Caxias do Sul enfrenta uma estatística preocupante: cerca de 500 alunos da rede municipal de ensino estão fora da escola desde o inicio do ano letivo. Em 2021, o número da evasão escolar chegou a 1,55% do total de estudantes, de acordo com levantamento da Secretaria Municipal de Educação (Smed). A Smed prefere não divulgar bairros e nomes de escolas onde há mais casos de evasão escolar, mas o levantamento aponta que o maior número de alunos que não têm qualquer contato com as escolas concentra-se nas zonas Norte, Sul e Leste do município. Em um universo de 33.878 alunos matriculados na rede municipal, 500 pode até parecer um número pequeno. Contudo, quando se trata de acesso ao aprendizado é necessário agir para identificar o que levou essa criança a deixar o colégio e usar estratégias capazes de fazer com que ela volte a estudar.
— Se for pensar em um universo de mais de 33 mil, parece um número muito pequeno, mas 500 alunos equivalem a uma escola de médio porte da nossa rede. Isso significa uma escola inteira fechada o ano inteiro, e é um dado preocupante — aponta a secretária de Educação de Caxias, Sandra Negrini.
A secretária ressalta que esses 500 estudantes se tornam candidatos a viver à margem da sociedade:
— Não é só uma questão de pobreza, mas também de diminuir possibilidades de escolha. A primeira preocupação é com o ser humano. Antes de serem alunos, eles são pessoas que têm o direito de participar ativamente da sociedade. A escola é legalmente o espaço que pode contribuir com essa possibilidade para que possam tornar a sociedade melhor com o acesso ao conhecimento, interações e vivências.
Sandra acredita ainda que há na cidade alunos de 4 a 17 anos que não foram matriculados em nenhuma escola. Isso significa que o índice de evasão escolar pode ser ainda maior.
— Temos a tarefa de buscar os 500 que estão matriculados, que sabemos da existência, e que identificamos que não têm interação alguma com a escola, mas também temos que paralelamente verificar quais os estudantes de 4 a 17 que não estão matriculados. Acredito que isso aconteceu, principalmente, na Educação Infantil, onde tivemos uma pequena queda nas matrículas de crianças de 4 a 5 cinco anos — diz ela.
Como funcionará a busca ativa
Para reverter esse cenário, o município fará uma busca ativa. A primeira etapa, segundo a secretária, foi o mapeamento para reforçar o trabalho em conjunto com a Rede de Apoio à Escola (RAE). Esse mecanismo foi instituído a partir da iniciativa do Ministério Público (MP) para que a escola conte com os apoios que tem dentro de cada território para auxiliar no retorno dos alunos:
— Para organizarmos a busca ativa, vamos contar com a ajuda de quem conhece bem e atua em cada território, como as UBSs, os CRAs, as Amobs e as igrejas. São pessoas que têm influência e conhecem os bairros para que, junto com as escolas, nos ajudem a verificar onde estão esses estudantes.
A Smed terá apoio das Secretarias da Saúde e da Segurança Pública, da Fundação de Assistência Social (FAS), da União das Associações de Bairro (UAB), do Conselho Tutelar e do MP. Está prevista uma reunião estratégica com os parceiros para a próxima semana para debater a melhor estratégia para ver onde estão os alunos e trazer essas crianças e adolescentes de volta para a escola.
Os motivos que levam ao distanciamento da escola
Também é preciso entender porque a criança ou adolescente não está mais estudando. O levantamento da Smed evidencia que a evasão escolar ficou entre 1,06 e 1,08% do total de estudantes do município em 2019 e 2020. Portanto, fica evidente que a pandemia de covid-19 acentuou as diferenças. De acordo com a Smed, entre os principais fatores que levam os alunos a não frequentar a escola estão os fatos de as famílias voltarem às cidades de origem, pais com baixa escolaridade, moradia em uma área de vulnerabilidade social e dificuldades financeiras.
— Temos consciência da própria questão, por exemplo, da não conectividade, que pode ser um fator de afastamento porque não ter o aparelho digital faz com que os familiares e estudantes não se sintam parte dessa sociedade — afirma Sandra.
Ela ressalta que enquanto poder público, a Smed tem, junto a esses parceiros, buscar alternativas para que os alunos tenham acesso à educação remota.
— Até o dia 10 de junho sai a licitação da internet para todos os estudantes e professores, e estamos com o processo licitatório para a compra de cinco mil chromebooks (novo tipo de computador projetado para ajudar a realizar tarefas de modo mais rápido e fácil) porque são cinco mil estudantes hoje que não têm aparelho digital para acessar as aulas. Isso em tempos de pandemia é uma forma de exclusão e o município está trabalhando para que todos sejam incluídos de forma plena, porque todos devem estar na escola.
