Nascido de um pedido do Papa Francisco, o Projeto Chaire Gynai, que significa "Bem-vinda, mulher!", em grego, acolhe mulheres e crianças refugiadas no coração de Roma, na Itália. Duas casas são usadas cotidianamente no serviço de acolhimento para que elas possam ter estrutura e recomeçar a vida de forma digna. Na coordenação do projeto que muda a vida de centenas de mulheres e seus filhos pequenos que fugiram da Guerra, na Síria, por exemplo, ou são perseguidas politicamente, está uma freira gaúcha.
A Irmã Eléia Scariot, 48 anos, nasceu em Ibiaçá, no norte do Estado. Ela entrou na Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo-Scalabrinianas em Paraí, na Serra, em 1991. Filha e neta de caxienses, a missionária scalabriniana, chegou em Caxias do Sul, em 1992 e em 1995 fez os primeiros votos. Ela seguiu na cidade até 2011.
Aqui, atuou com migrantes, uma vez que a base da cidade tem uma história de migração italiana, tanto que o bisavó dela veio da Itália e se instalou em Caxias. A irmã trabalhou no Centro de Cuidados Nossa Senhora da Paz e no Centro de Atendimento aos Migrantes (CAM). Na época, acolhiam refugiados da Colômbia que fugiam da guerrilha e migrantes de outros países da América Latina. Ela se formou em Jornalismo na Universidade de Caxias do Sul (UCS) em 2003. Já em 2011, foi transferida para Fortaleza onde trabalhou na coordenação da Pastoral dos Migrantes que acolhia imigrantes vindos do continente Africano.
Em 2017, Eléia foi para a Itália e, em 2018, recebeu a missão de acolher mulheres refugiadas com suas crianças pequenas, que estão sozinhas no país.
— Esse projeto nasceu no coração do Papa Francisco, foi um desejo dele, que foi manifestado à nossa congregação e nós abraçamos essa missão. É um programa que atende mulheres refugiadas com filhos pequenos e também migrantes que vivem em vulnerabilidade social, e estão em processo de migração, com ou sem filhos, vulneráveis e que não contam com nenhum serviço de proteção.
O projeto é guiado pelos quatros verbos do Papa Francisco porque "ninguém deve sentir-se estrangeiro, pois todos somos filhos do mesmo Pai".
— É um presente que o Papa Francisco entregou a quem trabalha com migrantes e refugiados. São os verbos acolher, proteger, promover e integrar. Toda a nossa missão é realizada a partir desses quatros verbos e com essa espiritualidade. Em cada pessoa refugiada ou migrante que acolhemos, sabemos que estamos acolhendo o próprio Jesus, o próprio Cristo. No evangelho de Mateus (Mt-25:25) diz: "Eu era estrangeiro e você me acolheu em tua casa". Para nós, acolher uma pessoa que bate em nossa porta é acolher Jesus — emociona-se.
Como funciona o acolhimento
As refugiadas e migrantes são acolhidas em um centro onde recebem formação, e aprendem o italiano e são encaminhadas para uma das duas casas mantidas pelo projeto.
— Entre as migrantes atendemos também mulheres brasileiras. Já atendemos uma LGBT e ajudamos com questão de documentos, e demais brasileiras e mulheres de diversas nacionalidade que precisam de auxílio com documentos e também a se inserir no mercado de trabalho — explica Eléia.
A irmã afirma que as mulheres são acompanhadas pelas missionárias de seis meses a um ano, especialmente, as que são mães até que consigam se organizar e tenham emprego e moradia:
— Quando elas chegam até nós essas mulheres são acompanhadas em relação a inserção no mercado de trabalho e para aperfeiçoar o italiano. Assim que conseguem emprego elas seguem conosco e vão guardando o dinheiro que recebem, para depois poder seguir com a gestão da própria vida. Elas não pagam para ficar conosco, precisam apenas pensar em como fazer a alimentação, em cozinhar, e se organizar, para depois caminhar com as próprias pernas. Às vezes quando elas chegam vão para um centro onde tem quem faz tudo por elas, então nossa missão é começar o processo de independência —explica a freira.
Ao término do período de acolhimento, Eléia esclarece que as mulheres recebem orientação para a inserção na comunidade italiana, de forma mais autônoma.
— Ajudamos elas a encontrar um lugar digno para morar, onde possam com o seu trabalho, pagar o aluguel e seguir em frente. Para que elas recomecem como mulheres autônomas, protagonistas e recuperem a dignidade. Somos um projeto de semi autonomia para ajudá-las a ter uma vida digna e serem inseridas na sociedade italiana — ressalta a irmã Eléia.
