes atendidos diretamente. O CAM está com o setor de encaminhamento para o mercado de trabalho desativado. Faltam recursos para contratar profissionais. Atualmente, o foco e a maior demanda no CAM é a regularização migratória, ou seja, a obtenção de documentação, primeiro passo em um processo de contratação. Nos primeiros quatro meses deste ano, foram 498 atendimentos, a maior parte referente a Caxias (343). A maioria são venezuelanos (190), homens (59%), pessoas solteiras (59%) e na faixa etária de 30 a 40 anos (180), seguida da faixa dos 20 aos 30 anos (139), e a maioria dos atendimentos foi de busca por refúgio.
Depois, o encaminhamento é feito com ajuda do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR) de Porto Alegre. A ONG está presente em mais de 50 países. No Brasil, tem escritórios na capital gaúcha, em Brasília, Belo Horizonte, Roraima e Amazonas. Tem um eixo em empreendedorismo e empregabilidade com profissionais que atuam com recrutamento e elaboração de currículos. Eles vêm a Caxias para fazer essas ações.
— A estratégia do governo federal de interiorização facilita que os migrantes e refugiados que estão na fronteira consigam chegar em outras partes do Brasil onde há maior possibilidade de integração. E tem todo o encantamento pela Região Sul, que tem muito emprego, polos industriais como Caxias do Sul. Então, muitos quando entram no país já ficam sabendo e demonstram interesse nessa interiorização. Outros vêm de forma espontânea e procuram o serviço — comenta Lucas do Nascimento, coordenador do SJMR Porto Alegre.
O serviço traça o perfil socioeconômico do migrante para ver quais as experiências de trabalho ele tem, formações, busca curso de português, se tiver curso superior, facilita a revalidação de diploma. Ao todo, desde 2018, 503 venezuelanos receberam apoio da operação de acolhida para serem interiorizados para Caxias.
Documentação é dificuldade
Pistorelo explica que são três grandes dificuldades relacionadas à documentação de migrantes no Brasil. A primeira é que a pandemia gerou um represamento dos processos de documentação. Com ele, veio um efeito cascata. As pessoas que entraram no país durante a pandemia não conseguiram documento pelas restrições impostas pelo governo federal. Nesse caso, mesmo sem a autorização de residência, os migrantes podem ser contratados, conforme a Lei de Imigração. Contudo, um entrave posterior precisa ser vencido, que é a forma de pagamento, já que a maioria das empresas o faz por meio de depósito em conta, e muitas instituições bancárias exigem a autorização de residência para a abertura de conta.
Outra questão é enfrentada por quem tinha documento e expirou. O prazo de validade foi prorrogado de março de 2020 até 16 de setembro deste ano.
— A migração tem aumentado muito. Tudo passa pelo documento. Temos três gargalos, os que já estavam na demanda reprimida, os que chegam sem documentação alguma e aqueles cujos documentos expiraram.
Empresas que abrem portas
As empresas que abrem as portas aos imigrantes oportunizam a mudança de muitas vidas. Mais do que trabalho, são fontes de dignidade, de autoestima, de aprendizagem. Aquelas com as quais a reportagem conversou declararam que todos os migrantes são admitidos seguindo as leis trabalhistas, com mesma carga horária, remuneração e oportunidades de crescimento. E que não fazem diferenciação entre funcionários brasileiros e de outras nacionalidades. Nenhuma delas tem um programa de admissão de imigrantes. As contratações ocorrem por demanda espontânea. Elas também referiram que a vontade que os migrantes têm de conseguir e manter um emprego fixo acaba sendo um diferencial no empenho, na dedicação, na busca por aprender. Em muitos casos, isso decorre de uma necessidade, porque eles têm como pano de fundo a situação financeira em que vivem as famílias que ficaram nos países de origem. O trabalho aqui, além de proporcionar uma vida digna a eles, significa dinheiro para mandar aos parentes e, depois, a chance de trazer a família para viver em condições melhores no Brasil. O amor e o comprometimento com a família é muito presente nos migrantes. O emprego é a oportunidade de se fixar na cidade e construir uma nova história.
Confira nesta reportagem os bons exemplos de admissão de migrantes haitianos, senegaleses e venezuelanos e a política adotada por três empresas, que estão dando certo.
Onde buscar orientações:
CAM
- É preciso agendar na primeira segunda-feira do mês, pelo (54) 3027-3360. Atende de segunda a sexta-feira, das 13h às 17h.
- Fica na Rua Professor Marcos Martini, 1.600, bairro Santa Catarina.
CIAI
- É preciso ligar para o (54) 3218-6000, ramal 6418, ou (54) 98421-0138, e agendar um atendimento, que é feito às terças e quintas, das 13h às 16h.
- Fica no segundo andar do prédio da prefeitura, na Rua Alfredo Chaves, 1.333, bairro Exposição.