Mapeamento também ajudará famílias em vulnerabilidade social
Ao mapear e chegar até os estudantes que não estão em contato com a escola, a rede também poderá identificar se a família precisa de ajuda da FAS, por exemplo, explica a titular da Smed.
— Pode ter famílias de extrema vulnerabilidade que não estão acessando os serviços que o município tem à disposição. O mapeamento fará com que essa família seja acolhida, porque as pessoas que estão em maior risco, elas têm sim que ter uma ajuda do poder público. Nós vivemos num dos países mais desiguais do mundo em nível socioeconômico e as políticas públicas podem, com os outros parceiros, reduzir esses impactos que foram acentuados pela pandemia.
Sandra lembra que a escola é reflexo do que acontece no entorno:
— As escolas com maiores índices estão em regiões onde há mais vulnerabilidade social. Se o entorno está com muitas necessidades, com pessoas desempregadas, e há também a questão da saúde mental porque temos um contingente dito de invisíveis, que estão passando por muitas situações de adoecimento, e quando é o pai ou a mãe que adoece, a família toda fica doente e esse aluno fica sem rumo. Temos que resgatar também as famílias e tornar visível esses que talvez para a sociedade estejam invisíveis porque eles precisam de nós para ter uma vida um pouco melhor.
O que diz o MP
Com a pandemia, os alunos da rede municipal que optaram por não voltar às aulas presenciais têm atividades diárias que são encaminhadas pelos professores ou entregues aos pais ou responsáveis nas escolas. Por isso, o fato de o aluno não ir à escola não configura a abertura da Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente, a FICAI. A ferramenta foi instituída em 1997 para controle da infrequência e do abandono escolar de crianças e adolescentes. Contudo, como não é obrigatório frequentar às aulas presenciais em meio à pandemia, foi preciso rever o uso da ferramenta que agora é utilizada para alunos que não foram matriculados.
— A RAE realiza reuniões todos os meses e vem sendo discutido a evasão escolar há muito tempo, mas agora terá essa intensificação porque com a pandemia muitos alunos, apesar de estarem matriculados em 2020, não participaram das atividades. O papel da escola é descobrir o porquê. Muitos não tinham acompanhamento dos pais que trabalham fora ou que não têm condições de ajudar os filhos porque não estudaram e as famílias tinham dificuldade de acessar as escolas até mesmo por dificuldades financeiras depois de perder o emprego — aponta a promotora regional da Educação, Simone Martini.
Ela explica que antes era mais fácil descobrir os motivos da evasão, mas as dificuldades ficaram mais acentuadas com o acesso remoto:
— O diagnóstico é necessário e a rede precisa ser fortificada para que as soluções aconteçam e possamos saber por que esse estudante não está em contato com a escolas. As Amobs são essenciais porque são os presidentes de bairro e os demais integrantes das associações que chegam até esses estudantes. Os agentes de saúde e que atuam no Programa Primeira Infância Melhor (PIM) também são parceiros fundamentais nessa busca ativa. Tentamos trabalhar a questão com os pais que não acreditam muito na eficácia do ensino remoto. Agora, com as escolas abertas, temos que mostrar a eles que o ambiente é seguro, que as crianças precisam participar e interagir com o professor.
Pais podem ser responsabilizados judicialmente
Diante do novo cenário, o conselheiro tutelar Josué Orian da Silva ressalta que quando a escola faz a busca ativa e a família se recusa a retirar as atividades para os filhos, o Conselho Tutelar é acionado:
— Como as atividades estão remotas e as famílias têm a possibilidade de optar por aulas remotas, se os estudantes não frequentam a escola e os familiares não retiram as atividades, a escola contata a equipe psicossocial que faz a busca ativa. Se a família se recusa a retirar os conteúdos, chamamos a família e advertimos os responsáveis. Caso ele continue sem mandar a criança para a escola ou não busque as atividades, acionamos o Ministério Público, e eles respondem judicialmente.
As assistentes sociais também farão visitas e poderão identificar situações em que o Conselho Tutelar precise ser acionado, como casos de negligências e maus-tratos.
Situação na rede estadual
Nas escolas estaduais, são 29 alunos em abandono em 2021, segundo a 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE).
— É um número bem baixo que resulta de um trabalho que as escolas estão fazendo desde o início do ano. Nós iniciamos o ano já fazendo um levantamento dos alunos em situação de abandono escolar. Então, as escolas iniciaram um trabalho de mobilização para trazer esse aluno de volta para o colégio — afirma a coordenadora de educação, Viviani Devalle.