Por causa da pandemia, o tempo de permanência foi ampliado para até dois anos.
— Elas chegam até nós e quem é mãe fica pelo menos um ano, mas com a pandemia muitas perderam o emprego, então acolhemos e acompanhamos elas por mais tempo. As solteiras ficavam em média seis meses, mas muitas trabalhavam em hotéis e na área de turismo e também ficaram desempregadas, então mudou a previsão de acolhida. Nesse tempo acolhemos e acompanhamos mais de 90 mulheres que puderam ter a oportunidade de recomeçar a vida — revela.
O projeto conta ainda com a colaboração de religiosas, psicólogos, assistentes sociais e advogados que estão disponíveis para a assistência humana, psicológica e jurídica. A equipe ajuda a encaminhar os currículos das mulheres, procurara por casas com aluguel mais acessível, avaliando as melhores regiões para elas viveram. Também contam com voluntários, que geralmente são italianos aposentados que dedicam parte do seu tempo ao trabalho social.
As dores de quem fugiu da Guerra
A maioria das refugiadas são do continente Africano e do Oriente Médio. Em geral, as africanas precisaram deixar seus países devido a perseguição política e, as sírias, fugiram da guerra. Entre as migrantes da América do Sul, estão brasileiras, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, que precisam de ajuda com documentação e inserção no mercado de trabalho.
— Temos várias refugiadas da Síria, àquelas que foram forçadas a deixar seu país por causa da guerra, mas todas querem voltar. Elas sonham em voltar para casa quando terminar a guerra e não veem a hora desse momento chegar — revela.
A irmã ressalta que para as sírias a família tem um valor extraordinário. E a cultura deles, diz Eléia, tem elementos parecidos com o que se vê na Serra.
— Eu me encontro na cultura da Síria, principalmente, nessa questão de comer junto. Tudo acontece em torno da mesa. Parece Caxias do Sul, porque se eles estão almoçando e você chega tem que sentar com elas e comer algo mesmo que já tenha almoçado, tem que provar o que elas cozinharam e a cozinha Síria é fantástica — conta, empolgada.
Muitas perderam os maridos ou eles conseguiram asilo em outros países. Uma das mulheres atendidas no programa não vê o marido e o filho mais velho há oito anos. Eles estão no Brasil e, ela e os filhos pequenos, na Itália. Se falam por telefone e sonham com o reencontro, mas apenas o marido pode ir para Roma, mas o filho, como é maior de idade não pode se juntar aos dois. Assim como essa, Eléia lida diariamente com muitas histórias de superação.
— Apesar de toda dor, elas não se lamentam e são altruístas, solidárias, fortes, amorosas e não se queixam da vida. Ajudam as outras mulheres e cuidam das outras crianças. Quem viveu a guerra é como se voltasse a ver o sol de um jeito fantástico, sempre com luz. São alegres e esperançosas. Elas viveram o horror da guerra, viram quem amavam morrer na guerra, e conseguiram sair daquela situação. A gente não imagina o que é um país em guerra, porque não vivemos essa experiência. Nós nos queixamos de problemas, mas não sabemos o que é sofrer de verdade. Muito dos nossos sofrimentos são mais por fantasia e imaginação — ensina Eléia.
No projeto, "Olá! Bem-vinda, mulher!", as refugiadas e migrantes se sentem parte de uma família. Como uma síria que perdeu os pais e cresceu em um abrigo. Ela casou-se com um sírio, que vivia no mesmo lugar, e tiveram quatro filhos. Separada, e com quatro filhos, foi no projeto que encontrou uma mais do que um acolhimento, mas um família.
— Ela nos diz sempre que agora não está mais sozinha. Diz que sou a irmã dela —lembra Eléia, com carinho.
A irmã conta ainda que as experiências das africanas também emocionam e servem de lição de vida.
— Temos uma refugiada que fugiu da República do Congo porque era perseguida e queriam matá-la por questões políticas. Depois que ela fugiu mataram o irmão dela. Ela é uma pessoa que sofreu muito e ajudamos bastante com um curso profissionalizante para que ela pudesse cuidar de idosos. Agora ela está trabalhando e doou parte do primeiro salário ao projeto. Ela escreveu uma carta de agradecimento. Eu me emocionei porque foi forte. Ela me chama de mãe, mesmo sendo mais velha do que eu, e é muito carinhosa.